Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Divagação (Page 15 of 17)

O modismo, a ignorância e o atrevimento.

Esse touro é velho ou novo?

Há quinze anos, mais ou menos, tive ocasião de estar em uma palestra de Ariano Suassuna. Ele é uma figura profundamente ibérica, em termos culturais, e nobre de comportamento. Suassuna é um grande autor de romances e de teatro – talvez o maior autor brasileiro vivo – e também professor catedrático de filosofia.

Por cultivar um modelo estético fora de moda, costumeiramente ele é dito anacrônico e preso ao passado. Claro, e isso percebe-se imadiatamente, que é a classificação resultante da conjunção demoníaca da superficialidade com a ignorância reinante.

Nesse dia, Ariano Suassuna contou aos espectadores um episódio que se teria passado entre ele e um repórter de um jornal diário de São Paulo. O caso foi mais ou menos o seguinte, até onde consigo trazer de memória. Estava ele no saguão de um hotel, para uma entrevista com o jornalista. Depois dos cumprimentos de praxe, sentados, o jornalista pergunta, sem mais, nem menos, se Ariano não se julga um homem de gostos ultrapassados, que repudia toda nova manifestação.

Suassuna pára e pede-lhe um instantinho, que ia lá em cima, no quarto, buscar algo. Sobe, apanha o que tinha a buscar e volta. Senta-se com um painel de cartão onde estão, lado a lado, seis representações pictóricas de touros. Ele diz que anda com esse grande cartão cheio de pinturas por todos os lados.

Mostra o painel ao jornalista e pergunta: meu caro, diga-me qual desses seis touros é o mais recente e qual é o mais velho? O jornalista não recua e nisso dá provas de ser plenamente o que é: atrevido e ignorante sem sabê-lo. E aponta aquelas que seriam a mais recente e a mais antiga pintura.

O escritor replica: olhe só, esse que você acha o mais novo é o mais antigo, isso é uma pintura de uma caverna francesa. E esse que você acha o mais velho é dos mais novos, você nunca ouviu falar de Picasso? Como é que eu sou antigo, anacrônico ou rejeito o novo?

Se se tratasse de outra conversa e de outro interlocutor, provavelmente haveria um impasse constrangedor que, também provavelmente, o afável Ariano contornaria iniciando uma de suas deliciosas estórias. A idade das pinturas dos touros foi um recurso ao mesmo tempo perverso e cordial. A entrevista terá seguido seu rumo e o entrevistador seguido a fazer perguntas que não passariam de variantes da primeira tolice. Afinal, era uma obrigação profissional falar com aquele fulano que escreve livros e é anacrônico.

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A Europa não devia esquecer Ortega y Gasset.

A dívida, ou as dívidas, é apenas um detalhe. Elas vão evaporar-se, com euro ou sem euro. A questão é o que virá depois, que extremismo vai ser triunfante na Europa que pensou na União como superação da história sem sua digestão.

Entre 1920 e 1935 José Ortega y Gasset – a mente mais clara que o continente viu no século passado – escreveu artigos que se reuniram em um volume chamado A rebelião das massas. O homem viveu os momentos antecedentes ao fascismo e ao bolchevismo, uma guerra européia imensa, a crise financeira avassaladora. Ele pensava e fazia-o a partir da história. Era um liberal, o que é imensamente claro para quem não tomar essa palavra pelo nada que hoje significa.

É relativamente difícil compreender o que passou e é muito mais difícil imaginar o que se passará. Essa dificuldade aumenta com o desconhecimento e a desconsideração da história. Não se trata de viver a apontar datas, como os tolos acusam a percepção histórica, nem de achar que o porvir repete o passado, trata-se de conhecer o que houve para fazer diferentemente ou fazer o mesmo sabendo-o.

A segunda guerra destruiu temporariamente a figura terrível que dominava a cena européia, o menino satisfeito, ou senhorzinho satisfeito –  o termo vai depender da tradução. Esse tipo humano foi magistralmente apresentado por Ortega y Gasset. É a figura humana, independentemente do estrato social a que pertença, que vive como se a vida não tivesse tensões reais. Não devo evitar a citação:

Se, atendendo aos efeitos de vida pública, se estuda a estrutura psicológica desse novo tipo de homem-massa, encontra-se o seguinte: primeiro, uma impressão nativa e radical de que a vida é fácil, sobrada, sem limitações trágicas; portanto, cada indivíduo médio encontra em si uma sensação de domínio e triunfo que, segundo, o convida a afirmar-se a si mesmo tal qual é, a dar por bom e completo o seu haver moral e intelectual. Este contentamento consigo próprio leva-o a fechar-se a qualquer instância exterior, a não ouvir, a não pôr em causa as suas opiniões e a não contar com os outros. A sua sensação íntima de domínio incentiva-o constantemente a exercer o predomínio. Actuará, pois, como se no mundo só existissem ele e os seus congéneres: portanto, terceiro, intervirá em tudo impondo a sua opinião vulgar, sem consideração, contemplação, trâmites ou reservas, quer dizer, segundo um regime de acção directa.”

