A definição de identidades nacionais chega ao ponto de fetiche nos países mais jovens e, sobretudo, naquelas que foram colônias. Há casos interessantes, como o dos EUA, onde a definição faz-se pela aparente indefinição que é o melting pot.

Com o Brasil não poderia ser diferentemente e a busca da identidade nacional segue os rumos convencionais, ou seja, é de raiz aristotélica, à procura da singularidade, da diferença específica. É claro que é presunçoso buscar singularidades culturais nacionais, quando se sabe que a maior parte das apontadas encontra-se em todas as partes. Todavia, as ciências sociais não temem serem presunçosas.

Gilberto Freyre é o grande definidor da identidade nacional e de suas singularidades. Agrupou tudo sob o guarda-chuva do luso-tropicalismo. Independentemente disto ser ou não correto, o fato é que as bases foram definidas por ele.

Cuida-se de uma narrativa que ampara muitas nuances das percepções que os brasileiros têm de si próprios. Convém a muitos propósitos, inclusive a incutir um sentimento difuso de inferioridade, algo que ex-colônias tendem a apresentar, até para manterem-se colônias pós descolonização.

Assim, o imaginário brasileiro acredita que há uma série de condutas e inclinações que nos seriam próprias, singularmente nossas. Todas, ou quase todas, como é previsível, são negativas ou, na melhor das hipóteses, têm valores neutros.

Logo que se começa a pensar neste assunto, é comum assustar-se com a absurdidade que é acreditar nestas singularidades, pois beira o óbvio que elas são características que estão por todas as partes e, assim, não são absolutamente singularidades.

Os gênios do controle social mediante narrativa fizeram, por exemplo, que ingressasse no imaginário coletivo brasileiro que a desonestidade e a preguiça são singularidades culturais nossas. Isto é tão estúpido quanto nocivo, pois reage com o moralismo de raiz reformada e tem os efeitos previsíveis de desagregação e histeria coletiva que cega.

Pode ser que existam estas tais singularidades culturais nacionais, definidoras de alguma personalidade coletiva, mas nunca me dediquei a procura-las. Aquelas de que se fala são tão pueris que a empresa não parece atraente. Mas, eis que uma experiência pessoal pode ter me revelado uma!

Infelizmente, porque é uma chatice e não algo glamuroso, passo muito tempo em aeroportos. Um dia, dirigi-me ao balcão de check-in de uma companhia estrangeira, em um aeroporto brasileiro.

Diante da moça do check-in, entreguei-lhe meu passaporte brasileiro e ela cumprimentou-me, muito profissionalmente, com um good evening. Desconcertado – embora ainda pouco, nesta altura – respondi-lhe com um boa noite, em português brasileiro evidente. Não falei como algum gringo que se esforça para falar português brasileiro.

A moça prosseguiu e perguntou-me: are you going to Lisbon or to Oporto? Respondi-lhe: Vou para Lisboa, já um bocado desconcertado com o nível de ridículo em que se entrava.

A moça baixou os olhos e teclou umas coisas lá no computador do check-in e, afinal, olhou-me, com meu passaporte brasileiro numa mão, e apontou para a minha mochila e perguntou: is that all your luggage?

Respondi-lhe que a mochila era toda a bagagem que eu levava e, neste momento, eu percebi o que nos singulariza. Neste episódio tão banal quanto patético eu tive um alumbramento e percebi o traço fundamental da nossa identidade brasileira. Para finalizar, a moça devolveu-me o passaporte, entregou-me o cartão de embarque e disse: boarding time is ten o´clock, have a nice trip. Disse-lhe: muito obrigado! Na verdade, acho que já grato pela revelação.

A nossa singularidade são as malas imensas, obscenamente grandes, daquelas em que se traz o país a ser visitado inteiro, daquelas que podem servir para uma mudança definitiva, que ensejam pagamentos por excessos de bagagens, daquelas que podem aumentar o consumo de combustível do avião.

Eu, com apenas uma mochila nas costas, só podia ser gringo, mesmo com um passaporte brasileiro e falando português de um brasileiro legítimo!