Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Hipocrisias (Page 9 of 14)

A impostura na acusação da queda de nível dos representantes.

Tem ocorrido, sim, uma queda no nível de escolaridade formal dos representantes do povo, na Câmara, e dos estados federados, no Senado da República. Houve, sim, um recuo do que se chama comumente voto de opinião. Por um lado, é bom que haja isso, como é bom que afinal um abcesso rompa-se e derrame o pus que traz dentro.

É uma ilusão julgar que os parlamentos foram, em uma época remota e idílica, reuniões de representantes excelentes. Neles, nos parlamentos, sempre houve massas e excelentes, independentemente de seus pertencimentos sociais, econômicos e de seus níveis de cultura formal.

O que é certo e perceptível é a desconcentração da representação. As mesmas massas e excelentes vão tornando-se mais representativas do todo dos cidadãos e não apenas de uma minoria seleta apenas sob o prisma de seu nível de predação. Por isso, sempre se fez necessário retardar ao máximo, no Brasil, qualquer avanço da democracia representativa.

É impostura das classes dominantes acusar um recuo no nível educacional dos representantes, porque ele decorre de um projeto cuidadoso de deseducação engendrado pelos que hoje reclamam. Quando perceberam que educação básica e média era a parte mais barata, retiraram o Estado dessa parte e puseram seus filhos em escolas privadas, que podiam pagar. Além disso, drenaram recursos públicos para essas escolas por meio de subvenções fiscais.

No mesmo movimento, perceberam que a parte cara da educação era a de nível superior. Então, tornaram-na pública e destinada aos que cumpriram a básica e média nos estabelecimentos privados. Ou seja, uma total inversão de propósitos públicos, que pôs o Estado em função dos interesses de uma minoria. Agora, reclama-se dos resultados?

É algo semelhante a retirar o acesso aos tratamentos de saúde e depois reclamar da quantidade de doentes, como se fosse situação auto-engendrada, sem causalidades identificáveis ou, pior, resultante da própria vontade dos doentes de adoecerem! Assim transita nossa impostura: quando não nos surpreendemos com as consequências de nossas próprias ações, acusamos os outros de serem responsáveis.

Ou seja, ou mentimos, ou adotamos a tese da culpa da vítima. Somos uma classe dominante profundamente deformada e massificada, uma decadência que não tem quaisquer traços de uma aristocracia. Podemos acusar o povo de ignorante e incapaz de escolher, podemos reclamar de sua incultura e de suas escolhas? Fizemo-lo deseducado para que mantivessemos nossas posições e agora  o acusamos de ser ignorante?

Aqui cabe uma verdade sobre o teatro brasileiro. No fundo, quase ninguém das camadas dominantes acredita em democracia, por razões óbvias. Democracia, se houver, em um país com esses níveis de pobreza e concentração, vai acarretar prejuízos para nós mesmos. Então, uma imensa maioria está a repetir uma tolice em que não acredita.

Então, é perceptível – embora possa causar estranheza – que os militares foram melhores que os dois monstros partidários que criaram, a ARENA e o MDB, de resto muito parecidos. Melhores porque, bem ou mal, pensavam o país, enquanto esses arremedos partidários pensavam em si dizendo que pensavam no todo.

A partir dos anos de 1970, a grande verdade é que os militares foram instrumentalizados por esses partidos, ou seja, por cinco por cento da população brasileira. Claro que um e outro ser humano deformado, vestido em fardas, divertia-se a torturar, sequestrar e matar e nisso não era instrumentalizado por ninguém, apenas dava vazão à sua barbárie sob os olhares complacentes de quem estava pensando só em dinheiro.

Eles, os militares, aprofundaram o projeto de deseducação popular, instrumentalizados pelos cinco por cento dominantes. Mas eles, pelo menos, não se viam na patética obrigação de falar em democracia e coisas do gênero, nem de ficar a reclamar dos resultados, de resto bastante previsíveis.

Os que estão reclamando de eleições de um Tiririca ou mesmo do Romário, são os responsáveis por isso e falta-lhes perceber que, no fundo, não são melhores que eles, que são massa do mesmo jeito, um patético arremedo de aristocracia que se compraz em cultivar-se em colunas sociais de província.

Fernando Henrique Cardoso e o doente imaginário.