Assim agem novamente os europeus? Parece-me que sim e que assumiram o patético de não acreditar em limitações trágicas, ao tempo que em confundem drama com tragédia. As tensões cotidianas de uma mais ou menos justa divisão das riquezas converteu-se em todo o âmbito de preocupação de quem, no fundo, achava-se bem instalado em alguma riqueza. Aconteciam coisas em torno, mas, no fundo, não se tomaram a sério e acreditou-se na suficiência do havia e no curso imutável da história.

Essa gente não está apenas nos bairros sociais, está nas direções de bancos e de governos. Será necessária mais uma guerra para, novamente, pôr fora da cena esse tipo? Pode ser uma solução, mas agora seria solução reducionista, pois uma tal guerra não seria mundial, pois o menino satisfeito vive em âmbito rico, mas não manda no mundo. Portanto, sua catarse seria pouco, seria só sua.

Pode ser a ocasião em que o futuro europeu não dependa de uma guerra, não porque as guerras sejam necessariamente meios ruins de fazer-se a história, mas porque hoje o restante do mundo não se envolveria nisso. Ou seja, ela, a guerra, seria evidência de perda de proeminência e resultaria naquilo que o senso-comum imputa às guerras: somente retrocesso.

A única maneira da Europa sair do impasse é clássica, embora cada época tenha seu meio de operação: é  ter o ambiente que favoreça a técnica, o que não se confunde com aquele em que todos compram seus resultados enquanto a desconhecem e a desprezam. E o antecedente desse ambiente em que viceja a técnica – e a produção da riqueza – é o domínio social do tipo contrário ao menino satisfeito.

O tipo social contrário ao menino satisfeito conhece a história, não para propor sua repetição, e sabe que não existe avanço fácil. Sabe que não se basta intelectual e moralmente e que as facilidades que tem ao seu redor não são frutos de geração natural, mas de esforços muito longos. E, principalmente, não aposta no jogo de encenação política que oferece alguma mágica azul ou vermelha, visando a que tudo permaneça do mesmo jeito sem que tudo mude.

O crime do Padre Hosana.

Leio, no Jornal do Commercio de hoje, um jornal diário de Recife, que o historiador francês Richard Marin escreveu um livro sobre o crime do padre Hosana. Fiquei curioso, pois o episódio é interessantíssimo e Marin um belo historiador. Juntamente com Bartolomé Bennassar, escreveu um dos melhores livros de História do Brasil que existem.

Hosana de Siqueira e Silva, nascido em 1913, destinou-se ao sacerdócio pela vontade da família, originária da região agreste do estado de Pernambuco e de situação social mediana. Não eram pobres, enfim. O padre teve dificuldades para ordenar-se, o que suporta as teses de que não tinha propriamente vocações eclesiásticas.

Mas, essa questão das vocações deve ser observada com bastante cuidado, pois o catolicismo romano tornou-se, a partir da segunda metade do século XIX, mais rigoroso com a uniformidade doutrinária e comportamental, gerando descompassos com os hábitos consagrados e, principalmente, com as religiosidades de matriz popular e mística. No caso de Hosana, o descompasso nada tinha com alinhamentos ao catolicismo popular, mas com a relativa liberdade sexual que tinham os párocos.

Ao que tudo indica, Hosana tinha vida sexual ativa e relacionava-se com uma prima sua. O caso não gerava qualquer escândalo na sua paróquia de Quipapá, pois obedeciam à regra de que o escândalo decorre da propagação dos fatos, não deles em si. Quem lembrar-se do padre Amaro, de Eça de Queirós, estará a ver o perfeito exemplo da configuração escandalosa desses comportamentos afetivos dos padres. Poder, pode, mas não deve ser abertamente praticado.

O Bispo de Garanhuns, sede episcopal a que Quipapá estava vinculada, Dom Expedito Lopes, tomou conhecimento das aventuras amorosas do padre Hosana e não gostou. Cioso da missão de evitar o escândalo e zelar pelo cumprimento do voto de castidade, instou o padre a desfazer-se de suas companhias do sexo feminino. Parece que o padre tomou a coisa toda na conta de perseguição, relativamente a fatos que não suscitavam desaprovação social.

