Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Presidente, nomeie o Marechal Lott para Ministro da Guerra!

Marechal Henrique Teixeira Lott

Não havia povo nessa estória, havia, basicamente, nacionalistas e entreguistas. Ou, caso prefiram-se outros termos, getulistas e anti-getulistas, ou democratas e anti-democratas. E havia, como sempre haverá, muita ambiguidade terminológica. Todos sabem que Getúlio Vargas fora ditador por oito anos, por exemplo.

Mas, toda ambiguidade terminológica é insuficiente para negar uma coisa: havia dois lados e um deles era constantemente incapaz de triunfar por meio de eleições, embora discursasse a favor da democracia, enfaticamente. Os defensores enfáticos da democracia eram os cultivadores do golpe de estado. Incoerente, hipócrita? Claro, mas isso é da política.

Escrúpulos de contenção verbal ou vontade de parecer isento não me levarão a evitar dar opinião. O caso é que o lado dos democratas golpistas era fanático, mesquinho e irresponsável. E seu fanatismo era vazio, não se prendendo claramente a qualquer objeto, o que fica evidente nas altas doses de hipocrisia.

Digo fanáticos vazios porque não era possível apontar que se ligassem sinceramente a qualquer coisa que não fosse a tomada do poder. Não se podia dizer dessa gente que sua mania fossem as leis, nem que fossem as eleições, nem que fosse o capital externo, nem que fosse o capital interno. Era, conforme a circunstância, o que calhasse imediatamente ao propósito de chegar ao poder. Obsessivos e pusilânimes, enfim. A figura orteguiana do homem-massa e do mocinho satisfeito servia perfeitamente a Carlos Lacerda, por exemplo, pouco importando quantos livros tenha lido e sua competência com o idioma português.

Depois que Getúlio Vargas suicidou-se, em 1954, depois de sofrer uma das campanhas mais tenazes de pressão e difamação da história brasileira, assumiu a presidência o senhor Café Filho, conforme dispunha a constituição, porque ele era o Vice-Presidente.  O homem não era tolo e escolheu o Marechal Henrique Teixeira Lott para ministro da guerra. Sabia que, de outra forma, tomaria um golpe imediato.

Café Filho adoeceu ou foi adoecido – isso nunca ficou suficientemente esclarecido – e foi substituído por Carlos Luz. Ambos, nessa altura, já tinham sucumbido e sido cooptados para a empreitada golpista. A manobra consistia em negar a posse de Juscelino Kubitschek, a partir de um argumento não apenas tolo, como ilegal. Lacerda, o primeiro dos golpistas, afirmava que Kubitschek não fora eleito com maioria absoluta dos votos, em 1955.

Acontece que a constituição não exigia a maioria absoluta! A eleição de Juscelino era perfeitamente legal, mas para certos propósitos quaisquer argumentos servem. O grupo de Lacerda buscou setores do exército simpáticos à aventura golpista e a estratégia resultou positiva, em termos de obtenção de apoios.

Um coronel do exército fez um discurso inflamado, no Clube Militar, contra a posse de Juscelino, em uma reunião com a presença do ministro da guerra, o Mal. Lott. O ministro buscou punir a evidente insubordinação e indevida abordagem de assuntos políticos institucionais. Mas, o coronel estava sob a jurisdição da Escola Superior de Guerra e não do Ministério da Guerra.

Lott foi ao Presidente Carlos Luz tratar do assunto. Luz deixou o ministro esperando três horas antes de recebê-lo e negar-se a aplicar a punição. Dupla infâmia que é percebida por Lott como sinal do avanço evidente do golpe e de desprestígio seu. Resolve demitir-se, mas é demovido da idéia por dois generais, no dia 10 de novembro de 1955.

No dia seguinte, Lott dá ordens de cercar o Palácio Presidencial do Catete, quartéis da polícia e instalações da companhia telefônica do Rio de Janeiro. Nessa altura, Lacerda percebe que a brincadeira havia terminado e foge, com alguns asseclas, para o Cruzador Tamandaré, da Marinha de Guerra do Brasil.

O Mal. Lott não recua e manda bombardear o navio com salvas de artilharia. O cruzador ruma para Santos, pois acreditava-se que o Governador de São Paulo, Jânio Quadros, daria apoio ao movimento golpista. Sucede que Jânio era golpista, mas em outros níveis e não era tolo. Não deu apoio qualquer e declarou-se a favor da legalidade, que era exatamente a postura de Henrique Lott.

Então, o ministro consegue afastar Carlos Luz da presidência e neutralizar o supostamente doente Café Filho. O Senado da República vota o estado de sítio e afinal Juscelino é empossado no cargo de Presidente, em 31 de janeiro de 1956. Lott havia dado um perfeito contra-golpe para tornar possível o cumprimento da constituição e a posse do vitorioso nas eleições.

