Primeiro, advirto das relativizações entre coisas diferentes. Virou hábito relativizar tudo ou, melhor dizendo, negar a possibilidade de comparações. Estratégia óbvia de quem pretende negar a excelência e dizer que o feio não existe.

Pretende-se dizer que o feio não existe por várias razões e a mais evidente é comercial. O mais interessante, todavia, não são as finalidades, mas os fundamentos desse discurso. A patifaria essencial reside na associação do feio, do comercial, ao popular. Assim, rejeitar o feio seria rejeitar o gosto popular, o gosto das maiorias. É falso, o mau gosto não é questão de democracia política e econômica, é questão feiúra e homogeneização cultural que atinge todas as classes sociais.

O forró é um estilo musical típico do nordeste brasileiro e associado à época das festas de São João. Herdeiro de ritmos populares europeus, marcado em compassos de três tempos. Sob o nome geral, há variantes mais específicas, como o xote, o xaxado, o baião. É música para se dançar a dois, basicamente, exceto pelo xaxado, talvez a variante mais arcaica. Traço essa linha de antiguidade com base no afastamento da dança coletiva, porque a dança a dois é posterior à quadrilha, à dança coletiva de salão.

O forró é conduzido melodica e harmonicamente por sanfona, ou fole, como dizemos comumente. E o ritmo é marcado pelo triângulo e pela zabumba, esta última um tambor grande, de som grave. O triângulo é uma peça de curiosidade, que devia ser estudado na sua arqueologia histórica. Um simples triângulo de ferro, com um dos ângulos descontínuo, que produz um simples tom metálico, mais rápido ou mais lento. Toca-se com uma varinha de ferro e a dificuldade é pegar-se com o indicador e o anular a cada batida da varinha.

O forró é um patrimônio cultural nosso e, como todo patrimônio, um alvo preferencial de apropriações. A mesma coisa que acontece com algo que se torna uma marca: é viável vender qualquer coisa sob o nome dela.

Fazem-se inúmeras porcarias musicais sob o nome de forró, como se fazem com o nome de rock ou de qualquer outra coisa que gerou um nome. Coisas péssimas, que nada têm a ver com forró, são chamadas assim e disseminadas vastamente.

Campina Grande tem tradição de grandes festas de São João. Aqui, são trinta dias de festa, ininterruptos. Diz-se que tudo isso gira em torno ao forró, mas é uma tremenda mentira, porque o forró é, hoje, a parte mais discreta das festas. Ouve-se coisa totalmente diferente e poucos dão-se conta disso, porque, no fundo, dão-se conta de muito pouca coisa.

Neste preciso momento, escuto – e eu escuto mal – o barulho que vem do parque do povo, onde acontecem as festas. É um barulho difuso, repetitivo, agressivo, inaudível e indançável. Não é bárbaro pela simplicidade, nem é selvagem pelo primitivismo. É desagradável e grotesco por obra voluntária e atual que reflete o grotesco do vazio.

Essa merda que se ouve sempre muito alto é binária e repetitiva, mas não como uma linha binária que embriaga como um ritmo puro africano de candomblé. Em troca do alto preço da agressão ela não devolve nem o transe, nem a embriaguês do rodopio. É a pobreza musical em forma pura, o contínuo, não do mantra, mas da estupidez gritante, eloquente.

Outra coisa curiosíssima é que somente se escuta em volumes altíssimos. Sim, altíssimos, muito mais que altos. É como se a matéria provasse a forma, ou seja, que algo tão ruim tivesse que vir acompanhado necessariamente do ruim que é o alto volume. Tem que ser duplamente agressivo, ruim e alto.