Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Um pouco de história (Page 4 of 5)

Entreguistas contra nacionalistas. Esta é a dicotomia política fundamental brasileira.

Fiz questão de utilizar o adjetivo fundamental, no título, para deixar evidente que há outras díades notáveis nos antagonismos políticos. Todavia, o corte entre nacionalistas e entreguistas é o mais nítido e profundo que há. Desde a metade do século XX até hoje, todos os conflitos políticos brasileiros podem ser vistos sob a perspectiva dessa díade, embora, evidentemente, possam ser vistos por vários outros prismas e modelos de compreensão.

As expressões consagraram-se no vocabulário político a partir da questão do petróleo brasileiro. A divisão estabeleceu-se entre os partidários da exploração pela companhia estatal Petrobrás, criada por Getúlio Vargas com esse propósito, e partidários da exploração a partir dos capitais e empresas transnacionais. Essa foi uma enorme fratura político-ideológica.

As circunstâncias históricas do ocorrido foram determinantes para sua complicada inserção na lógica política bipolar da guerra-fria. O Brasil estava no quintal dos Estados Unidos da América e seguia sob seu domínio. Qualquer desvio de conduta tendente a contrariar os interesses norte-americanos era acusado de inclinação comunista.

Ora, a questão do petróleo, rigorosamente falando, não dividia as posições entre capitalistas e comunistas, mas entre nacionalistas e entreguistas. Nada obstante, este último grupo fez da questão uma dicotomia ideológica que ela não revestia e tentou fazer dos nacionalistas comunistas. Não era disso que se tratava, todavia, mas de autonomia nacional frente a dependência externa pois, de fato, nunca houve qualquer risco de tornar-se o Brasil seguidor de alguma variante do bolchevismo.

Figuras insuspeitas de professarem algum comunismo eram adeptos claros da exploração nacional do petróleo e de outros minerais estratégicos. Eram-no por um evidente nacionalismo de direita, mas o discurso então oposicionista chamava a isso de comunismo! É perfeitamente compreensível, na medida em que o suporte em que se apoiavam não podia ser outro: para serem contra os governos, notadamente de Vargas, de Kubitschek e de Goulart, tinham que contar com o apoio norte-americano.

Uma questão difícil de investigar são os verdadeiros móveis das figuras proeminentes do entreguismo, tanto as civis, quanto as militares. Até que ponto acreditavam no entreguismo, até que ponto julgavam válida a cretina idéia de que o nacionalismo de direita era comunismo e até que ponto agiam como simples corretores a soldo dos norte-americanos? É difícil até porque os subornos costumam ser mal documentados.

Raramente um e outro motivador age sozinho, para desespero de quantos buscam causas únicas, claras, isoladas. As coisas terminam conspirando para dificultar a compreensão e misturam-se todos os fatores. As abordagens que se pretendem racionalistas costumam negar às figuras proeminentes e aparentemente mais bem dotadas intelectualmente as motivações fanáticas, puramente inspiradas na propaganda, mas convém ser menos cético.

O caso da histeria contra o comunismo é bastante revelador. Porções das classes dominantes civis e militares, que se forjaram na oposição a Vargas, viam em tudo que fosse uma contrariedade aos interesses norte-americanos a marca do comunismo, mesmo que ignorassem profundamente o que fosse propriamente comunismo e seus aspectos políticos e econômicos. E pareciam também ignorar o que era e é a base teórica do liberalismo político clássico: a democracia eletiva.

Acostumamo-nos a confundir racionalismo com mercantilismo ideológico e, assim, passamos ao largo do que parece impossível se não se motivar apenas na compra-e-venda de opiniões e posições. Todavia, as crenças e o fanatismo existem, sim, e são até mais fortes que a posição comprada. Como as idéias gratuitas tendem a parecer simples adesões àlguma tolice, reputamo-las inexistentes.

