Outro dia, vi que uma garota que estudou com os filhos então adolescentes do deputado federal Jair Bolsonaro escreveu um texto. No tal texto, ela contava que os filhos do Bolsonaro eram adolescentes normais, de classe média alta no Rio de Janeiro. Que saiam, paqueravam, eram paquerados, usavam internet, tinham ICQ, e brincavam ou, na gíria do Nordeste, carregavam, em seus círculos de amizade.

Eram adolescentes comuns, enfim. Ela começava o texto se perguntando quando fascistas se tornam fascistas e terminava dizendo que  não sabia quando isso acontecia, mas a situação se transmutava em barbárie quando eles chegavam ao poder.

Nas eleições passadas, e nas retrasadas, e em algumas outras antes dessas, eu não estava no Brasil. Não sentia o clima e, pra mim, sempre era uma grande brincadeira. Especificamente na última, o whatsapp já era um aplicativo de telefone difundido, e eu entrei em vários grupos de colégios onde estudei. O melhor deles, onde haviam mais amigos, mais engraçado, mais carrêgo, era o grupo de meus amigos de terceiro ano colegial, último ano do ensino médio, ou como quer que se chame hoje em dia.

Por estar nesses grupos, eu “senti” mais de perto as eleições, as “brigas”, as discussões acaloradas. Foi uma experiência sui generis participar desse jeito nas eleições. E, aqui novamente, o melhor grupo era o grupo de meu terceiro ano colegial, inclusive onde certa feita alguém escreveu: “-Também, nesse grupo a pessoa tem que estudar antes de fazer uma postagem!”, coisa que não se repetia nos outros grupos. Pra mim, que estava então escrevendo a tese doutoral, era uma despressurização das horas enfurnado na biblioteca, saia e ia conversar aresia no Whatsapp.

Naquele momento, as discussões eram sobre políticas públicas, corrupção, obras, e muitas piadas sobre o português ruim da então Presidenta Dilma Rousseff. Algumas discussões eram boas, outras nem tanto, mas eram interessantes. As conversas davam a tônica do posicionamento de cada um individualmente e o pensamento político era construído a partir daí como singularidades desses posicionamentos, conservadas da época em que estudamos estavam a simpatia de todos e a vontade eterna de nos reunirmos sempre que possível.

Em 2014, a maioria esmagadora do grupo votava em candidatos que eventualmente foram derrotados nas urnas. Os poucos, como eu, que naquele momento elegiam o lado “vermelho” da força pra discutir foram, pouco a pouco, saindo do grupo, até que fiquei eu lá, de Highlander. As discussões eram abundantes, ainda que as vezes pesadas, e eu gostava delas tanto quanto adoro torturar idéias, convicções e rótulos, imagino eu, que com alguma destreza.

Eis que essas eleições 2018 estavam meio… Paradas. Sentia falta de alguma coisa e… Pô, vou entrar no grupo novamente pra conversar besteira com o pessoal. E estavam lá todos, tal qual nas últimas eleições, prontos a discutir, conversar bobagens e contar piadas, como sempre. Os moderados continuavam moderados, os que não eram tão moderados assim, também continuavam não tão moderados assim, enfim… Estavam todos lá, inclusive de bom humor. Depois de algumas provocações, fica evidente o que era de se esperar: em sua maioria, os meus interlocutores votavam em Bolsonaro.

A troça perdeu a graça 5 minutos após eu perceber que Bolsonaro não tem proposta alguma, a não ser na pauta de costumes, sobre a qual não vale a pena nem conversar, ou fazer troça. Nem a minha provocação preferida, que é prometer o voto em troca de um projeto, deu retorno, porque simplesmente não há projetos.

E ai lá vem ela de novo, a pauta de costumes… Chaaaaaata, sem graça, só conservadora e ignorante. São, em sua maioria as mesmas pessoas, bons debatedores, bons humores, tolerantes, nas eleições passadas pautadas pela honestidade dos candidatos, nessa, pela pauta de costumes embalada também pela questão da honestidade.

Eu fiquei matutando hoje sobre o texto que a moça escreveu, acerca dos filhos de Bolsonaro. Também sobre um excelente filme chamado “Diários de Motocicleta” de Walter Salles. A menina se perguntava como se formam os fascistas, o filme de Salles é uma proposta do caminho percorrido pelo rapaz Che Guevara para que este se tornasse então o guerrilheiro Che Guevara, sem dúvidas um bom filme que demonstra esse processo de formação. Eu fiquei então refletindo sobre muitas coisas…

Falando só de Bolsonaro, é um perdido. Uma pena que tenha sido alçado a candidato preferido de larga parcela da população por programas televisivos de comédia com gosto duvidoso. Não representa ideologia, mais por incapacidade do que por qualquer outra coisa. Representa sim, a violência, a estupidez, enfim… Cada linha perdida ao descrever #EleNão é uma linha de tempo perdido na minha vida.

A grande tristeza das eleições desse ano, foi perceber que a pauta defendida por ele tornou-se a defendida por muitos amigos e colegas. Que a defendem tão bem quanto defendiam a pauta outrora defendida por Aécio Neves. Só que agora com mais virulência, entoando expressões como: “vai ter repressão”, “distribuir Meritocracia”, pra ficar em alguns casos. Ora, são meus companheiros de outrora quando era garoto, não acredito nem por meio segundo que algum deles seria capaz de “realizar” algumas das barbaridades.

Não obstante, sempre existe a possibilidade. E é quando eu me pego a pensar, qual será o momento em que isso acontece?! Não precisa se pautar por nenhum exemplo escrito aqui, mas em algum momento na vida desses, eles foram pegos por uma correnteza que os leva por mares que eu, e muitos outros amigos não nos arriscaríamos nem a navegar, de tão incompreensível que é. Qual será o momento em que uma pessoa normal, em que um garoto do colegial decide que deveria “reprimir” o comportamento alheio…

O exemplo das eleições 2018, com um fascista como candidato preferido no Brasil, é na data de hoje, bem vivo. Mas os exemplos são muitos, nas profissões. Por exemplo, qual a hora em que um estudante de Direito se apodera da primeira aposentadoria rural como advogado? Que um engenheiro faz a primeira obra com material imprestável, que o comerciante leva a primeira vantagem indevida, e que todos se unem em prol de matar outra pessoa… Qual a hora que uma pessoa normal, no lugar de defender o mais fraco, passa a se aproveitar das fraquezas alheias?