Dom Expedito não se contentou com os trâmites burocráticos ditados pela legislação canônica e, incoerentemente com a rejeição ao escândalo, voltou-se contra Hosana publicamente. É significativo que tenha feito até mesmo pronunciamentos na rádio de Garanhuns, trazendo ao conhecimento geral o que, a princípio, estava no âmbito de um processo formal. Creio – é só o que vai de opinião aqui – que o Bispo encantou-se com as potencialidades da comunicação de massas e minimizou a honorabilidade do padre.

Tudo já estava encaminhado para a suspensão de ordens do sacerdote pecador. O tratamento mediático da questão parece ter mexido com os brios do padre Hosana. Em julho de 1957, ele dirige-se à sede Episcopal de Garanhuns, onde é recebido pelo Bispo; discutem e o padre saca de um revólver e desfere três tiros em Dom Expedito, que morre a seguir. O padre entrega-se à polícia e aguarda julgamento.

Foram três julgamentos a que se submeteu Hosana de Siqueira. Os dois primeiros absolveram-no, em decisões soberanas do júri popular. Foram anulados e fez-se um terceiro, que resultou na condenação a dezenove anos de prisão, em 1963. Obteve, cumpridos cinco anos da pena, um livramento condicional.

Essa estranhíssima trajetória teria ainda um episódio sem explicações. O padre Hosana foi assassinado aos 84 anos, a golpes de porrete, nas suas terras, para onde havia se recolhido.

É impossível não lembrar, novamente, do Padre Amaro, a propósito das conveniências e inconveniências dos padres terem vida afetiva. Não lembro e não vou pesquisar agora em googles da vida o nome do padre velho da aldeia em que se instala Amaro. Mas, lembro-me bem do momento em que o sacerdote velho adverte o novo de que a questão não era os padres terem, ou não, mulheres, a questão era obedecer às regras não escritas. Podia, sim, ter mulher, como ele, o velho sempre tivera, mas não podia ficar às piscadelas de olhos, aos namoricos, às escapadas sorrateiras, a descuidar das coisas de padre para pensar somente nas de namoro.

O sistema que se praticava então, principalmente nas localidades pequenas e mais afastadas dos bispados, funcionava bem. Padre que queria ter mulher, tinha-na. Havia, nesses casos, aquela beata mais chegada à casa do pároco, ou a mulher do sacristão, que cuidava com muita atenção das comidinhas do reverendo, cuidava para que trouxesse as roupas limpas e andasse bem asseado. Quase todos percebiam o que se passava, mas o relacionamento em si não era motivo de escândalo, embora sua publicidade fosse.

Realmente – e aqui vai outra opinião – a imposição do celibato aos padres seculares é uma tremenda fonte de problemas!

Douro. Lembrança de quem esteve lá apenas uma vez.

As vinha no Douro, em algum dia entre setembro e outubro de 2009.

Já falei disso em outra ocasião, mas não foi bastante, porque volta à memória. Não é que escreva para acalmá-la, mas para cultivá-la enquanto ela pede. Não é que o faça para apagá-la, tampouco, mas para obedecer-lhe.

Essa fotografia é um pouco como o cheiro do chá e dos biscoitos do episódio da busca do tempo perdido. Um pouco porque não evoca infância e camadas sucessivas de lembranças, que eu nunca estivera no Douro. Mas, ela é o estímulo visual que me põe a pensar no que vi, igual e diferente do que se vê no instantâneo. Ela – a fotografia – não me põe lá novamente, esse é o problema e o défice poético.

A imagem somente coloca-me nas minhas próprias recordações, o que é muito mais complicado que estar, não estar ou querer tornar a estar em algum sítio.  As recordações envolvem mais que o instantâneo, mesmo para quem é refém da forma plástica, como sou.  A beleza da paisagem é óbvia e devia ser suficiente, que era para mim inédita.

Acontece que acrescentamos ao visto o pensado. E – sem achar que seja ruim ou bom – vivo a meter o pensado em tudo, ajuntando aspectos vários ao que me fascina à primeira passada de olhos. Penso que assim construo as lembranças, aumentando-lhes o peso, somando ao que chega às retinas o que os miolos inventam de pensar.

Essa postura não é a sucumbência às idéias do patife do Platão, criador de dois mundos, porque não se trata de uma ideologia nem de acreditar que as coisa sejam duas e só duas. É apenas o meter minhas concretudes em cima das concretudes reais e fazer outra coisa.

Mas, basta de subjetividade.

A morte de uma estrela.

Dois processos se distinguem, conforme sejam as estrelas grandes ou pequenas e suas mortes serão diferentes, portanto. Tanto as grandes, quanto as pequenas, vivem da fusão de núcleos leves, de hidrogênio e de sua variante, o hélio. Ambos são muito longos, na escala de biliões de anos, e têm desfechos grandiosos. Em comum, têm na raiz o esgotamento do combustível, mas as diferenças quantitativas implicam nas qualitativas.