Parece-me que a necessidade de dissociar causas conduz à eleição de apenas uma e outra, quando, na verdade, elas costumam andar juntas e bem misturadas. Ademais, não se excluem necessariamente. Se é verdade que muitos dos oposicionistas ao nacionalismo brasileiro das décadas de 1940, 1950 e 1960 agiam por terem-se seduzido pela propaganda norte-americana, também é verdade que muitos agiam seduzidos pelo dinheiro norte-americano.

Vistas as coisas com a distância do tempo, muito do que era confuso torna-se claro. O Brasil era muito pouco importante economicamente e encontrava-se em uma região indiscutivelmente partícipe da esfera de influência norte-americana. Não havia outras adesões possíveis e nem parecia haver outras desejáveis. Nessa perspectiva, não causa qualquer estranheza que tenha sido possível recrutar elites dispostas à defesa dos interesses dominantes nessa parte do mundo.

E foi possível levar a coisa adiante, dando-lhe ares teóricos e postulando a inevitabilidade da dependência. Aqui desnuda-se a insuficiência epistemológica de quantos, a partir de constatações, criaram prisões doutrinárias, negando a própria história, entre outros fatores mais. A dependência que se constatou então realmente havia, mas sua permanência não era um axioma, como quiseram seus defensores.

Hoje, quando a dependência brasileira diminui a galope, ainda há quem insista na impossibilidade disso, embora o processo marche nas suas vistas. Ainda mais contraditório é que a dependência recua – notadamente pelo aumento da detenção de meios energéticos – ao passo que a integração econômica com o mundo também progride. É possível, para horror de muitos, seguir a marcha autonomista e abrir-se aos mercados mundiais, simultaneamente.

Por isso, os mais recentes suspiros entreguistas revelam poucas potencialidades. E, por ser possível que estejam por esgotar-se enfim, podem ser os mais perigosos. O moribundo ergue-se muito teso e crispado na última vez que se ergue.

Presidente, nomeie o Marechal Lott para Ministro da Guerra!

Marechal Henrique Teixeira Lott

Não havia povo nessa estória, havia, basicamente, nacionalistas e entreguistas. Ou, caso prefiram-se outros termos, getulistas e anti-getulistas, ou democratas e anti-democratas. E havia, como sempre haverá, muita ambiguidade terminológica. Todos sabem que Getúlio Vargas fora ditador por oito anos, por exemplo.

Mas, toda ambiguidade terminológica é insuficiente para negar uma coisa: havia dois lados e um deles era constantemente incapaz de triunfar por meio de eleições, embora discursasse a favor da democracia, enfaticamente. Os defensores enfáticos da democracia eram os cultivadores do golpe de estado. Incoerente, hipócrita? Claro, mas isso é da política.

Escrúpulos de contenção verbal ou vontade de parecer isento não me levarão a evitar dar opinião. O caso é que o lado dos democratas golpistas era fanático, mesquinho e irresponsável. E seu fanatismo era vazio, não se prendendo claramente a qualquer objeto, o que fica evidente nas altas doses de hipocrisia.

Digo fanáticos vazios porque não era possível apontar que se ligassem sinceramente a qualquer coisa que não fosse a tomada do poder. Não se podia dizer dessa gente que sua mania fossem as leis, nem que fossem as eleições, nem que fosse o capital externo, nem que fosse o capital interno. Era, conforme a circunstância, o que calhasse imediatamente ao propósito de chegar ao poder. Obsessivos e pusilânimes, enfim. A figura orteguiana do homem-massa e do mocinho satisfeito servia perfeitamente a Carlos Lacerda, por exemplo, pouco importando quantos livros tenha lido e sua competência com o idioma português.

Depois que Getúlio Vargas suicidou-se, em 1954, depois de sofrer uma das campanhas mais tenazes de pressão e difamação da história brasileira, assumiu a presidência o senhor Café Filho, conforme dispunha a constituição, porque ele era o Vice-Presidente.  O homem não era tolo e escolheu o Marechal Henrique Teixeira Lott para ministro da guerra. Sabia que, de outra forma, tomaria um golpe imediato.