Na magnífica peça O doente imaginário, de Moliére, o médico tinha sempre a mesma receita para todos os males: purgar, dar clister e sangrar. Pouco importava a doença ou mesmo se ela existia realmente.

Advertido pelo Julinho da Adelaide, em comentário à postagem Europa: baixar salários e aumentar impostos. Eles só pensam nisso?, percebi que alguns grupos atuam segundo a lógica do médico da peça de Moliére.

Fernando Henrique Cardoso, o erudito iniciado nos mistérios eleusinos, foi esse médico por oito anos seguidos e ainda não despiu o jaleco. Durante seu consulado, o Brasil viu o desemprego aumentar constantemente. Ele propunha como remédio restrições aos direitos laborais e previdenciários, que seriam um arcaísmo a impedir a entrada no paraíso.

Os direitos laborais foram basicamente mantidos e os previdenciários recuaram um pouco. Agora, vigorando a mesma legislação trabalhista, criam-se milhares de empregos, a provar que o problema não eram as leis. Prova evidente, é bom que se diga, mas insuficiente para o médico buscar compreender outras terapêuticas.

Não me atrevo a supor que Fernando Henrique tenha a monomania do médico de Moliére por desonestidade, ou seja, por ter sido cooptado para isso. Não, ele não agiria por tais motivações, ele que é o fiador de um período em que nenhum negócio fez-se sobre que pairassem quaisquer suspeitas.

Fico constrangido de ter que flertar com a explicação que resta, ou seja, de que o homem que passeou com Aristóteles, assessorou  Constatino no Concílio de Nicéia, poliu lentes com Spinoza, esteja errado. Pior, esteja e continue a estar, refém de uma monomania de purgas, clisteres e sangrias.

Outra mania interessantíssima era que a venda de tudo quanto fosse estatal seria remédio para os défices públicos. Vendeu-se o que se pode vender e os défices aumentaram.

Recentemente, o Estado brasileiro aumentou sua participação acionária na quarta maior companhia do mundo, a Petrobrás. Foi na operação de aumento de capital realizada há quinze dias, a maior do gênero já ocorrida, convém apontar. Curiosamente, andaram juntas uma maior estatização e a diminuição do défice público.

Como é possível isso?

Sarkozy faz jogo de cena.

O Presidente da França segue o receituário clássico para os mandatários de desempenho ruim, na política e na economia. Ataca o que não é causa dos problemas, mas que chama a atenção do público, porque ele encontra-se profundamente ligado ao imediato.

Dou-me ao luxo de escrever sem a menor preocupação com dados exatos. Não porque queira fazer ilações, mas porque as imprecisões não terão a mais discreta importância.Quem quiser, procure no google os números exatos, que devem ser muito próximos aos que presumo abaixo.

Ninguém que se ponha a pensar calmamente e preze um pouco o próprio intelecto acredita que os ciganos na França sejam a causa do que eles reputam problemas. Com quê os franceses estão preocupados? Com o desemprego, com a pequena diferença de rendimentos frente aos alemães, com o preço do pão, com a idade para reforma, com muita gente falando paquistanês nas ruas?

A França deve ter uma população à volta de 65 milhões de pessoas. Deve haver algo em torno de 10.000 ciganos neste país, o que significa menos de 0,1% da população total. Ou seja, apenas uma pessoa completamente leviana ou estupidificada pode supor que sejam a raiz de algum problema sério para o todo.

Deportar ilegalmente ciganos de nacionalidade romena ou búlgara, europeus, portanto, não serve a coisa alguma além de diversionismo e mudança de foco dos problemas reais e suas causas. É estúpido imaginar que dez mil pessoas causem problemas a sessenta e cinco milhões a ponto de precisarem ser tratados como os alemães fizeram a ciganos e judeus, sessenta e cinco anos atrás.

Sarkozy não é estúpido em tal medida, embora possa parecer, muito por conta do estilo que adota. Ele deve saber que os problemas da França não são apenas dela e que não está ao alcance de uma pessoa como ele aborda-los e mudar o rumo da história. O mal-estar francês e europeu em geral é muito mais difuso que um incômodo econômico.

