A Poção de Panoramix

Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Vendedores que acreditam em si mesmos.

Os EUA pretendem estancar o processo de integração euro asiática. Todas as pessoas que possuem conhecimentos históricos suficientes e que pensam a partir de condicionantes e estímulos que não venham da imprensa corporativa sabem que o intuito de travar este processo é vão.

Bem, é possível estancar este processo de integração, mas isto implicaria estancar a vida humana na terra, o que não seria um problema em si, mas não me parece que seja o desejado pela maioria.

Subjaz ao desejo, como sua razão básica, o apego tenaz à idéia imperial da unipolaridade. Ou seja, a pretensão dos EUA ao poder mundial absoluto e inquestionável. Claro que esta razão de poder não é ou é muito raramente invocada abertamente.

Abertamente fala-se de coisas sem sentido real algum, tais como disseminação da democracia, da liberdade, dos valores ocidentais e outros lugares comuns que só servem para escancarar os níveis obscenos de hipocrisia a que chegaram os filhos da tradição greco judaica.

Embora seja óbvio, convém dizê-lo: se alguém em posição de exercer poder, nos EUA e na Europa, estivesse preocupado com democracia, os Estados da península arábica e do golfo pérsico não existiriam, simplesmente.

Para levar adiante a tentativa de atrapalhar e retardar o processo de integração euro asiática usam-se os meios de combates híbridos, hoje já bem teorizados, principalmente depois do livro de Andrew Korybko. É o manejo do caos administrado para derrubar governos que não servem aos interesses imperiais.

Isso vem sendo feito em países que se situam geograficamente vizinhos à China e à Rússia, bem como em países situados ao longo da Nova Rota da Seda – Belt and Road Initiative. Acontece que, se eu posso perceber isso, é claro que os chineses já o perceberam há muito e dispõe das tecnologias para resistir.

O assustador é perceber o nível intelectual e civilizacional rasteiro das pessoas que movem o aparelho estatal dos EUA. Lastimavelmente, são ignorantes, principalmente de história, não desconfiam que sejam ignorantes, são seguros de si e, o mais grave sinal, estão menos hipócritas que as pessoas que desempenhavam as mesmas funções há sessenta ou cinquenta anos.

Essa redução na hipocrisia dos altos funcionários é algo a temer, por contraditório que possa parecer. Porque a hipocrisia dos que estão nos grandes jogos decorre de um esforço intelectual que fizeram para criar um suporte narrativo e disfarçar, na medida do possível, as contradições entre ações e motivos alegados.

Quando se supera este estágio, há uma regressão à sinceridade e a adoção de modelos de ação primários. O Secretário de Estado dos EUA acredita no que diz e isto é preocupante.

É claro que ele é um negociante que sempre estará na porta giratória e, breve, será executivo da Boeing, da Lockheed Martin ou da Raytheon. Mas, além de um negociante, ele é um cruzado, um pregador religioso, um destinado por Deus a uma missão de não deixar os EUA perderem o que já perderam.

Sendo esta gente assim, trata-se de quem não admite insucessos. Ora, o ungido, investido em missão divina, não é passível de insucessos, porque o representado por ele, por definição, nunca perde. Resulta que ele agirá desesperadamente e fora de qualquer racionalidade.

É o que acontece hoje. Para sabotar um processo de integração com sólidas e antigas bases, que gera ganhos para todos os envolvidos, os EUA estão dispostos a coisas que, se não desencadearem a guerra nuclear, apressarão sua própria decadência. E isto os levará a despejar sua raiva no quintal da América do Sul, como playboys vândalos enfurecidos.

Is that all your luggage?

A definição de identidades nacionais chega ao ponto de fetiche nos países mais jovens e, sobretudo, naquelas que foram colônias. Há casos interessantes, como o dos EUA, onde a definição faz-se pela aparente indefinição que é o melting pot.

Com o Brasil não poderia ser diferentemente e a busca da identidade nacional segue os rumos convencionais, ou seja, é de raiz aristotélica, à procura da singularidade, da diferença específica. É claro que é presunçoso buscar singularidades culturais nacionais, quando se sabe que a maior parte das apontadas encontra-se em todas as partes. Todavia, as ciências sociais não temem serem presunçosas.

Gilberto Freyre é o grande definidor da identidade nacional e de suas singularidades. Agrupou tudo sob o guarda-chuva do luso-tropicalismo. Independentemente disto ser ou não correto, o fato é que as bases foram definidas por ele.

Cuida-se de uma narrativa que ampara muitas nuances das percepções que os brasileiros têm de si próprios. Convém a muitos propósitos, inclusive a incutir um sentimento difuso de inferioridade, algo que ex-colônias tendem a apresentar, até para manterem-se colônias pós descolonização.

Assim, o imaginário brasileiro acredita que há uma série de condutas e inclinações que nos seriam próprias, singularmente nossas. Todas, ou quase todas, como é previsível, são negativas ou, na melhor das hipóteses, têm valores neutros.

Logo que se começa a pensar neste assunto, é comum assustar-se com a absurdidade que é acreditar nestas singularidades, pois beira o óbvio que elas são características que estão por todas as partes e, assim, não são absolutamente singularidades.