Café Filho adoeceu ou foi adoecido – isso nunca ficou suficientemente esclarecido – e foi substituído por Carlos Luz. Ambos, nessa altura, já tinham sucumbido e sido cooptados para a empreitada golpista. A manobra consistia em negar a posse de Juscelino Kubitschek, a partir de um argumento não apenas tolo, como ilegal. Lacerda, o primeiro dos golpistas, afirmava que Kubitschek não fora eleito com maioria absoluta dos votos, em 1955.

Acontece que a constituição não exigia a maioria absoluta! A eleição de Juscelino era perfeitamente legal, mas para certos propósitos quaisquer argumentos servem. O grupo de Lacerda buscou setores do exército simpáticos à aventura golpista e a estratégia resultou positiva, em termos de obtenção de apoios.

Um coronel do exército fez um discurso inflamado, no Clube Militar, contra a posse de Juscelino, em uma reunião com a presença do ministro da guerra, o Mal. Lott. O ministro buscou punir a evidente insubordinação e indevida abordagem de assuntos políticos institucionais. Mas, o coronel estava sob a jurisdição da Escola Superior de Guerra e não do Ministério da Guerra.

Lott foi ao Presidente Carlos Luz tratar do assunto. Luz deixou o ministro esperando três horas antes de recebê-lo e negar-se a aplicar a punição. Dupla infâmia que é percebida por Lott como sinal do avanço evidente do golpe e de desprestígio seu. Resolve demitir-se, mas é demovido da idéia por dois generais, no dia 10 de novembro de 1955.

No dia seguinte, Lott dá ordens de cercar o Palácio Presidencial do Catete, quartéis da polícia e instalações da companhia telefônica do Rio de Janeiro. Nessa altura, Lacerda percebe que a brincadeira havia terminado e foge, com alguns asseclas, para o Cruzador Tamandaré, da Marinha de Guerra do Brasil.

O Mal. Lott não recua e manda bombardear o navio com salvas de artilharia. O cruzador ruma para Santos, pois acreditava-se que o Governador de São Paulo, Jânio Quadros, daria apoio ao movimento golpista. Sucede que Jânio era golpista, mas em outros níveis e não era tolo. Não deu apoio qualquer e declarou-se a favor da legalidade, que era exatamente a postura de Henrique Lott.

Então, o ministro consegue afastar Carlos Luz da presidência e neutralizar o supostamente doente Café Filho. O Senado da República vota o estado de sítio e afinal Juscelino é empossado no cargo de Presidente, em 31 de janeiro de 1956. Lott havia dado um perfeito contra-golpe para tornar possível o cumprimento da constituição e a posse do vitorioso nas eleições.

O golpe militar de 1964 por seus garantidores. Uma reveladora conversa entre Lyndon Johnson e George Ball.

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Os norte-americanos têm algumas coisas realmente apreciáveis em termos de objetividade. As conversas telefônicas da Casa Branca são gravadas, embora seu conteúdo possa permanecer secreto por muito tempo. Depois que a coisa reputa-se sem perigos, eles revelam as gravações.

No vídeo acima, o Presidente Johnson fala com o Subsecretário de Estado George Ball sobre a situação do golpe que se dava no Brasil, contra o Presidente legítimo João Goulart, e as garantias que os EUA ofereciam. Por exemplo, um porta-aviões por perto, outras naves menores. Alguns navios petroleiros, para que ninguém ficasse sem gasolina e munição.

Isso que os norte-americanos não escondem mais, muitos ainda negam no Brasil.Orgulho de golpista é complicado.

Memória fotográfica de Campina Grande.

Gosto de fotos antigas. Apenas não consigo definir nem conceituar, precisamente, antigo. A falta de colorido é um bom indicador, todavia.

Aproveito para sugerir um sítio rico em fotografias antigas de Campina Grande, além de outras coisas, chamado Retalhos Históricos de Campina Grande.

Acima, a Avenida Floriano Peixoto, em 1950. À esquerda, o prédio que se destaca é o Grande Hotel. À direita, a antiga sede da Prefeitura Municipal.