Ele sabe bastante bem que os imigrantes em geral são necessários, porque há trabalhos que os franceses não fazem, e aqui não falo propriamente de ciganos, grupo que se convencionou dizer avesso ao trabalho. Sabe também que os sistemas previdenciários necessitam dos imigrantes, porque sem eles estariam mais quebrados ainda.

Ele sabe, enfim, que essa estória toda de imigrantes serem problemas é uma grande e profunda mentira e sabe que o problema real será quando essas pessoas quiserem imigrar para a China ou para os vizinhos dela. Aí, estará formado o clube dos velhos sem cuidados e sem forças para apertar um parafuso. Aí, sim, haverá problemas.

O público vive um mal-estar que é da decadência. Não necessariamente da decadência econômica, que seria leviano chamar assim a quem tem uma renda média per capita de 30.000 euros. Nem está o problema no fato dos vizinhos alemães terem essa renda média em 31.000 euros, que isso é desprezível e vive-se melhor em França que na Alemanha.

Essa decadência é o enfado da vida, que se vai vivendo dia-a-dia sem que o posterior seja diferente do anterior. Não há remédio para ela senão pensar nela, a fundo, historicamente. Um pouco como Antero de Quental propôs sobre a decadência de que ele falava dos povos ibéricos, nos últimos três séculos.

A energia vital decaiu, pouco importando para isso que haja ciganos, africanos, paquistaneses ou quem quer que seja. Esses, ajudaram a Europa a viver a decadência com serviços baratos e alguém para falar mal.

O chilique do democrático e cordato Serra na televisão.

José Serra, candidato a Presidente, foi dar uma entrevista à jornalista Márcia Peltier, do canal de televisão CNT. Convém lembrar que Serra, ele mesmo ou por seus prepostos mediáticos, repete à exaustão que o atual governo é autoritário com a liberdade de imprensa.

Pois bem: ele perdeu o controle e foi de imensa descortesia com a jornalista, apenas porque ela disse-lhe que as quebras de sigilo de que tanto se fala deram-se antes do período eleitoral e falou das pesquisas. Acusou o programa de ser uma montagem, de ser um esquema do partido da candidata Dilma Roussef. Foi extremamente grosseiro e mimado e disse que ia embora e queria que o vídeo fosse apagado.

Pediu à emissora as fitas da gravação e recebeu-as! Ora, Serra, o democrático, quer escolher as perguntas que os jornalistas lhe fazem? Só fala e só responde a quem serve perfeitamente ao seu roteiro? E, ainda por cima, confisca as imagens de sua grosseria?

Campanha política nestas terras pobres e selvagens.

Campanha política significa para os sentidos visão e audição dois meses de agressões constantes e intensas. Já não contamos com padrões suficientes de limpeza urbana e isso piora muito durante as campanhas, por conta da quantidade de papéis jogados indiscriminadamente nas calçadas e ruas.

As agressões sonoras tornam-se em regra, com padrões rígidos de ocorrência. Desfilam pela cidade pequenos camiões munidos de aparelhos potentes de som, repetindo em alto volume propaganda dos candidatos. Não importam hora e local, pode ser em frente a escolas ou hospitais.

Essas práticas são ilegais e existem formalmente órgãos responsáveis por coibí-las. Não funcionam, simplesmente. A disfunção é aceita por todos, embora esses órgãos sejam pagos com dinheiro recolhido de todos. Seria melhor – ou mais barato – não os ter. Mas, precisamos viver a dualidade do real e do formal e gastar com isso.

Nestas plagas não somente toleramos o barulho, como parece que gostamos dele. Ele confunde-se com liberdade, ele identifica-se com alegria, com espontaneidade. Falar aos gritos assume-se como uma maneira normal de fazer-se compreender, pois não importa o conteúdo, importa o volume com que algum pouco conteúdo se afirma.

Entendemos que a desenvoltura grita e a timidez fala baixo. A alegria recebe sons em altíssimos decibéis e a tristeza quer algum silêncio. A arrogância cala-se e a simpatia destrói tímpanos. As religiosidades vendem-se aos gritos e os demônios só aceitam retirar-se se forem instados também aos gritos. Esse é o estado mental que temos na maioria das pessoas.

Se há alguma regra sobre barulhos, no fundo a desprezamos e reputamos uma excentricidade que alguém resolveu por em forma de lei, apenas para dizermos que temos esse tipo de regra a algum estrangeiro que considere isso importante. É, como diz o lugar-comum mais genial que existe sobre a psicologia social brasileira, coisa para inglês ver.

