Na semana passada, o Banco Central da Argentina elevou as taxas de juros básicos de remuneração de seus títulos para 40% ao ano. A elevação brutal veio a seguir à desvalorização acelerada do peso argentino frente ao dólar estadunidense, o que tem efeitos inflacionários consideráveis.

A inflação prevista para este ano é de 24% e um dólar estadunidense compra, hoje, vinte e três pesos argentinos. De dois anos e cinco meses para cá, a pobreza passou de 4% da população para à volta de 30%. Esta elevação drástica dos níveis de pobreza e a deterioração dos indicadores econômicos corresponde ao mandato presidencial de Maurício Macri.

Evidentemente que os neoliberais triunfantes usam a mesma narrativa de sempre. Dizem que impõem medidas contrativas e concentradoras porque isto é necessário para que, depois, abram-se as portas do nirvana econômico. Isto é mendacidade e discurso primitivo intelectualmente. Verdadeiro é que os ajustes e reformas – termos de eleição desta gente – sempre cobram dos que já tem menos. E, cobrar dos que têm menos prova que os neoliberais trabalham para os que têm mais; isto é uma evidência.

Isto só é possível porque a imprensa corporativa e os políticos neoliberais trabalham em estreita articulação, ambos a serviço dos interesses da grande finança internacional. A base narrativa enfatiza a técnica e o gerenciamento, como se mais de uma escolha política não houvesse e como se um Estado e uma família fossem as mesmas coisas em escalas diferentes. É intelectualmente primário, mas funciona a partir de bombardeamento de saturação, entremeado com técnicas comunicativas de confusão.

A Argentina está em situação crítica, com inflação e crise cambial severa. Quebrou, em resumo, como quebrou várias vezes nos últimos trinta e cinco anos, sempre a partir de crises cambiais. A elevação dos juros públicos para 40% é sintomática, pois quem se dispõe a pagar 40% anuais por dívida pública evidentemente não pagará nada além do serviço. A opção está clara e é a mais canalha possível em termos de interesses populares e soberanos: pagarão aos credores externos e darão o calote nos internos.

As gestões Kirchner foram de muito êxito no trato das situações ligadas às dívidas. Saíram dos templos bancários europeus e estadunidenses e – contrariamente aos vaticínios dos sacerdotes das agências de riscos – não se viram na encruzilhada da falta de financiamento. Num primeiro momento, a Venezuela, então sob Chavez, fez preciosos aportes; depois, a China financiou com lastro em segurança alimentar.

Dito isto, é preciso desvelar o que há por trás do discurso mediático sobre o aumento da pobreza e a deterioração das condições econômicas na vigência do governo neoliberal. A imprensa corporativa diz que algo corre errado – ou que ainda corre errado, embora seja certo que o Nirvana virá – a despeito da adoção das medidas adequadas. Eles dizem, enfim, que, ou houve erros pontuais, ou que ainda não houve tempo para a obtenção dos resultados.

Isto é a mendacidade recorrente a tentar esconder o óbvio: os efeitos produzidos são precisamente as consequências que decorrem das causas. As políticas neoliberais não podem, nem visam a produzir qualquer coisa diferente de empobrecimento e criação de condições econômicas que só beneficiam o setor financeiro. A instabilidade econômica é altamente rentável para o setor financeiro que, no caos que ele mesmo cria, ganha em todos os movimentos especulativos.

Políticas neoliberais não resultam em drástico empobrecimento dos mais pobres por algum erro qualitativo ou quantitativo. Elas levam a tal resultado porque são feitas para gerar este resultado. Não há erro, há vontade.

Rapidamente, as dívidas pública e privada em moedas estrangeiras mostram-se impagáveis. A oferta de obscenas taxas de juros prova-o. O lógico, por uma perspectiva de defesa dos interesses internos, seria pagar a dívida em moeda local e, eventualmente usar do financiamento por inflação, o que não deveria repugnar os mais ortodoxos, até porque a Argentina tem hoje alta inflação e altíssimos juros, o que é contraditório pela ótica ortodoxa.

Arrisco-me aqui a avançar uma hipótese que pode vir a materializar-se nos médio ou longo prazos. A Patagônia argentina é uma região muito vasta, na porção sul do país. São terras muito ricas, fartas em água doce que provém das montanhas andinas, são terras férteis, são banhadas pelo Atlântico Sul, são ricas em petróleo e apresentam outra coisa preciosa: tem uma densidade populacional baixíssima.

As terras férteis do centro e norte argentinos já estão empenhadas aos interesses chineses em arroz e soja. A maior parte das riquezas em hidrocarbonetos já foi alienada, depois da privatização da YPF, companhia petroleira argentina que foi praticamente doada à Repsol e outros grupos de investidores, após sistemática e proposital campanha de desvalorização de suas ações.

Com apenas a escravização do povo não será possível gerar excedentes que permitam ao governo neoliberal cumprir sua missão de transferir riquezas para o sistema financeiro internacional, mediante pagamento de juros altíssimos e câmbio depreciado. Só resta uma coisa a empenhar ou simplesmente permutar por dívida: a Patagônia.

Aqui, é pertinente notar que há e sempre houve interesses pela Patagônia, até porque lá é possível estabelecer praticamente um país soberano sem o precisar declarar formalmente. É notável que um bilionário inglês, Joe Lewis, venha comprando vastas porções de terras na Patagônia argentina, na sua parte mais austral, na Terra do Fogo. Não me inclino a considerar que o bilionário esteja a ser enganado ou que não saiba o que está a fazer.

Além disso, embora não haja evidências de algum plano de instalação de um Estado judeu na Argentina, é amplamente sabido que havia planos de estabelecimento de colônias ou autonomias judaicas na Argentina e é fato que houve para lá uma imigração massiva.

Enfim, não me surpreenderia absolutamente que os grandes credores internacionais aceitassem uma proposta ou mesmo que fizessem esta proposta de permuta de terras patagônicas por dívidas.