Os gênios do controle social mediante narrativa fizeram, por exemplo, que ingressasse no imaginário coletivo brasileiro que a desonestidade e a preguiça são singularidades culturais nossas. Isto é tão estúpido quanto nocivo, pois reage com o moralismo de raiz reformada e tem os efeitos previsíveis de desagregação e histeria coletiva que cega.

Pode ser que existam estas tais singularidades culturais nacionais, definidoras de alguma personalidade coletiva, mas nunca me dediquei a procura-las. Aquelas de que se fala são tão pueris que a empresa não parece atraente. Mas, eis que uma experiência pessoal pode ter me revelado uma!

Infelizmente, porque é uma chatice e não algo glamuroso, passo muito tempo em aeroportos. Um dia, dirigi-me ao balcão de check-in de uma companhia estrangeira, em um aeroporto brasileiro.

Diante da moça do check-in, entreguei-lhe meu passaporte brasileiro e ela cumprimentou-me, muito profissionalmente, com um good evening. Desconcertado – embora ainda pouco, nesta altura – respondi-lhe com um boa noite, em português brasileiro evidente. Não falei como algum gringo que se esforça para falar português brasileiro.

A moça prosseguiu e perguntou-me: are you going to Lisbon or to Oporto? Respondi-lhe: Vou para Lisboa, já um bocado desconcertado com o nível de ridículo em que se entrava.

A moça baixou os olhos e teclou umas coisas lá no computador do check-in e, afinal, olhou-me, com meu passaporte brasileiro numa mão, e apontou para a minha mochila e perguntou: is that all your luggage?

Respondi-lhe que a mochila era toda a bagagem que eu levava e, neste momento, eu percebi o que nos singulariza. Neste episódio tão banal quanto patético eu tive um alumbramento e percebi o traço fundamental da nossa identidade brasileira. Para finalizar, a moça devolveu-me o passaporte, entregou-me o cartão de embarque e disse: boarding time is ten o´clock, have a nice trip. Disse-lhe: muito obrigado! Na verdade, acho que já grato pela revelação.

A nossa singularidade são as malas imensas, obscenamente grandes, daquelas em que se traz o país a ser visitado inteiro, daquelas que podem servir para uma mudança definitiva, que ensejam pagamentos por excessos de bagagens, daquelas que podem aumentar o consumo de combustível do avião.

Eu, com apenas uma mochila nas costas, só podia ser gringo, mesmo com um passaporte brasileiro e falando português de um brasileiro legítimo!

O pesadelo de Kissinger.

Este texto foi inicialmente publicado em novembro de 2018. Hoje, está acontecendo o que se disse então há três anos e alguns meses. O consórcio anglo-saxão descumpriu os acordos feitos após o colapso da União Soviética e avançou a OTAN para as fronteiras da Rússia. Aniquilou a Ucrânia como Estado e patrocinou grupos neonazistas que realizaram um massacre no leste, tendo como alvos populações etnicamente russas.

A Rússia reagiu de maneira previsível, para defender seus interesses e sua segurança. A esta reação correspondeu a imposição de sanções econômicas à Rússia, bem como o furto de reservas russas mantidas em bancos ocidentais. Isto também foi previsível.

Previsível também será a acelerada desdolarização em escala mundial, bem como o colapso econômico da Europa, que depende da Rússia nos campos energético e alimentar.

Como tudo isto era, realmente, previsível, é o caso de se pensar numa implosão programada do sistema até então vigente e numa guerra a devastar novamente a Europa.

A conformação geopolítica mundial ainda vigente – embora em vias de esgotamento – deve-se muito às idéias e ações de Henry Kissinger, um judeu bávaro inteligente. Richard Nixon percebeu esta inteligência e o teve sempre ao seu lado. Outros presidentes estadunidenses posteriores contaram com seus conselhos.

Kissinger percebeu algo que não é tão simples, sobretudo considerando-se os níveis intelectuais médios e a propensão a pensar ideologicamente enviesado ou fazer puro wishful thinking.

Ele percebeu que a China, inevitavelmente, seria grande novamente e que isto era apenas questão de tempo. As potências com mais de dois mil anos de história podem sofrer declínios ou serem brutalmente exploradas por alguns períodos, mas reerguem-se.

O domínio global dos EUA ampara-se no dólar como moeda de reserva e de troca internacional e na sua capacidade bélica. Este modelo emergiu do pós segunda grande guerra e foi renovado no início da década de 1970, sob inspiração de Kissinger.

Quase todas as transações comerciais internacionais são fechadas em dólares norte-americanos e mediante o sistema SWIFT de clearance interbancário. Isso significa que todos os que transacionam precisam comprar dólares para fechar suas operações e assim o dólar tem demanda garantida, o que permite aos EUA simplesmente fabricá-los.

O petrodólar faz parte da renovação que se fez no início da década de 1970. Acordos celebrados em 1973 determinaram que todas as transações a envolverem petróleo seriam necessariamente liquidadas em dólares norte-americanos. A moeda, que perdera conversibilidade em ouro, passou a ter outro lastro forte e garantia de demanda constante.