Fotografia tirada desde a Praça da Bandeira, com o prédio dos Correios, ao fundo. Não há indicação da data, mas imagino algo entre 1960 e 1965.  Existem, como se sabe, padrões arquitetônicos, relacionados não apenas às épocas das construções, mas às suas funcionalidades. É perceptível a semelhança de modelo dos edifícios dos correios de várias cidades brasileiras.

Os russos ganharam a II guerra mundial. Mais um pouco sobre a manipulação de informações.

Soldados russos em Stalingrado.

A informação em si não tem ideologia. A forma como ela é oferecida aos receptores tem. Entram em cena omissões, ênfases seletivas, mentiras e exagerações, a tornar em ideologia algum fato. Claro que algum fato pode ser suporte de uma ideologia, a dizer que ela produziu um êxito, mas o fato sem discurso não é mais que isso, é inerte.

Os russos, sob o que então se chamava União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, venceram a II guerra mundial contra os alemães. Não é algo de se estranhar, porque a guerra deu-se entre alemães e russo e, portanto, seria vencida por um dos dois. Evidentemente, essa conclusão não implica negar a participação de outros povos, secundariamente.

Os espaços vitais buscados pela Alemanha não estavam em outro sítio senão na URSS. Com o restante da Europa, Adolfo Hitler construiria uma União Européia avant la lettre, com a capital em Berlin e, não em Bruxelas ou Strasburgo, evidentemente. Nisso retomava parcialmente o que Bonaparte fez com mais engenho e sucesso, com a sede em Paris. Napoleão federou e seduziu os tedescos do Reno e seduziu e avassalou os italianos do Vale do Pó e da Emília Romana. Durou mais e ficou nas mentes de quem experimentou.

Adolfo Hitler destinou 3/4 dos esforços de guerra alemães à frente oriental, o que é sinal evidente de onde a guerra foi lutada. Muito embora cinema e sub-literatura tenham incutido profundamente nas mentalidades as supostas importâncias de detalhes como a guerra no deserto e outras coisas deste tipo, como o desembarque na Normandia, a guerra ocorreu do Elba para oeste.

Winston Churchill, que não era minimamente tolo, pode registrar nas suas memórias que enquanto se divertiam com seis (06) divisões alemãs na frente ocidental, os russos enfrentavam cento e oitenta e cinco (185) divisões alemãs. Simplesmente, trinta vezes mais! Um estúpido pode continuar a não compreender, mas um parcial que preze minimamente o que traz dentro do crânio pode até calar-se, mas não pode ignorar a evidência.

O mesmo Churchill sabia muito bem que Adolfo Hitler havia poupado os soldados ingleses em Dunkerque, permitindo que se evadissem, embarcando de retorno à ilha. Chegava a ser constrangedor e, por isso mesmo, o episódio foi habilmente tornado em uma escapada conseguida com muito esforço. A verdade é que a Wehrmacht deixou-os evadirem-se, porque o Fuhrer ofereceu um gesto simpático aos ingleses.

Na resolução de fazer a guerra à Rússia houve fartas doses de sub-avaliações. O General Halder teria ocasião de dizer, um mês depois de iniciada a ofensiva, que a estimativa de enfrentar 200 divisões era equivocada, pois havia aproximadamente 360! A opinião do General Bluimentritt também é significativa do obstáculo e do histórico desprezo de alemães e russos por poloneses. Ele diz que a resistência e capacidade de lutar dos russos nada tinha a ver com a incapacidade dos poloneses.

Já em 11 de agosto de 1941, Franz Halder, o General bávaro de vastos serviços militares prestados à Alemanha, diria que é cada vez mais evidente que subestimamos o poderio desse colosso russo não só na esfera econômica, como, também, na militar.

O comentário mais revelador veio do Marechal-de-Campo Gerd von Rundstedt, um aristocrata prussiano em serviço desde 1892,  que se havia retirado em 1938, ao saber que Fristch havia sido espionado pela Gestapo. O Fuhrer o reconvocou ao serviço ativo às vésperas do início das hostilidades. Ao que tudo indica, Rundstedt era um militar e só isso.