3 Comments

  1. Julinho da Adelaide

    Andrei. Não sei se peco por reducionismo, mas às vezes penso que o que mais pesou na balança para o golpe de primeiro de abril foi o medo da volta de JK. Sei que o golpismo estava no dna das nossas tropas, mas a volta dele, com tudo que representava em termos de popularidade e por efetivamente ter um projeto nacional, era um fantasma. Por formação estudei o Plano de Metas e pude perceber que ali estavam contemplados várias vertentes fundamentais para o desenvolvimento do país em termos de infra-estrutura, indústria de base, etc. E o mais relevante alem de ser o primeiro presidente a apresentar um planejamento para além das platitudes que se lançam em campanhas foi o fato de, assim como o nome sugere, haviam metas concretas a ser alcançadas e o foram em grande parte. O projeto foi lançar as bases para o desenvolvimento industrial. Para o segundo governo a meta seria ampliar a produção e o emprego, distribuir renda e gerar um verdadeiro mercado de consumo de massas. Era isso que assustava, não os golpistas mas aos seus patrões. Tanto é verdade que Castelo Branco, que sabia da popularidade dele, buscou seu apoio para alçar o poder dentro do golpe, e foi instado por Costa e Silva, representante da linha-dura e seu ministro da guerra, a cassar JK. Se Lott tivesse ganho de janio, as coisas poderiam ter sido diferentes. Não sei se teriam tutano para dar o golpe nele. Mas ai pesam sobre JK as desconfianças de não ter se empenhado tanto na eleição do General. Aquelas coisas de “depois de mim o dilúvio”; mas já me alongo demais e peço desculpas por isso. É que esse assunto é muito interessante.

    • andrei barros correia

      Julinho,

      Certamente os mais inteligentes dos golpistas deviam ter esse receio de Juscelino. Porque contra ele não cabiam acusações tão pueris quanto as que lançaram contra Jango.

      E se Juscelino fizesse um segundo governo com a segunda parte do plano, sua já grande popularidade iria para a estratosfera.

      Creio que Juscelino não se empenhou na campanha de Lott, em 1960. Todavia, além de cálculo, pode ter percebido que o marechal era um péssimo candidato, porque não empolgava. Era sério demais, não fazia graças, não fazia promessas.

      Mas essa tese do não envolvimento de Juscelino tem suas fraquezas, também. Porque ele se elegeria depois de Lott, como se elegeria depois de Jânio.

      Como disseste, o assunto é interessante e também não resisto a alongar-me. Uma das coisas mais intrigantes para mim é tentar perceber se o pessoal do golpe acreditava mesmo no que dizia de Jango.

      Claro que um e outro achava que Jango era o perigo vermelho, mas não é razoável que essa bobagem seduzisse a todos. As bobagens são muito sedutoras, mas não atingem a todos.

      Realmente, é difícil de conceber um perigo vermelho com Roberto Campos no ministério, mas…

      Eles, os golpistas queriam mandar, muito segundo aquele sentimento de que era chegada a vez deles.

      A sucumbência de Castello à linha-dura é muito significativa. Ele fez tudo ao contrário do que dizia e deixou o terreno institucionalmente preparado para a tragédia subsequente.

      Essa personagem, de fato, é a mais interessante delas todas, porque a mais cheia de nuances. Era um espetacular político que negava isso veementemente.

      Um tremendo fazedor de intrigas que se dizia avesso a elas. Um homem profundamente vaidoso que se pretendia simples. Um homem fortemente caracterizado pelo cálculo e não pela intrepidez, o que queria ver chamado de bom-senso.

      Fez quase todo o serviço sujo e os expurgos que limparam o terreno para o infame Costa e Silva. Embora tenha feito isso, tentava neutralizar muitos politicamente, chamava Lacerda para almoçar, conversava com um e outro.

      Até o discurso da moralidade era frágil. Por exemplo, o governo de Castello, que se pretendia um bastião contra a corrupção, somente cassou Adhemar de Barros quando ele revelou-se uma ameaça.

      Ora, sempre se soube que Adhemar era um imenso ladrão, mas somente foi cassado quando opôs algum obstáculo ao continuísmo da ditadura.

  2. Julinho da Adelaide

    Vou mais além Andrei. O medo dos golpistas poderia ser a popularidade de JK, mas o medo dos patrões americanos certamente seria a consolidação de um capitalismo de mercado e independente, bem diferente desse modelo que nos foi imposto desde sempre, com um pé na escravidão, outro na idade média feudal.

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