Acontece que a aristocracia estadunidense aspira ao domínio mundial hegemônico e não disfarça este desejo. Não importa aqui que o faça amparada em discurso religioso meio primário, não cuido das justificativas para o destino manifesto, de tão tolo que isto é.

Para o domínio total, nos princípios da década de 1970, era necessário evitar a aproximação entre China e Rússia. E isto Kissinger conseguiu e ainda conseguiu mais. Fez a China comprar notas promissórias dos EUA em troca de manufaturados que permitiram conter pressões inflacionárias.

Isto funcionaria bem até certo ponto, se outros posteriores ajustes fossem feitos. Todavia, parece ter havido escassez de Kissingeres recentemente. A fúria hegemônica, cada vez mais religiosa, impeliu os EUA a uma beligerância típica, que anuncia as fases de declínio.

E finalmente, depois de aberta uma guerra comercial insana, eis que a China percebeu a necessidade de abandonar o dólar como meio de troca em todas as suas transações e como moeda de reserva. Claro que não é algo simples, nem que se faça do dia para a noite, mas está em curso.

Contudo, o mais extraordinário foi ter conduzido a que se formasse uma aliança estratégica entre China e Rússia, o que, a toda evidência, é o ponto de travagem da aspiração hegemônica dos EUA.

Uma aula de tristeza nas Eleições de 2018

Outro dia, vi que uma garota que estudou com os filhos então adolescentes do deputado federal Jair Bolsonaro escreveu um texto. No tal texto, ela contava que os filhos do Bolsonaro eram adolescentes normais, de classe média alta no Rio de Janeiro. Que saiam, paqueravam, eram paquerados, usavam internet, tinham ICQ, e brincavam ou, na gíria do Nordeste, carregavam, em seus círculos de amizade.

Eram adolescentes comuns, enfim. Ela começava o texto se perguntando quando fascistas se tornam fascistas e terminava dizendo que  não sabia quando isso acontecia, mas a situação se transmutava em barbárie quando eles chegavam ao poder.

Nas eleições passadas, e nas retrasadas, e em algumas outras antes dessas, eu não estava no Brasil. Não sentia o clima e, pra mim, sempre era uma grande brincadeira. Especificamente na última, o whatsapp já era um aplicativo de telefone difundido, e eu entrei em vários grupos de colégios onde estudei. O melhor deles, onde haviam mais amigos, mais engraçado, mais carrêgo, era o grupo de meus amigos de terceiro ano colegial, último ano do ensino médio, ou como quer que se chame hoje em dia.

Por estar nesses grupos, eu “senti” mais de perto as eleições, as “brigas”, as discussões acaloradas. Foi uma experiência sui generis participar desse jeito nas eleições. E, aqui novamente, o melhor grupo era o grupo de meu terceiro ano colegial, inclusive onde certa feita alguém escreveu: “-Também, nesse grupo a pessoa tem que estudar antes de fazer uma postagem!”, coisa que não se repetia nos outros grupos. Pra mim, que estava então escrevendo a tese doutoral, era uma despressurização das horas enfurnado na biblioteca, saia e ia conversar aresia no Whatsapp.

Naquele momento, as discussões eram sobre políticas públicas, corrupção, obras, e muitas piadas sobre o português ruim da então Presidenta Dilma Rousseff. Algumas discussões eram boas, outras nem tanto, mas eram interessantes. As conversas davam a tônica do posicionamento de cada um individualmente e o pensamento político era construído a partir daí como singularidades desses posicionamentos, conservadas da época em que estudamos estavam a simpatia de todos e a vontade eterna de nos reunirmos sempre que possível.

Em 2014, a maioria esmagadora do grupo votava em candidatos que eventualmente foram derrotados nas urnas. Os poucos, como eu, que naquele momento elegiam o lado “vermelho” da força pra discutir foram, pouco a pouco, saindo do grupo, até que fiquei eu lá, de Highlander. As discussões eram abundantes, ainda que as vezes pesadas, e eu gostava delas tanto quanto adoro torturar idéias, convicções e rótulos, imagino eu, que com alguma destreza.

Eis que essas eleições 2018 estavam meio… Paradas. Sentia falta de alguma coisa e… Pô, vou entrar no grupo novamente pra conversar besteira com o pessoal. E estavam lá todos, tal qual nas últimas eleições, prontos a discutir, conversar bobagens e contar piadas, como sempre. Os moderados continuavam moderados, os que não eram tão moderados assim, também continuavam não tão moderados assim, enfim… Estavam todos lá, inclusive de bom humor. Depois de algumas provocações, fica evidente o que era de se esperar: em sua maioria, os meus interlocutores votavam em Bolsonaro.

A troça perdeu a graça 5 minutos após eu perceber que Bolsonaro não tem proposta alguma, a não ser na pauta de costumes, sobre a qual não vale a pena nem conversar, ou fazer troça. Nem a minha provocação preferida, que é prometer o voto em troca de um projeto, deu retorno, porque simplesmente não há projetos.

