Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Um conselho de Fradique Mendes.

O final do almoço, Pierre-Auguste Renoir

C. Fradique Mendes é das criações mais deliciosas de Eça de Queirós. Claro, é um caráter feito de superficialidade, dandismo, intelectualidade de mostrar em salão, ironia. Um flâneur de um mundo cujo centro estaria em Paris.

A obra consiste em um volume com a primeira parte chamada Memórias e Notas e a segunda chamada As cartas. Recolho um trecho da quarta carta, em que Fradique comunica a Madame S. algumas opiniões sobre o desejo desta senhora de ter seu filho perfeitamente instruído na língua castelhana.

Não pretenda alguém ver no trecho adiante sugestão ou conselho meu próprio e lembre-se, a propósito, da ligeireza e ironia que fazia a personagem de Fradique. Se há sugestão, é dele, do grande mundano português do século XIX, não minha, que me falta arte para tanto. Bem o queria, mas…

Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra; todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afetivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do caráter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila, introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo. Rue de Rivoli, Calle d´Alcalá, Regent Street, Wilhelm Strasse – que lhe importa? Todas são ruas, de pedra ou de macadame. Em todas a fala ambiente lhe oferece um elemento natural e congênere onde seu espírito se move livremente, espontaneamente, sem hesitações, sem atritos. E como pelo verbo, que é o instrumento essencial da fusão humana, se pode fundir com todas – em todas sente e aceita uma pátria.

8 Comments

  1. Joe

    Andrei,
    vocÊ sabe falar alguma lingua estrangeira?

  2. Andrei Barros Correia

    Um pouco, José.

  3. GLORIAFloyd26

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  4. davi

    Acho Eça de Queirós um autor fantástico. Seus enredos e personagens são todos excelentes, muito puxados para as ironias da vida social.
    A propósito, concordo completamente com a idéia de que quando você aprende outra lingua está absorvendo outros aspectos da cultura do idioma novo. Ainda mais, acredito que isso também se dá no caso dos sotaques, mesmo que seja falando a mesma lingua.

    • Andrei Barros Correia

      Davi,

      Dos que conheço, Eça é o maior autor em língua portuguesa. Machado é um autor esplêndido, mas suas tintas e ironias parecem-me um pouquinho, um tantinho, carregadas quando comparados seus escritos aos de Eça.

      Acabo de reler as Memórias Póstumas de Brás Cubas e tive a mesma impressão de imensa obra da primeira vez que o li. Um psicólogo finíssimo.

      Pensei em falar aqui do livro, mas é complicado, a obra tem muitas sutilezas. Se me dedicasse a elas, teria que fazer um arrolamento. Preciso encontrar uma abordagem adequada.

      Eça tomou, n´Os Maias e n´A tragédia da Rua das Flores, um protótipo que foi posto na cena por Sófocles. No segundo livro, quase explicitamente.

      Uma diferença muito clara encontra-se nas constantes referências de Machado a obras e autores. Ele dizia constantemente de sua vasta erudição.

      Eça deixava clara sua erudição sem mencionar nomes. Estava claro que conhecia largamente literatura, sem precisar alinhar nomes e menções sutis.

      • davi

        Pois é Andrei, tenho uma impressão de Machado de Assis muito parecida com a sua. Comparado a Eça, que sabe ser mais sutil, Machado é um tanto rude em seu estilo.
        O que eu percebo, é que Eça é mais voltado para os aspectos sociais de sua trama e Machado para os aspectos psicológicos dos personagens. Ambos tratam muito bem de aspectos sociais e psicológicos, mas cada um é melhor em um.
        Dizem que a Tragédia da rua das flores é um esboço d’Os Maias, não sei. Contudo, realmente, para esses livros Eça vale-se de Sófocles e, também, de Dumas e de Verdi, que são anteriores.
        Gostaria bastante que você continuasse a comentar os livros que lê. É difícil ter com quem fazer isso.

  5. andrei barros correia

    Davi,

    Para mim, os comentários sobre livros, ou sugestões de leitura, como convencionamos chamar aqui, são as melhores postagens.

    Também é nelas que tento por mais rigor, por isso demandam calma. Tenho deixado de comentar muita coisa que leio, para não o fazer demasiado superficialmente.

    Vou me esforçar para comentar literatura.

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