Aceitamos porque é o que está aí e sempre esteve, ou seja, o normal, a única coisa possível. Alguém pode até não gostar de barulho em alto volume, mas ficará envergonhado de afirma-lo, sentir-se-á ele próprio um ser exótico, que acha ruim algo tão normal, que não incomoda à maioria. Ora, pensará o incomodado, eu sou o deslocado dessa estória, incomodando-me com o que não preocupa ninguém.

Essa forma de incutir nas pessoas a vergonha e a estranheza de si por pensarem diferentemente de algo majoritário funciona como os sentimentos de culpa da vítima. Algo como aquela percepção canalha de que alguma jovem foi violada porque ela própria criou todas as condições para ser vítima do crime. Pensando assim não há crime, há vítimas criminosas.

Acontece – e sempre volto ao mesmo ponto – que pensando assim também não precisamos de leis nem de aparatos que se refiram à aplicação e cumprimento delas. Mas, somos tão infames e ignorantes que mantemos os aparatos, para participarmos da apropriação do público, embora eles sirvam a quase nada.

E conseguimos fazer o público pagar sem saber porquê, por algo que desconhece e com quê não se preocupa, no fundo. Uma parcela minoritária desse país vende às maiorias uma utilidade em que, nem o vendedor, nem o comprador acredita. Os últimos não sabem nem o que compram, na verdade.

Maputo e os limites da propaganda.

Por que esses bárbaros acham tudo ruim?

Por que esses bárbaros acham tudo ruim?

Um indicativo seguro de algum assunto importante, ou mesmo de alguma verdade, é a insistência com que se lhe negam atualidade e realidade. De vinte anos para cá, o mantra direitista é que não há luta de classes, discurso repetido por pessoas que se pretendem inovadoras, que teriam percebido uma etapa da história que seria a própria negação dela.

Curiosamente, as mesmas pessoas que insistem na inexistência da luta de classes concebem a vida em sociedade como uma competição e abstraem despudoradamente que as condições iniciais dessa competição desconfiguram-na totalmente. Eles admitem uma competição individual e negam, ao mesmo tempo, que indivíduos com pontos em comum formam grupos. Consequentemente, a negação da luta de classes decorre de outra negação, que é essencialmente incoerente.

Claro que os níveis da propaganda variam, conforme o nível dos destinatários. O mais elementar é dizer que a luta de classes não existe porque não se materializa em conflitos visíveis e palpáveis. Ocorre que a realidade ocasionalmente infirma até a propaganda mais elementar.

Há dias que Maputo vive dias de conflitos mais e menos abertos, com saldo de vários mortos e feridos, depredações, fogueiras de pneus e outros combustíveis por toda parte. Significativamente, os conflitos são mais intensos nas zonas mais pobres da capital e de outras cidades do país. Os media usam a terminologia vandalismo, que faz supor agitações sem suporte racional, sem motivações e finalidades.

Não é disso que se trata, contudo. A revolta popular começou com os aumentos de 25% no preço do pão, o que não me parece falta de razão ou de motivação. A solução – qualquer que seja o sentido dessa expressão – foi mais violência, desta feita policial. Ou seja, fica estabelecido que as reclamações são atitudes bárbaras e sem sentido e põe-se a polícia para baixar o porrete nos insatisfeitos.

Segundo as informações do CIA World Factbook, Moçambique tem uma população à volta de 21 milhões, com idade média de 17,5 anos e expectativa média de vida de 41,18 anos! Ou seja, muita gente, muito jovem e destinada a viver pouco. A taxa de mortalidade infantil é de 105,8 mortes por mil nascidos com vida, a sétima pior do mundo.

O PIB per capita de Moçambique é de escandalosos U$ 900,00, já em critério de paridade do poder de compra. Esse indicador, para ter-se uma idéia comparativa, é onze vezes menor que o brasileiro, que ainda é muito baixo.Acresce que 70% da população encontra-se abaixo da linha de pobreza.

Ou seja, trata-se de um país extremamente pobre, extremamente desigual na apropriação das riquezas e com péssimas condições de vida. Nessas circunstâncias as pessoas deveriam estar satisfeitas, calmas e ordeiras?