E ai lá vem ela de novo, a pauta de costumes… Chaaaaaata, sem graça, só conservadora e ignorante. São, em sua maioria as mesmas pessoas, bons debatedores, bons humores, tolerantes, nas eleições passadas pautadas pela honestidade dos candidatos, nessa, pela pauta de costumes embalada também pela questão da honestidade.

Eu fiquei matutando hoje sobre o texto que a moça escreveu, acerca dos filhos de Bolsonaro. Também sobre um excelente filme chamado “Diários de Motocicleta” de Walter Salles. A menina se perguntava como se formam os fascistas, o filme de Salles é uma proposta do caminho percorrido pelo rapaz Che Guevara para que este se tornasse então o guerrilheiro Che Guevara, sem dúvidas um bom filme que demonstra esse processo de formação. Eu fiquei então refletindo sobre muitas coisas…

Falando só de Bolsonaro, é um perdido. Uma pena que tenha sido alçado a candidato preferido de larga parcela da população por programas televisivos de comédia com gosto duvidoso. Não representa ideologia, mais por incapacidade do que por qualquer outra coisa. Representa sim, a violência, a estupidez, enfim… Cada linha perdida ao descrever #EleNão é uma linha de tempo perdido na minha vida.

A grande tristeza das eleições desse ano, foi perceber que a pauta defendida por ele tornou-se a defendida por muitos amigos e colegas. Que a defendem tão bem quanto defendiam a pauta outrora defendida por Aécio Neves. Só que agora com mais virulência, entoando expressões como: “vai ter repressão”, “distribuir Meritocracia”, pra ficar em alguns casos. Ora, são meus companheiros de outrora quando era garoto, não acredito nem por meio segundo que algum deles seria capaz de “realizar” algumas das barbaridades.

Não obstante, sempre existe a possibilidade. E é quando eu me pego a pensar, qual será o momento em que isso acontece?! Não precisa se pautar por nenhum exemplo escrito aqui, mas em algum momento na vida desses, eles foram pegos por uma correnteza que os leva por mares que eu, e muitos outros amigos não nos arriscaríamos nem a navegar, de tão incompreensível que é. Qual será o momento em que uma pessoa normal, em que um garoto do colegial decide que deveria “reprimir” o comportamento alheio…

O exemplo das eleições 2018, com um fascista como candidato preferido no Brasil, é na data de hoje, bem vivo. Mas os exemplos são muitos, nas profissões. Por exemplo, qual a hora em que um estudante de Direito se apodera da primeira aposentadoria rural como advogado? Que um engenheiro faz a primeira obra com material imprestável, que o comerciante leva a primeira vantagem indevida, e que todos se unem em prol de matar outra pessoa… Qual a hora que uma pessoa normal, no lugar de defender o mais fraco, passa a se aproveitar das fraquezas alheias?

Deve-se negar ao dominador o conforto do soft power.

O controle social por meio de estruturas narrativas tem em seu estoque de meios a confusão permanente e controlada. É algo que teria uma metáfora razoável na reação nuclear em cadeia controlada por barras de grafite. Um processo meio arriscado, mas que gera muita energia.

A confusão permanente a que as pessoas são conduzidas impede-as de, criticamente, dissociar fatos e idéias que se ligam por nexos na verdade inexistentes. Por outro lado, a técnica impede as pessoas de associarem fatos e idéias obviamente conectados.

O que se vive é uma espécie de presente contínuo em que o ritmo é dado pela imprensa corporativa, que oferece fragmentos de realidades fáticas e oferece editorial, de forma a dar ao destinatário a cola que reunirá todo o sem sentido isolado. Isso dá um ritmo às vidas e gera dependência das pessoas.

O controle social por meio de narrativas em linguagem verbal e simbólica é o exercício ideal do soft power. Não somente mais eficaz, mas mais barato que o exercício do hard power, que, como o nome evidencia, implica a violência, verbal ou física, ou ambas juntas.

O problema maior da necessidade de se recorrer ao hard power é evidenciar que houve ruturas irreparáveis e que há quem negue, veementemente, legitimidade ao modelo dominante e o rejeite integralmente. Significa, enfim, que há que esteja percebendo por outros filtros e racionalizando por outras lógicas.

Sociedades com assimetrias sociais muito pronunciadas – como é o caso do Brasil – e com populações muito numerosas, recorrem a técnicas sofisticadas de controle social que permitam seguir adiante a apropriação brutal do feito por todos por um pequeno grupo. Isso deve ser feito sem que o explorado perceba-se como tal. Ou seja, é preciso criar o normal. Todos os processos devem ser normalizados e mesmo naturalizados.

Assim, cria-se ou delimita-se o campo de ação das pessoas sobre algum processo político. Ele está previamente dado por um certo número de abordagens pre-concebidas e todas tributárias da matriz levítica platônica. Todo o background teórico a partir de que as pessoas observarão o processo será moralizante.

A narrativa jurídica serve a este propósito normalizador, evidentemente. Para que isto funcione, no campo do controle social, é necessário que seja cultivado sem cessar o mito da imparcialidade da burocracia judicante, da mesma forma que se incensa este mito relativamente à imprensa corporativa.