Capturado, ao fim da guerra, o Marechal-de-Campo Rundstedt disse: Percebi, logo depois de termos começado o ataque, que tudo o que se escrevera sobre a Rússia não passara de tolices.

De minha parte, creio que Adolfo Hitler era mal dotado como militar e levou a esse campo a mitomania que funciona na esfera política. Na política, super estimar ou sub-estimar são rotinas próprias desse âmbito de atuação. Na guerra, é a diferença de gastar demais ou perder. É significativo que muito oficias alemães tenham alegado, no embuste de Nuremberg, que eram apenas militares no desempenho de suas funções: e muitos eram apenas isso.

Terminada a guerra, a parte do mundo em que vivo passou a aclamar-se como única vitoriosa de um grande conflito. E passou a produzir material de propaganda desse êxito, negando o real obtenedor da vitória. Claro que isso esteve e está perfeitamente inserido na necessidade de escamotear qualquer mérito de um novo oponente.

Esse esforço teve sucesso, porém ao custo de ignorância. Passado o tempo e aumentada a distância dos fatos, esse sucesso cobra um preço grande, porque aquilo que era feito deliberadamente por quem sabia o que fazia, passa a ser uma verdade crível para quem vem depois. E até para os sucessores de quem vendeu a mentira propositadamente. Hoje, é como se o vendedor do entorpecente o consumisse!


O crime do Padre Hosana.

Leio, no Jornal do Commercio de hoje, um jornal diário de Recife, que o historiador francês Richard Marin escreveu um livro sobre o crime do padre Hosana. Fiquei curioso, pois o episódio é interessantíssimo e Marin um belo historiador. Juntamente com Bartolomé Bennassar, escreveu um dos melhores livros de História do Brasil que existem.

Hosana de Siqueira e Silva, nascido em 1913, destinou-se ao sacerdócio pela vontade da família, originária da região agreste do estado de Pernambuco e de situação social mediana. Não eram pobres, enfim. O padre teve dificuldades para ordenar-se, o que suporta as teses de que não tinha propriamente vocações eclesiásticas.

Mas, essa questão das vocações deve ser observada com bastante cuidado, pois o catolicismo romano tornou-se, a partir da segunda metade do século XIX, mais rigoroso com a uniformidade doutrinária e comportamental, gerando descompassos com os hábitos consagrados e, principalmente, com as religiosidades de matriz popular e mística. No caso de Hosana, o descompasso nada tinha com alinhamentos ao catolicismo popular, mas com a relativa liberdade sexual que tinham os párocos.

Ao que tudo indica, Hosana tinha vida sexual ativa e relacionava-se com uma prima sua. O caso não gerava qualquer escândalo na sua paróquia de Quipapá, pois obedeciam à regra de que o escândalo decorre da propagação dos fatos, não deles em si. Quem lembrar-se do padre Amaro, de Eça de Queirós, estará a ver o perfeito exemplo da configuração escandalosa desses comportamentos afetivos dos padres. Poder, pode, mas não deve ser abertamente praticado.

O Bispo de Garanhuns, sede episcopal a que Quipapá estava vinculada, Dom Expedito Lopes, tomou conhecimento das aventuras amorosas do padre Hosana e não gostou. Cioso da missão de evitar o escândalo e zelar pelo cumprimento do voto de castidade, instou o padre a desfazer-se de suas companhias do sexo feminino. Parece que o padre tomou a coisa toda na conta de perseguição, relativamente a fatos que não suscitavam desaprovação social.

Dom Expedito não se contentou com os trâmites burocráticos ditados pela legislação canônica e, incoerentemente com a rejeição ao escândalo, voltou-se contra Hosana publicamente. É significativo que tenha feito até mesmo pronunciamentos na rádio de Garanhuns, trazendo ao conhecimento geral o que, a princípio, estava no âmbito de um processo formal. Creio – é só o que vai de opinião aqui – que o Bispo encantou-se com as potencialidades da comunicação de massas e minimizou a honorabilidade do padre.