De uns tempos para cá, a mesma atuação propagandística que divulga a inexistência da luta de classes, insiste também na ocorrência de um milagre econômico na África Subsaariana. Se algo extraordinário economicamente sucede nessas paragens é o aumento da exploração de recursos naturais, notadamente de petróleo e gás.

Essa exploração maximizada de recursos naturais não reverte em qualquer melhora na vida da maioria das pessoas, pois é apropriada pelas corporações que a praticam e alguns corretores delas nos países detentores dos recursos. Ou seja, na verdade, é uma espécie de saque mantenedor das mesmas estruturas concentradoras de rendas.

Ainda que se tratasse de um verdadeiro milagre econômico, com alguma alteração das estruturas produtivas internas, provavelmente seria realizado dentro da lógica concentradora e seus efeitos seriam sentidos pelos beneficiados de sempre, apenas em números absolutos maiores.

Isso é uma bomba de efeito retardado e pode-se tentar retardar mais e mais sua explosão, mas um dia acontece. As detonações preliminares podem ser contidas pelo sistema repressor do Estado, mas cada vez isso torna-se mais difícil e estimulante de maiores reações. Não é falso, absolutamente, que violência é algo que se auto-estimula.

O estranho é achar estranho que o sujeito imerso numa vida de pobreza, precariedades e horrores revolte-se contra a situação. Não é apenas arrogante intelectualmente, como é mesmo burro não perceber a insatisfação. Ela tem parâmetros exatamente nos que a chamam de estranha e bárbara. Ou seja, os dominadores são capazes de explosões muito maiores por motivos muito menores, eles mesmos são o exemplo da luta de classes, no sentido de cima para baixo!

A estratégia da negativa não é intelectualmente sofisticada, nem honesta. Mas, do ponto de vista da propaganda e da ideologia, é a única possível. Há que se convencer o dominado de que a situação dele é vontade divina – ou qualquer outro determinismo – imutável e, assim, é algo que não pode ser questionado racionalmente. Dessa forma, sendo tudo como deve ser, falar em luta de classes é anátema. O doutor Pangloss ficaria satisfeito com seu profundo êxito presente.

O problema vêm à tona quando a realidade desmente a propaganda e os propagandistas ficam, desta vez muito coerentemente, sem compreender o que acontece. E acham que o remédio é mais propaganda e mais pancada. Eles deixam de compreender porque acabam por agir como o traficante de heroína que vicia-se no produto que vende. A repetição da estupidez finda por fazer o repetidor acreditar nela.

Porque Dilma Roussef ganha as eleições.

Esse vídeo – recomendação do Julinho da Adelaide – deixa bem claro porque a candidata Dilma Roussef deve vencer as presidenciais de outubro, provavelmente na primeira volta. Porque ela é a candidata do Presidente Lula, que tem aprovação popular em torno aos 75%.

Porque essa é uma eleição entre a candidata que representa o governo do Presidente Lula e o candidato que representa o governo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Porque todos os indicadores sociais e econômicos melhoraram nos dois últimos governos, em relação aos dois governos antecedentes.

Porque o governo do Presidente Lula tomou medidas – isso é um dado objetivo, não um acidente – que minimizaram os efeitos da crise financeira mundial. Realmente, o estímulo ao crédito, a desoneração tributária seletiva de alguns setores, atrelada ao compromisso de manterem-se empregos, fez com que a crise, aqui, fosse mesmo a marolinha que o Presidente previu.

Porque é possível perceber que as oposições queriam o desastre econômico, ou seja, por razões políticas queriam, não só previam, o pior para todos. Contavam com a piora da situação para fragilizar politicamente o governo, apostavam contra todos em benefício próprio.

Terrível é que as oposições não compreendem porque sairão derrotadas. Nessa incompreensão vai implícita sua crença na profunda estupidez das pessoas. Não compreendem porque as pessoas votam a favor de si próprias? Mas, é possível entender porque pensam assim. É porque sempre educaram ou deseducaram as maiorias para não perceberem o que é melhor ou pior para elas.

Começam a perder as apostas. Uma oposição de direita liberal, que atenda pelo nome e tenha consistência ideológica faria bem ao país. Não é a que se tem. A que aí está é apenas um grupo predador, apegado à mentira constante e, no fundo, nada tem de liberal: vive do dinheiro público e discursa pela livre iniciativa.