Aceita a premissa de que estes campos do judicial e da imprensa corporativa regem-se por regras que asseguram o exercício de suas funções  imparcialmente – ou pelo menos que a imparcialidade seja preponderante – os resultados possíveis de qualquer embate estão previamente dados. Assim, o contraponto está previamente capturado. 

Os grupos contra dominantes centram suas narrativas na surpresa com a parcialidade de certas máquinas e em apontar incoerências internas a elas, o que é ineficaz em termos de contraponto. O ataque a modelos narrativos a partir de suas contradições é feito dentro dos modelos e, assim, não constitui suas negações.

Houve, no Brasil, um golpe de Estado que visou, basicamente, a duas finalidades: 1) alienar a soberania e as riquezas nacionais; e 2) conduzir um processo de reempobrecimento das classes baixas que melhoraram seus níveis materiais de vida entre 2002 e 2014. As duas finalidades vem sendo plenamente atingidas.

Há, por outro lado, grupos que se põem contra o golpe e suas finalidades. Mas esse contraponto tem muito pouca eficácia. Primeiramente, como algo originalmente planeado desde fora do Brasil, o golpe tem poderosíssimos suportadores. Neste ponto, convém dizer que os destinos brasileiros estão a depender muito mais da grande geopolítica que de qualquer coisa ou movimento interno.

Enquanto o império estadunidense tiver tempo a dedicar às desestabilizações na América do Sul, nós estaremos à mercê delas, sem muito a poder fazer. Todavia, esta dependência evidente dos processos mundiais não significa a total inexistência de um campo de atuação minimamente eficaz.

Esta ação implica compelir as forças dominantes a recorrerem ao hard power. Devem ser levados a exercerem a violência – verbal e física – abertamente, pois que um movimento brutal deve praticar brutalidades. Se ficam os dominantes a agirem no campo narrativo, sem necessidade de dar à luz a brutalidade pura, eles mantém-se tranquilamente.

O reempobrecimento avassalador dos grupos que tinham obtido significativas melhoras obrigará, por um lado, que o emprego da violência física torne-se mais intenso que já é. Mas este, disfarça-se em controle de criminalidade.

A brutalidade evidencia-se quando os grupos contra dominantes rejeitam, pura e simplesmente, as pretensões da institucionalidade. Rejeitam o jogo e suas regras aparentes, não recorrem aos seus meios de solução de conflitos e dizem as coisas claramente e sem a indignação que fica bem nos ingênuos.

As eleições que se realizarão em outubro de 2018, no Brasil, inclusive para escolha de presidente da república, não ocorrerão em ambiente normalizado institucionalmente. Elas seguem-se a um golpe de Estado e trazem este vício de origem. Quem as conduz pretende um resultado, que é qualquer um exceto um postulante nacionalista.

Um certame eleitoral assim não é legítimo, exceto se pudesse concorrer nele o ex-presidente Lula. Ele não concorrerá, evidentemente, porque não se dá um golpe de Estado tão sofisticado para levar o contra golpe apenas dois anos depois. 

Ora, os resultados são previsíveis, pois o processo é essencialmente viciado em tem objetivos claros. Não há ações que sejam demasiadas, nem ações de que o grupo dominante seja incapaz de adotar. Tudo é possível e tudo vale para seguir o projeto do golpe de alienação de soberania. Não haverá recuos, agora, por conta de escrúpulos jurídicos, por exemplo.

Assim, a única negação minimamente eficaz é aquela que se dirige contra o modelo. Se o processo é viciado, não se deve concorrer nele. Esse é o ataque mais veemente que se pode fazer, ou seja, negar o modelo e obrigá-lo a desnudar sua brutalidade.

Oziris Silva, apogeu e crepúsculo.

Em que pese o equilíbrio dentro das forças armadas, a Força Aérea ainda pode ser considerada símbolo de elegância. Ela surgiu no Brasil em 1941, quando se uniram a aviação naval e a aviação do exército. Veio a ter protagonismo internacional quando, em 1944, participou da 2ª grande guerra junto a Força Expedicionária Brasileira.

Foi nessa “arma” que ingressou o hoje Coronel da reserva Ozires Silva, filho de funcionários da Companhia Paulista de Eletricidade. Ele saiu de Bauru em 1947, aos 16 anos de idade, querendo formar-se engenheiro aeronáutico. Um apontamento que acho bastante interessante fazer é que a engenharia aeronáutica, naquele momento, logo após a segunda guerra mundial, era uma carreira absolutamente nova e sem muitos parâmetros, algo semelhante, mesmo que de bem longe, com a computação há trinta anos atrás…

Oziris Silva, acompanhado de um amigo, foi de casa para um Rio de Janeiro então mais romântico. Com relação ao Rio de Janeiro, as pessoas que andam à volta da idade atual de Ozires, 87 anos, lembram-se de suas escolas públicas como centros de ensino não somente de qualidade, como também de excelência.

Essas informações são importantes porque objetivamente definem o pensamento do Coronel, ao situá-lo cronologicamente. Este pensamento foi moldado, portanto, bem antes de “Uma Teoria da Justiça” (1971) de John Rawls, livro que veio definir o liberalismo moderno como modelo de solidariedade sentado em cima do Estado de bem estar (Wellfare State) e é o que de mais importante foi escrito nos Estados Unidos da América desde os Federalist Papers em termos de teoria política.

