Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Fradique Mendes oferece um exemplo para ilustrar a tese.

Duas postagens sobre o mesmo assunto é chato. Mas, pior seria uma mesma postagem com uma enorme transcrição, ainda que seja de Eça de Queirós. Por isso, segue a parte final da carta a Madame S., em que Fradique oferece um exemplo a ilustrar o que vinha teorizando sobre o domínio de línguas estrangeiras.

Eu tive uma admirável tia que falava unicamente o português (ou antes o minhoto) e que percorreu toda a Europa com desafogo e conforto. Esta senhora, risonha mas dispéptica, comia simplesmente ovos – que só conhecia e só compreendia sob o seu nome nacional e vernáculo de ovos. Para ela huevos, oeufs, eggs, das ei eram sons na Natureza bruta, pouco diferençáveis do coaxar das rãs, ou de um estalar de madeira. Pois, quando em Londres, em Berlim, em Paris, em Moscou, desejava os seus ovos, esta expedita senhora reclamava o fâmulo do hotel, cravava nele os olhos agudos e bem explicados, agachava-se gravemente sobre o tapete, imitava com o rebolar lento das saias tufadas uma galinha no choco, e gritava qui-qui-ri-qui! co-có-ri-qui! có-rócó-có! Nunca, em cidade ou região inteligente do universo, minha tia deixou de comer os seus ovos – e superiormente frescos!

3 Comments

  1. davi

    O exemplo é hilário, pricipalmente se você puder vizualizar a respeitável senhora imitando uma galinha…

    • Andrei Barros Correia

      Todas as vezes que releio esse trecho ponho-me a rir.

      E todas as vezes que leio o início da carta percebo que o conselho não é mais que uma obviedade sistematizada. Porque, todos, acho que sem exceções, são reconhecidos pelo sotaque.

      O irônico é Fradique sugerir que se falem idiomas estrangeiros sem perfeição. Ora, é praticamente impossível fala-los como os nativos. Daí que a tentativa não é apenas pouco recomendável, como é impossível.

      É curioso que muitos acham possível e se esmeram em tentar falar o francês ou o inglês com perfeição. Ora, essas pessoas esquecem uma evidência, aquela de nunca terem escutado um estrangeiro a falar o português como um lusófono de nascimento.

  2. davi

    De fato, mesmo que você consiga aprender perfeitamente uma língua, sempre terá um resquício de sotaque. (Você já leu “Budapeste” de Chico Buarque?)
    Português é uma língua muito difícil de aprender, todos sabem disso; e é muito difícil um estrangeiro se esforçar para falá-lo à perfeição, mas, se tentar, o fará com sotaque, normalmente engraçado.
    O aconselhamento do óbvio as vezes é necessário para algumas pessoas. Mas, no caso de Eça é pura ironia.

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