Fetichismo burocrático.

O serviço público é aquilo que o Estado, direta ou por interposta empresa privada, obriga-se a oferecer às populações. Sua finalidade geral é prover alguma utilidade aos utilizadores, na medida em que as leis a previram. Pode consistir em um serviço de resolução de conflitos – o que se chama com suprema arrogância justiça – em um serviço de limpeza urbana, em um serviço de prestação de apoios sociais ao mais necessidades. Pode, enfim, ser de várias maneiras, desde que vise a uma finalidade pública.

Uma parte significativa dos serviços públicos é prestada diretamente pelo Estado que, para tanto, mantém quadros de funcionários a seu soldo e organizados em vários compartimentos especializados, consoante o tipo de serviço que devem prestar. Como qualquer atividade, o serviço público tira proveitos e ganha eficiência se adotar métodos e rotinas de organização do trabalho.

Esses métodos e rotinas são meios de atingir os fins mais amplamente, com menos dispêndio. Não é pouco o que os meios significam como instrumentos que são. Todavia, qualquer que seja sua importância, não são mais que instrumentos e assim não se confundem com as finalidades.

A confusão dos meios com os fins, elevando-se os primeiros à categoria dos segundos, é uma deformação. É algo muito comum e, por isso mesmo, já tornou-se inclusive motivo de piadas. O que enseja a piada é a autoreferência que a glorificação dos meios no serviço público revela. Não todos, mas muitos ocupantes de funções públicas parecem crer que essas funções existem para que eles as ocupem, não porque deve-se oferecer um serviço.

Daí para o excesso fetichista são poucos passos. Para regressar é que a coisa torna-se mais complicada, porque o vício tem raízes de árvore grande, daquelas que só as tempestades arrancam do solo.

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Estados Unidos criticam segredos sobre exército chinês!

Eles ousam equipar-se sem avisar aos norte-americanos!

Leio, na BBC em português, que o Departamento de Estado Norte-Americano está alarmado porque a China está a aprimorar e reequipar suas forças armadas em segredo. E que isso pode dar margens a tensões e a interpretações erradas.

Essa foi uma das notícias mais desconcertantes que li, ultimamente. Não pelo aprimoramento das forças armadas chinesas, mas pelo nível da aposta norte-americana na arrogância e na hipocrisia. É uma aposta tão alta que devem fazê-la quase inconscientemente, ou seja, sem perceber bem o que fazem.

Claro que o exército chinês vai equipar-se cada vez melhor, como faz o norte-americano, inclusive, há muito. Claro que isso pode acarretar alguma tensão, como o arsenal nuclear norte-americano já acarreta há muito. Não vai, todavia, dar margem a interpretações erradas, que aí o Departamento de Estado, ou foi simplório, ou foi dramático demais. A única interpretação é que a China será menos vulnerável aos caprichos externos.

Não tenho a menor idéia de como são a ironia e o humor chineses e, por isso mesmo, não posso fazer a eles qualquer sugestão. Mas, se soubesse que suas atitudes mentais são parecidas às nossas, eu lhes sugeriria que propusessem aos norte-americanos o seguinte acordo: os primeiros revelam as localizações de todos os lançadores de mísseis nucleares, inclusive os submarinos, informam o número preciso de armas e as sequências de disparo, informam as frequências e codificações de suas comunicações; por outro lado, os chineses aumentam seu potencial bélico sem segredos.

Não seria um belo e coerente acordo, se de partes coerentes se tratasse?

Precisamos de mais democracia participativa. Ou, um salário de R$ 26.000 é pouco?

Lê-se que os juízes da corte constitucional brasileira querem ganhar salários de 30.000 reais. Acham que o atual salário de 26.000 reais é pouco. É tolo não fazer comparações ou não fornecer os meios de fazê-las, porque quase tudo interrelaciona-se e, portanto é comparável. Convém apontar também que os oportunistas não gostam de comparações somente quando elas descortinam seu oportunismo. Quando os ajuda, recorrem a comparações sem quaisquer pudores.