E foi moldado logicamente antes também do livro de Robert Nozick, “Anarquia, Estado e Utopia” (1974) que assentou as bases do libertarianismo, usando como trampolim o liberalismo clássico inglês (utilitarismo) e que as pessoas hodiernamente confundem com uma forma generalista, e portanto equivocada, do que seja “liberalismo”.

No dia 18/06/2018, Ozires Silva concedeu uma entrevista interessantíssima ao programa de televisão Roda Viva. Este programa televisivo é produzido pela TVCultura de SP que, por sua vez, é gerida pelo partido político PSDB no mesmo Estado. A política deste grupo é, via de regra, vender soberania para perpetuar algumas pessoas no poder político paulista, num tipo de neo-coronelismo da política brasileira, supondo-se de direita.

Uma das coisas mais interessantes sobre o entrevistado, porém nunca levantada, é que ele participou ativamente do período ditatorial brasileiro, em que aconteceram muitas torturas. Ora, a despeito de ser militar e de ter servido ativamente na época ditatorial, não pesa sobre ele nenhuma acusação. Essa inexistência de suspeitas sobre Ozires, com relação a participação em atos violentos não se deve a ter sido da aeonáutica, já que o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA) no Rio de Janeiro servia efetivamente como “ponto de tortura”.

O fato é que além das reprensões “naturais” a movimentos sindicais, inclusive a uma greve na Embraer que ficou famosa em 1984, não paira sobre Ozires a sombra da tortura. E só isso já fala muito sobre a pessoa dele.

Todos esses apontamentos foram necessários para fazer o que para mim seria a observação mais importante sobre a entrevista. Percebe-se que em seu decorrer, vai-se desenhando um Ozires que não existe e, a certa altura, tanto o entrevistado como os entrevistadores começam a falar sobre empreendedorismo e forças de mercado.

É claríssimo que Ozires é um empreendedor nato, hábil e bem sucedido, tanto quanto é claro que o sucesso dele se deve muito pouco a “mercado”, “empreendedorismo”, “meritocracia” e seja lá o que for. A compreensão de que a Embraer, criada em 1969, tem mais a ver com o ímpeto de um jovem militar bem formado por escolas públicas de qualidade, proveniente de uma família de funcionários públicos (que então significava uma grande vantagem), e com um ímpeto nacionalista que talvez hoje esteja um pouco adormecido é primordial.

Diz Ozires que existiu uma reunião com o então presidente da república, um militar, para convence-lo a fabricar aviões. Eu não estava na tal reunião com o presidente, mas tenho uma certeza quase absoluta de que dentre as muitas coisas aventadas naquele momento, absolutamente nenhuma foi: vamos dominar o mercado. Isso em momento algum foi mencionado. Não obstante, algumas outras coisas eu acredito piamente que tenham sido mencionadas como, por exemplo, estratégia, defesa, investimento público, aquisição de tecnologia, tudo isso embalado num patriotismo, que sim, os militares tinham (muitas vezes usado de forma errada, mas tinham).

Esse tipo de relação onde existem investimentos públicos a financiar direta ou indiretamente negócios privados não é novo, inclusive perdura até hoje e é condição quase que sine qua non para os “empreendedores” pátrios obterem sucesso e/ou expandirem seus negócios. A novidade no caso de Oziris, é que ele não utilizou os recursos em empresa própria e construiu com recursos públicos um empreendimento tão grandioso quanto nacional.

Então, a entrevista, assim como a pessoa, impressionam de duas maneiras absolutamente distintas, uma por sua história absolutamente fantástica, outra pela história que querem atribuir-lhe, e que, pra minha decepção, ele aceita de bom grado, tornando quase irrelevante, de maneira irresponsável, uma conjunção de fatores decisivos para que o menino de Bauru se tornasse o criador da Embraer.

Deixo abaixo a entrevista, que de fato, é boa:

Surpresa hipócrita e tentativa de legitimação.

A imprensa corporativa necessita investir constantemente no mito da imparcialidade. Nos momentos fraturantes, a mitologia começa a mostrar-se, a pouco e pouco, é verdade, claramente como farsa. Então, nestes momentos, é necessária uma remodelação das narrativas, de maneira a readquirir a aparência da imparcialidade e a continuar a confundir as massas receptoras de editoriais.

Os discursos agressivos, nesta etapa de readequação narrativa da imprensa corporativa, retrocedem. Inaugura-se uma aparente brandura, a partir da ênfase nas pautas de costumes e na surpresa com o que seriam efeitos indesejados ou, mais que isso, efeitos sem causas.

Em um país colonizado e alienado de sua soberania, como é o caso presente do Brasil, a imprensa corporativa serve aos interesses do capital financeiro transnacional. Ou seja, ela tem um lado muito claro e este não é o lado dos interesses da maioria do país. Mas, essa parcialidade evidente precisa ser disfarçada, o que implica um esforço constante de alterações pontuais ou drásticas – conforme o momento – nas estruturas narrativas.