Tudo já estava encaminhado para a suspensão de ordens do sacerdote pecador. O tratamento mediático da questão parece ter mexido com os brios do padre Hosana. Em julho de 1957, ele dirige-se à sede Episcopal de Garanhuns, onde é recebido pelo Bispo; discutem e o padre saca de um revólver e desfere três tiros em Dom Expedito, que morre a seguir. O padre entrega-se à polícia e aguarda julgamento.

Foram três julgamentos a que se submeteu Hosana de Siqueira. Os dois primeiros absolveram-no, em decisões soberanas do júri popular. Foram anulados e fez-se um terceiro, que resultou na condenação a dezenove anos de prisão, em 1963. Obteve, cumpridos cinco anos da pena, um livramento condicional.

Essa estranhíssima trajetória teria ainda um episódio sem explicações. O padre Hosana foi assassinado aos 84 anos, a golpes de porrete, nas suas terras, para onde havia se recolhido.

É impossível não lembrar, novamente, do Padre Amaro, a propósito das conveniências e inconveniências dos padres terem vida afetiva. Não lembro e não vou pesquisar agora em googles da vida o nome do padre velho da aldeia em que se instala Amaro. Mas, lembro-me bem do momento em que o sacerdote velho adverte o novo de que a questão não era os padres terem, ou não, mulheres, a questão era obedecer às regras não escritas. Podia, sim, ter mulher, como ele, o velho sempre tivera, mas não podia ficar às piscadelas de olhos, aos namoricos, às escapadas sorrateiras, a descuidar das coisas de padre para pensar somente nas de namoro.

O sistema que se praticava então, principalmente nas localidades pequenas e mais afastadas dos bispados, funcionava bem. Padre que queria ter mulher, tinha-na. Havia, nesses casos, aquela beata mais chegada à casa do pároco, ou a mulher do sacristão, que cuidava com muita atenção das comidinhas do reverendo, cuidava para que trouxesse as roupas limpas e andasse bem asseado. Quase todos percebiam o que se passava, mas o relacionamento em si não era motivo de escândalo, embora sua publicidade fosse.

Realmente – e aqui vai outra opinião – a imposição do celibato aos padres seculares é uma tremenda fonte de problemas!

Sincretismo pictórico da escola cusquenha.

La ultima cena, de Marcos Zapata.

Essa tela impressionante encontra-se na Catedral de Cusco, antiga capital do Império Inca. É um belo exemplar da escola cusquenha de pintura, que vicejou nos séculos XVII e XVIII. Um elemento destacado é a presença de aspectos culturais locais nas representações de cenas clássicas do cristianismo.

Na última ceia acima pode-se notar que o prato principal é um cuy, um porquinho do mato, muito apreciado no Perú. Estão presentes outros alimentos típicos da região, como o milho e as batatas. Ocupam os lugares dos tradicionais carneiro e pão de trigo, comuns às representações pictóricas de matriz européia.


22 de abril é a data comemorativa do descobrimento do Brasil, mas convém lembrar de Pinzón.

A 22 de abril de 1500, a expedição comandada por Pedro Alvares Cabral atinge a costa brasileira, na altura do que hoje é Porto Seguro, no atual estado da Bahia. Todavia, há uns episódios que devem ser considerados, embora nada tenham de desautorizadores da data comemorativa oficial.

Vicente Yáñes Pinzón era um homem rico, de Palos de la Frontera. Não se sabe precisamente a data de seu nascimento, nem o local de seu falecimento, em 1515. Em conjunto com alguns familiares, armou quatro caravelas e partiu de Palos, no princípio de dezembro de 1499. Depois de passarem por Cabo Verde, tomaram o rumo sudoeste. Em 20 ou 26 de janeiro de 1500, atingiram terra, a 8º de latitude sul, provavelmente no que hoje é o Cabo de Santo Agostinho, no atual estado de Pernambuco.