Pois bem. 26.000 reais equivalem a 14.800 dólares norte-americanos e a 11.300 Euros.  E 30.000 reais correspondem a 17.142 dólares norte-americanos e a 13.043 Euros. Não é pouco, nem o atual, nem o que querem receber os juízes. Na verdade, é muito mais do que ganham seus congêneres mundo afora e não há qualquer evidência de que valham mais que os outros.

As pessoas que argumentam a favor desse absurdo usam de sofismas, confundindo administração pública com negócios privados. Há muito predomina uma deformação intelectual, no Brasil, que consiste em utilizar a noção de mérito deslocada de sua real significação para o interesse público.

O critério orientador das retribuições por funções no Estado é de utilidade do serviço público prestado, não de mérito como se entende nas relações privadas. Realmente, a verificação de suficiência técnica que se faz por meio de concursos públicos não é uma forma de seleção propriamente meritocrática, porque este é um conceito que vai muito além da simples detenção de conhecimentos técnicos.

Por outro lado, no serviço público lida-se com a idéia de legitimidade, a partir de que as investiduras têm que estar conformes à lei e ao que antecede à lei: a vontade popular. Aqui, nada há que se aproxime minimamente dessa deformada idéia de meritocracia. O que se convencionou chamar de meritocracia é, na verdade, uma burocracia corporativa auto-referente e anti-democrática.

O absurdo dos salários juizais – atuais e provavelmente futuros – percebe-se em outras comparações, além das externas. Neste país pobre e desigual, o salário mínimo atual é de 510 reais. Equivale a 291 dólares norte-americanos e a 221 euros. O salário atual do ministro do tribunal supremo, por sua vez, é cinquenta vezes maior que o mínimo. E será, breve, cinquenta e oito vezes maior!

Isso é pago com dinheiro tomado de todos, por meio de tributos cobrados em um sistema altamente regressivo, ou seja, que penaliza os mais pobres. Trata-se da superposição de duas camadas de injustiça, que se mantém firme porque os pagadores não são chamados a dizerem o que acham do preço e dos serviços que têm em troca.

Claro que uma situação dessas apenas se mantém com doses maciças de desinformação e supressão de mecanismos de democracia efetiva, participativa. Porque, esses senhores, regiamente pagos, seriam totalmente incapazes de defenderem – com aprumo e clareza – que precisam ganhar tanto para fazer o que fazem.

Terão coragem de dizer que seus congêneres europeus ou americanos trabalham mal? Que são menos capacitados que eles? Terão coragem de enfrentar a realidade de que trabalho melhor é feito por preço menor, mundo afora?

Lembrava-me, agora, a propósito de democracia participativa, do sistema constitucional francês de referendos e da conformação que lhe deu Charles de Gaulle. A constituição francesa de 1958 prevê duas formas de ser emendada. A primeira é por deliberação do parlamento, com a aprovação do presidente, seguindo-se uma necessidade de ser adotada por 3/5 do parlamento, em sessão conjunta do senado e da assembléia da república.

A segunda implica também que a proposição chegue ao parlamento e seja adotada em termos iguais pelas duas casas legislativas e aprovada pelo presidente. Todavia, a segunda volta de aprovação conjunta por 3/5 do parlamento é substituída por um referendo popular.

Em 1962, de Gaulle subverteu a ordem comum desse processo e levou uma emenda a referendo, diretamente, que veio a ser aprovada. O Conselho Constitucional reuniu-se e deliberou por sua adoção, porque o referendo expressava a vontade do povo soberano e, portanto, era mais que qualquer deliberação parlamentar quanto ao poder de emendar a constituição.

Questão de conhecimento de teoria do estado e de direito constitucional, de amadurecimento político e de coerência entre forma e matéria. Ora, se a constituição é resultante do poder soberano e se este é de titularidade do povo, nada impede que a aprovação popular legitime alterações na constituição. Na verdade, essa é a verdadeira formula que se harmoniza com a idéia de soberania popular.

No Brasil, adota-se a fórmula da soberania popular, mas apenas formalmente. Procura-se afastar essa tal soberania o máximo possível, estabelecendo várias camadas de legitimações derivadas e de tomada de decisões por órgãos de representação. Que tal se buscássemos nos aproximar mais daquilo que propomos nos papéis? Que tal, por exemplo, se o povo opinasse sobre esses miseráveis salários dos coitados dos juízes?

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