Os discursos de estímulo ao ódio cego e descontrolado contra uma parte do campo ideológico cumpriram sua função e esgotaram-se já em 2016. O golpe de Estado foi dado, afinal, com uma facilidade que só pode surpreender os pouco acostumados ao estudo da história e da psicologia social. Com este objetivo cumprido e com os efeitos previsíveis nos cotidianos das pessoas, é necessário por em marcha narrativas da conservação da situação degradada.

Inicialmente, a imprensa pratica a dissociação entre efeitos e causas. As coisas são apresentadas como se entre elas não houvesse nexo, não houvesse ligação. Então, por exemplo, a evidência de que uma política recessiva produz recessão é apresentada como algo, ou acidental, ou um efeito indesejado e imprevisto ou, simplesmente, como coisa solta no ar, sem causas antecedentes.

É fácil dissociar causas de efeitos econômicos, por um lado porque esse esoterismo que atende pelo nome de economia é muito mal compreendido pelas massas. Por outro, as pessoas tendem a desacreditar das más intenções e estão propensas a crerem no equívoco, no erro de cálculo circunstancial ou mesmo na necessidade de se fazerem coisas ruins para que num futuro indeterminado colham-se os frutos das privações. Ora, frutos das privações é algo essencialmente contraditório, claro, mas talvez por isso mesmo seja algo em que se acredita tão prontamente. As contradições são muito convincentes.

Essa estratégia narrativa tem seus limites, evidentemente. A depender do grau de degradação das condições de vida das maiorias, suas propensões a racionalizarem a situação conforme aos modelos recebidos da imprensa corporativa reduz-se significativamente. Quando as coisas vão muito mal, a eficácia da dissociação entre causas e efeitos e da narrativa da culpa das vítimas reduz-se muito, até porque qualquer nível mínimo de racionalização implica algum conforto material e tempo.

Outra vertente da reinvenção mediática, após o êxito na empresa golpista e de aniquilação do país como soberano e provedor de mínimos sociais para suas populações mais carentes, está no investimento na pauta de costumes e das diversidades de grupos sociais.

Meio subitamente, os meios que estimularam fortemente o ódio fascista pequeno burguês contra pobres – que são pobres porque assim querem – contra mulheres ativistas, contra homossexuais e contra qualquer pessoa que se mostre razoável e não essencialmente maniqueísta adotam nas suas programações pautas caras aos grupos mencionados. Há aqui uma aparente traição àqueles que os média estimularam e criam-se unidos para sempre. Mas esta traição, se traição for, pouco importa, porque os efeitos desejados pela ênfase narrativa anterior já foram atingidos.

A traição revela que os grupos propensos ao ódio desmedido são, para os média, o que são todos: instrumentos na sua empresa antinacional e concentradora. Servem e deixam de servir e assim é sempre. A viragem serve a outro propósito muito caro à destruição nacional: a produção da confusão, das situações em que as próprias viragens narrativas surpreendem e geram o estado em que ninguém compreende nada.

Haverá quem pense que eles – os média –  afinal abraçam causas nobres de direitos de minorias, de tolerância sexual, religiosa, de direitos humanos. Ora, se assim fazem, afinal não eram tão nocivos como pensávamos e podem ter, anteriormente, apenas incorrido em equívocos, cometido erros pontuais de que agora redimem-se.

Além disto, o foco na pauta de costumes visa a um resultado que é o Santo Graal da engenharia social que visa a manter e aumentar a concentração de riquezas em cada vez menos detentores. Ela retira de cena a pauta econômica e social focada na redistribuição e nas formas e proporções das acumulações. As pautas das liberdades fazem parte das esquerdas abandonarem as pautas das desigualdades, seduzidas pelos direitos. Esquecem-se que sem os mínimos de sobrevivência material não haverá mínimos em termos de direitos humanos.

E assim a imprensa corporativa segue a conseguir legitimar-se, forte no mito da imparcialidade, a disfarçar editorial em notícia. Isto, todavia, como já cansei-me de dizer, tem limites. As massas, quando chegam a certos níveis de embrutecimento e empobrecimento, perdem a linguagem…

 

 

 

 

 

Argentina: terras patagônicas por dívidas?

Na semana passada, o Banco Central da Argentina elevou as taxas de juros básicos de remuneração de seus títulos para 40% ao ano. A elevação brutal veio a seguir à desvalorização acelerada do peso argentino frente ao dólar estadunidense, o que tem efeitos inflacionários consideráveis.

A inflação prevista para este ano é de 24% e um dólar estadunidense compra, hoje, vinte e três pesos argentinos. De dois anos e cinco meses para cá, a pobreza passou de 4% da população para à volta de 30%. Esta elevação drástica dos níveis de pobreza e a deterioração dos indicadores econômicos corresponde ao mandato presidencial de Maurício Macri.

