Isso incomoda.
A Carta Capital é uma revista semanal brasileira, fundada pelo jornalista Mino Carta, genovês que veio ter ao Brasil ainda muito jovem. Mino tem uma mente clara, possui amplos conhecimentos e escreve elegantemente.
A revista não se compreende a partir das categorias político-ideológicas direita, centro e esquerda. Ela é uma boa publicação – a única semanal brasileira digna de ser lida – com matérias jornalísticas propriamente ditas, colunistas em economia, esportes, mundo corporativo, gastronomia e política.
Dedica uma parte à tecnologia, outra à saúde, outra à cultura. Publica, traduzidos e sob licença, artigos da The Economist, britânica especializada no que o nome sugere.
Conforme à grande tradição norte-americana e européia, a Carta Capital não escamoteia opiniões editoriais. Ou seja, não se prende à mentira que atende pelo nome de imparcialidade do editor, algo que não existe. O jornalismo é uma técnica de coleta e relacionamento de informações e, quando sugere alguma ligação que não decorre imediatamente e claramente de fatos, deve deixar isso claro.
O editorial, esse é uma opinião, um artigo assinado e de responsabilidade do seu autor. Não deve conter ofensas à honra e dignidade das pessoas, como não devem conter tais agressões quaisquer comunicações públicas, sob pena de sanção penal e civil. Esse é seu limite formal. Os limites materiais dão-nos os leitores e a maior ou menor credibilidade que eles têm.
No que tange a jornalismo, ou seja, a matérias que se referem a fatos, maioritariamente fatos políticos, as coisas regem-se pelas regras clássicas do jornalismo e, evidentemente, pelas mesmas limitações já mencionadas, relativamente à honra das pessoas. A Carta Capital faz boas matérias jornalísticas e não as tem contestadas com sucesso.
Do outro lado do espectro editorial brasileiro, tem-se a revista Veja, uma publicação rasteira, de baixo nível intelectual, de alinhamento político evidente, mas sempre negado, de oferta de conclusões prontas sem fatos comprovados, ou seja, toda e completamente de idéias e propaganda, mas sob o nome de jornalismo.
Essa publicação leva a sua editora, a Abril, a constantes condenações judiciais por ofensas sem provas a várias pessoas. Todavia, preferem pagar as indenizações a mudar seu estilo agressivo e infundado de agredir violentamente os seus inimigos e os inimigos dos que se servem dela.
O espectro de conteúdos habituais da revista Veja vai de qualquer coisa contra o governo atual a uma nova receita para emagrecer ou para ser feliz. Sua secção de cultura consiste na apresentação de uma lista de livros mais vendidos, apurada segundo critérios desconhecidos. Seu parâmetro de escolha de uma obra para tratar é o sucesso financeiro dela, sendo irrelevantes quaisquer considerações de cunho estético.
Sua linha editorial é o escândalo, qualquer um, semana após semana um novo e improvável escândalo. Seu modelo de perfeição é qualquer coisa que não seja daqui, pois bebe na fonte do colonialismo mental profundo. O paraíso já esteve, para a Veja, em Dubai, mesmo depois que Dubai revelou-se um imenso e falido casino e todo o mundo sabia disso.
Seu público maioritário é composto dos sujeitos caipiras e colonizados que sonham com Miami e com o porteiro do prédio a chamar-lhes de excelências e a agradecer a dádiva de serem cumprimentados pelos predadores vencedores. Na verdade, esse público é composto, tanto pelos predadores atuais, como pelos que sonham em sê-lo, pois a idiotia e a crença no vale-tudo existem em ato e em potência. Não convém perder a ocasião de render homenagem ao grande Aristóteles!
Pois bem, todas as publicações jornalísticas ou pseudo-jornalísticas brasileiras recebem por publicidade dos entes estatais. Elas celebram contratos com os poderes públicos, sejam para fornecimento de jornais e revistas, sejam relativos à publicação de propagandas.
A Carta Capital recebe esses dinheiros. A edição desta semana que se inicia – que tenho agora em mãos – tem duas páginas da Petrobrás (petrolífera com 51% de capital do Estado); quatro páginas da Caixa Econômica Federal (banco estatal); duas páginas de anúncio institucional para que as pessoas usem cinto de segurança nos automóveis.
A mesma edição tem duas páginas do Banco Itaú (o maior banco privado do Brasil); duas páginas da montadora de automóveis coreana Hyundai; uma página do Credicard; duas páginas da Braskem (uma petroquímica); duas páginas da TIM (a telefônica italiana dos espanhóis); duas páginas da CPFL (uma companhia de energia elétrica de São Paulo); duas páginas da montadora de automóveis alemã Volkswagen; um terço de página do banco inglês HSBC; meia página do Reserva Cultural, anúncio de filmes; uma página do Credicard, anunciando dois concertos da banda Rush; e a última capa da Air France.
A Carta Capital recebe menos dinheiros do Estado, em troca de espaços publicitários, que todas as outras grandes publicações, sejam revistas, sejam jornais. Todavia, por ter declarado apoio à candidata Dilma Roussef – uma manifestação de honestidade editorial que as publicações outras são incapazes – é acusada de fazê-lo em troca de dinheiros públicos. É mentira de pernas curtas.
Que seja acusada de qualquer coisa pelos veículos parciais e frívolos que se dizem jornalísticos e imparciais é de esperar-se. Que a Procuradora Geral Eleitoral do Brasil o faça é compreensível, também, mas é formalmente absurdo. Pois a representante do ministério público no tribunal superior eleitoral intimou o editor da Carta Capital a dizer quanto a revista recebe do estado, a troco de espaço para publicidade.
Se a questão fosse de probidade no dispêndio público com publicidade, era o caso de solicitar essas informações a todas as publicações no país que recebem dinheiros públicos. Na verdade, nem disso seria o caso, seria de solicitar ao contratante informar quanto paga e a quem.
A solicitação ao receber, a um deles, é um absurdo conceitual, uma subversão da lógica. Não se pergunta a um contratado quanto ele recebe, principalmente tratando-se de uma comunicação institucional de um órgão estatal, como é o ministério público. Pergunta-se ao contratante, que se de probidade cuida-se, a coisa dirige-se ao poder público!
E pergunta-se quanto se paga a todos os que recebem, porque sem isso não há comparação e sem comparação não há possibilidade de verificar-se qualquer desproporção. Por que, então, a pergunta específica? Seria para constranger? Seria para lançar a suspeição de que um apoio declarado foi comprado?
Não se espera do ministério público eleitoral que lance suspeitas, que faça solicitações ao destinatário errado, que não explicite porquê faz essa ou aquela solicitação a um destinatário específico, quando vários encontram-se na mesma situação.
Assim fazendo, o órgão que deve cuidar da legalidade atrai a suspeição para si, o que é profundamente indesejável.