A imprensa corporativa necessita investir constantemente no mito da imparcialidade. Nos momentos fraturantes, a mitologia começa a mostrar-se, a pouco e pouco, é verdade, claramente como farsa. Então, nestes momentos, é necessária uma remodelação das narrativas, de maneira a readquirir a aparência da imparcialidade e a continuar a confundir as massas receptoras de editoriais.

Os discursos agressivos, nesta etapa de readequação narrativa da imprensa corporativa, retrocedem. Inaugura-se uma aparente brandura, a partir da ênfase nas pautas de costumes e na surpresa com o que seriam efeitos indesejados ou, mais que isso, efeitos sem causas.

Em um país colonizado e alienado de sua soberania, como é o caso presente do Brasil, a imprensa corporativa serve aos interesses do capital financeiro transnacional. Ou seja, ela tem um lado muito claro e este não é o lado dos interesses da maioria do país. Mas, essa parcialidade evidente precisa ser disfarçada, o que implica um esforço constante de alterações pontuais ou drásticas – conforme o momento – nas estruturas narrativas.

Os discursos de estímulo ao ódio cego e descontrolado contra uma parte do campo ideológico cumpriram sua função e esgotaram-se já em 2016. O golpe de Estado foi dado, afinal, com uma facilidade que só pode surpreender os pouco acostumados ao estudo da história e da psicologia social. Com este objetivo cumprido e com os efeitos previsíveis nos cotidianos das pessoas, é necessário por em marcha narrativas da conservação da situação degradada.

Inicialmente, a imprensa pratica a dissociação entre efeitos e causas. As coisas são apresentadas como se entre elas não houvesse nexo, não houvesse ligação. Então, por exemplo, a evidência de que uma política recessiva produz recessão é apresentada como algo, ou acidental, ou um efeito indesejado e imprevisto ou, simplesmente, como coisa solta no ar, sem causas antecedentes.

É fácil dissociar causas de efeitos econômicos, por um lado porque esse esoterismo que atende pelo nome de economia é muito mal compreendido pelas massas. Por outro, as pessoas tendem a desacreditar das más intenções e estão propensas a crerem no equívoco, no erro de cálculo circunstancial ou mesmo na necessidade de se fazerem coisas ruins para que num futuro indeterminado colham-se os frutos das privações. Ora, frutos das privações é algo essencialmente contraditório, claro, mas talvez por isso mesmo seja algo em que se acredita tão prontamente. As contradições são muito convincentes.

Essa estratégia narrativa tem seus limites, evidentemente. A depender do grau de degradação das condições de vida das maiorias, suas propensões a racionalizarem a situação conforme aos modelos recebidos da imprensa corporativa reduz-se significativamente. Quando as coisas vão muito mal, a eficácia da dissociação entre causas e efeitos e da narrativa da culpa das vítimas reduz-se muito, até porque qualquer nível mínimo de racionalização implica algum conforto material e tempo.

Outra vertente da reinvenção mediática, após o êxito na empresa golpista e de aniquilação do país como soberano e provedor de mínimos sociais para suas populações mais carentes, está no investimento na pauta de costumes e das diversidades de grupos sociais.

Meio subitamente, os meios que estimularam fortemente o ódio fascista pequeno burguês contra pobres – que são pobres porque assim querem – contra mulheres ativistas, contra homossexuais e contra qualquer pessoa que se mostre razoável e não essencialmente maniqueísta adotam nas suas programações pautas caras aos grupos mencionados. Há aqui uma aparente traição àqueles que os média estimularam e criam-se unidos para sempre. Mas esta traição, se traição for, pouco importa, porque os efeitos desejados pela ênfase narrativa anterior já foram atingidos.

A traição revela que os grupos propensos ao ódio desmedido são, para os média, o que são todos: instrumentos na sua empresa antinacional e concentradora. Servem e deixam de servir e assim é sempre. A viragem serve a outro propósito muito caro à destruição nacional: a produção da confusão, das situações em que as próprias viragens narrativas surpreendem e geram o estado em que ninguém compreende nada.

Haverá quem pense que eles – os média –  afinal abraçam causas nobres de direitos de minorias, de tolerância sexual, religiosa, de direitos humanos. Ora, se assim fazem, afinal não eram tão nocivos como pensávamos e podem ter, anteriormente, apenas incorrido em equívocos, cometido erros pontuais de que agora redimem-se.

Além disto, o foco na pauta de costumes visa a um resultado que é o Santo Graal da engenharia social que visa a manter e aumentar a concentração de riquezas em cada vez menos detentores. Ela retira de cena a pauta econômica e social focada na redistribuição e nas formas e proporções das acumulações. As pautas das liberdades fazem parte das esquerdas abandonarem as pautas das desigualdades, seduzidas pelos direitos. Esquecem-se que sem os mínimos de sobrevivência material não haverá mínimos em termos de direitos humanos.

E assim a imprensa corporativa segue a conseguir legitimar-se, forte no mito da imparcialidade, a disfarçar editorial em notícia. Isto, todavia, como já cansei-me de dizer, tem limites. As massas, quando chegam a certos níveis de embrutecimento e empobrecimento, perdem a linguagem…