Batizaram o local de Santa María de la Consolación. Seguiram rumo noroeste, então, tendo chegado ao Rio Amazonas, que chamaram Marañón. Não há certeza quanto à descoberta do Amazonas e dizem alguns que Pinzón teria chegado ao Orinoco, na atual Venezuela.

O golpe militar de 1964 foi há exatamente 46 anos.

Militares reestabelecendo a democracia no Brasil.

Um texto de Andrei Barros Correia

Em 01 de abril de 1964, tropas do exército brasileiro davam um golpe de estado para depor João Belchior Goulart, presidente constitucionalmente legítimo. Há fortes indícios de que os serviços secretos das forças armadas viriam a assassiná-lo, mais de uma dezena de anos depois.

Não houve, desde a proclamação da república, em 1889, até o golpe de 1864, qualquer governo brasileiro que se tenha dedicado a alguma política que mereça o nome de esquerdista, ou seja, voltada para uma melhor distribuição das riquezas produzidas no país. Isso deve ficar bastante claro.

Houve, sim, governos, democráticos e ditatoriais, que privilegiaram grupos nacionais em detrimento de estrangeiros. Getúlio Vargas, por exemplo, no período ditatorial do Estado Novo, inaugurado em 1937, desenvolveu uma política que desagradou aos representantes dos interesses externos. Beneficiou camadas da burguesia local e, marginalmente, camadas populares.

As polarizações, no Brasil, não se davam, como não se dão, principalmente, entre ricos e pobres. Elas operavam, das classes médias para cima, entre grupos de iniciativa nacional e grupos de iniciativa externa. Em torno a esses grandes grupos, vicejavam sub-grupos de apropriadores das migalhas. De um lado, partes da burocracia estatal e de um incipiente operariado urbano, de outro, os servidores dos corretores de venda do país.

Juscelino Kubitschek, que presidiu o país entre 1955 e 1960, promoveu uma intensa industrialização do país, recorrendo a capitais externos. Nada que se aproximasse minimamente de um governo de esquerda. E cultivou a democracia, vencendo um golpe que pretendia impedir sua posse, após consagradora eleição democrática. É notável que Juscelino, simplesmente um democrata liberal, foi proscrito pelo regime ditatorial implantado em 1964. Continue reading

O Pantocrator e uma controvérsia anacrônica no nascimento.

Pantocrator, mosaico de Hagia Sophia.

O Islão não admite imagens, em postura coerente com o sistema que representa. O judaísmo – de que o islamismo é muito próximo conceitualmente – também não nas admite. Para uns e outros não houve personificações da deidade e os profetas – ou o único deles – não eram mais divinos que os comuns dos homens. Logo, o abstrato apreensível apofaticamente não pode ser representado, assim como seu próprio nome não pode ser dito. E não pode por razões lógicas, não se tratando de simples proibição normativa.

Os que seguem a corrente do segundo contrato com deus, celebrado mediante um sacrifício humano e aberto à adesão de quantos queiram, assumem que uma pessoa teria participado da deidade. E que essa participação não teria afastado sua historicidade, ou seja, terá havido quem viu essa pessoa. Claro que é algo complicado de se enunciar e que se perdeu a ocasião de ficar com a melhor saída, o arianismo. Todavia, quem foi visto pode ser representado.

Em decorrência da proscrição de imagens pelo Califa Jesid, instaurou-se uma tremenda polêmica na cristandade e no Império Bizantino. Imperadores acharam a ocasião politicamente favorável a aderir à proscrição ditada pelo Califa. O Imperador Leão III teve sérios problemas por seguir a proibição e tentar impô-la nos domínios bizantinos. Em 787, o segundo Concílio de Nicéia proclamou o fim da questão e a permissão das imagens.

Se a decisão tivesse sido outra, teríamos sido privados de muitas belíssimas obras de arte, como o Pantocrator da fotografia. Tive ocasião de vê-lo, em Hagia Sophia, a basílica erguida em Constantinopla, em homenagem à sabedoria de deus. Venceu, afinal, o bom gosto.

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