Evidentemente que os neoliberais triunfantes usam a mesma narrativa de sempre. Dizem que impõem medidas contrativas e concentradoras porque isto é necessário para que, depois, abram-se as portas do nirvana econômico. Isto é mendacidade e discurso primitivo intelectualmente. Verdadeiro é que os ajustes e reformas – termos de eleição desta gente – sempre cobram dos que já tem menos. E, cobrar dos que têm menos prova que os neoliberais trabalham para os que têm mais; isto é uma evidência.

Isto só é possível porque a imprensa corporativa e os políticos neoliberais trabalham em estreita articulação, ambos a serviço dos interesses da grande finança internacional. A base narrativa enfatiza a técnica e o gerenciamento, como se mais de uma escolha política não houvesse e como se um Estado e uma família fossem as mesmas coisas em escalas diferentes. É intelectualmente primário, mas funciona a partir de bombardeamento de saturação, entremeado com técnicas comunicativas de confusão.

A Argentina está em situação crítica, com inflação e crise cambial severa. Quebrou, em resumo, como quebrou várias vezes nos últimos trinta e cinco anos, sempre a partir de crises cambiais. A elevação dos juros públicos para 40% é sintomática, pois quem se dispõe a pagar 40% anuais por dívida pública evidentemente não pagará nada além do serviço. A opção está clara e é a mais canalha possível em termos de interesses populares e soberanos: pagarão aos credores externos e darão o calote nos internos.

As gestões Kirchner foram de muito êxito no trato das situações ligadas às dívidas. Saíram dos templos bancários europeus e estadunidenses e – contrariamente aos vaticínios dos sacerdotes das agências de riscos – não se viram na encruzilhada da falta de financiamento. Num primeiro momento, a Venezuela, então sob Chavez, fez preciosos aportes; depois, a China financiou com lastro em segurança alimentar.

Dito isto, é preciso desvelar o que há por trás do discurso mediático sobre o aumento da pobreza e a deterioração das condições econômicas na vigência do governo neoliberal. A imprensa corporativa diz que algo corre errado – ou que ainda corre errado, embora seja certo que o Nirvana virá – a despeito da adoção das medidas adequadas. Eles dizem, enfim, que, ou houve erros pontuais, ou que ainda não houve tempo para a obtenção dos resultados.

Isto é a mendacidade recorrente a tentar esconder o óbvio: os efeitos produzidos são precisamente as consequências que decorrem das causas. As políticas neoliberais não podem, nem visam a produzir qualquer coisa diferente de empobrecimento e criação de condições econômicas que só beneficiam o setor financeiro. A instabilidade econômica é altamente rentável para o setor financeiro que, no caos que ele mesmo cria, ganha em todos os movimentos especulativos.

Políticas neoliberais não resultam em drástico empobrecimento dos mais pobres por algum erro qualitativo ou quantitativo. Elas levam a tal resultado porque são feitas para gerar este resultado. Não há erro, há vontade.

Rapidamente, as dívidas pública e privada em moedas estrangeiras mostram-se impagáveis. A oferta de obscenas taxas de juros prova-o. O lógico, por uma perspectiva de defesa dos interesses internos, seria pagar a dívida em moeda local e, eventualmente usar do financiamento por inflação, o que não deveria repugnar os mais ortodoxos, até porque a Argentina tem hoje alta inflação e altíssimos juros, o que é contraditório pela ótica ortodoxa.

Arrisco-me aqui a avançar uma hipótese que pode vir a materializar-se nos médio ou longo prazos. A Patagônia argentina é uma região muito vasta, na porção sul do país. São terras muito ricas, fartas em água doce que provém das montanhas andinas, são terras férteis, são banhadas pelo Atlântico Sul, são ricas em petróleo e apresentam outra coisa preciosa: tem uma densidade populacional baixíssima.

As terras férteis do centro e norte argentinos já estão empenhadas aos interesses chineses em arroz e soja. A maior parte das riquezas em hidrocarbonetos já foi alienada, depois da privatização da YPF, companhia petroleira argentina que foi praticamente doada à Repsol e outros grupos de investidores, após sistemática e proposital campanha de desvalorização de suas ações.

Com apenas a escravização do povo não será possível gerar excedentes que permitam ao governo neoliberal cumprir sua missão de transferir riquezas para o sistema financeiro internacional, mediante pagamento de juros altíssimos e câmbio depreciado. Só resta uma coisa a empenhar ou simplesmente permutar por dívida: a Patagônia.

Aqui, é pertinente notar que há e sempre houve interesses pela Patagônia, até porque lá é possível estabelecer praticamente um país soberano sem o precisar declarar formalmente. É notável que um bilionário inglês, Joe Lewis, venha comprando vastas porções de terras na Patagônia argentina, na sua parte mais austral, na Terra do Fogo. Não me inclino a considerar que o bilionário esteja a ser enganado ou que não saiba o que está a fazer.

Além disso, embora não haja evidências de algum plano de instalação de um Estado judeu na Argentina, é amplamente sabido que havia planos de estabelecimento de colônias ou autonomias judaicas na Argentina e é fato que houve para lá uma imigração massiva.

Enfim, não me surpreenderia absolutamente que os grandes credores internacionais aceitassem uma proposta ou mesmo que fizessem esta proposta de permuta de terras patagônicas por dívidas.

 

 

 

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