Uma estrela pequena, como o sol que vemos, morre a caminho de tornar-se uma anã branca ou uma anã negra. No início do esgotamento do seu hidrogênio fundível, seu núcleo começará a contrair-se, sob a ação da enorme gravidade, mas ainda haverá fusão de hidrogênio nas camadas mais exteriores. Essa contração do núcleo acarretará um aumento da temperatura que se refletirá também nas porções externas e acarretará uma expansão da estrela.

Em pleno processo de morte, ela se expandirá, tornando-se uma gigante vermelha. As temperaturas do núcleo estarão tão elevadas que o hélio transformar-se-á em carbono. Então, acabando-se o hélio, o núcleo começará a esfriar e as camadas externas a se deslocarem ainda mais, terminando por explodirem numa vasta ejecção de matéria, que formará uma nebulosa de planetas.

Uma estrela grande inicia seu fim semelhantemente a uma pequena. O núcleo vai ficando sem hidrogênio e o hélio vai se transformando em carbono, por fusão, em decorrência das elevadíssimas temperaturas e pressões. Mas, aqui, após o esgotamento hélio, o processo continua, porque as massas são enormes. A fusão segue seu curso e o carbono torna-se em elementos mais pesados, como oxigênio, silício, magnésio, enxofre e ferro.

Tornado o núcleo de ferro, a fusão não é mais possível e, sob o efeito da gravidade – enorme à vista da massa e da densidade – ele se contrai tão violentamente que prótons e elétrons tornam-se em nêutrons. Essa contração rápida gera um tremendo aquecimento e a precipitação das camadas exteriores sobre o núcleo que, então, se aquece muito e explode, criando uma supernova. A ejeção de matéria é vastíssima e pode dar lugar à formação de outras estrelas. O que resta do núcleo pode tornar-se uma estrela de nêutrons, ou um buraco negro, conforme a quantidade de matéria.

Analogia, etimologicamente, é a falta de lógica ou, melhor dizendo, a negação dela. Forma-se com a partícula negativa grega a e a também grega lógica. Consagrou-se utilizar analogia para comparação entre situações distintas mas, sob algum aspecto, similares, visando-se a realçar pontos comuns entre o que não obedece a relações de causa e efeito. Não é um formato de argumento, portanto, limitando-se a ser um recurso comparativo.

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O insignificante Zapatero acredita na farsa do Mercosul.

Rodríguez Zapatero, chefe de governo da insignificante Espanha.

José Luis Rodríguez Zapatero é o presidente de governação do Reino de Espanha, um desprezível país com PIB per capita de U$ 34.000,00 e 40 miliões de habitantes. Atualmente, o pobre reino está à frente da UE e a Argentina do Mercosul, precisamente na oportunidade em que se decidiu retomar as negociações para a celebração de acordos entre os dois blocos, depois das tratativas terem esfriado bastante, desde 2004.

Os problemas sempre se referem ao setor agrícola e aos imensos subsídios europeus às suas produções. Todavia, em busca de mercados, a UE parece disposta a flexibilizar suas posturas e aumentar as trocas com os países componentes do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

A proximidade cultural é um fator determinante para a tentativa atual. Realmente, a América Latina tem forte identidade com Espanha e Portugal, por razões evidentes. E eles têm grandes interesses na região, bastando observar-se como andam instaladas por essas bandas a PT Telecom e a Telefónica de Espanha, os grandes bancos espanhóis, a Galp, e outras companhias. Ao contrário do que muitos querem fazer crer, a proximidade cultural é um fator preponderante nas relações econômicas.

Mas, é curioso. Enquanto um candidato a presidência brasileira acha o Mercosul uma farsa, a UE, pelo chefe de governo espanhol e o Mercosul, por sua atual presidência argentina, não pensam o mesmo. Todavia, como São Paulo é o centro telúrico do mundo, o PSDB uma agremiação mais importante que o Partido Democrata norte-americano e a Folha de São Paulo um jornal que deixa o pessoal do New York Times com inveja, europeus e sul-americanos devem estar completamente equivocados…

O que disse o velho brasileiro digno ao professor inglês.

Um texto de Andrei Barros Correia.

Um velho brasileiro digno acreditou que o país podia ser outro. Evidentemente, essa crença ocorreu na época própria e depois foi se esfumaçando até deixar de ser qualquer coisa, mesmo amargura. Não se desintegrou a ponto de tornar-se nada, mas aproximou-se de ser um faca só lâmina. Retraída busca de objetividade, de compreensão. Já morreram, o velho, a crença, a objetividade e a lâmina.

Um dia, vivia o país a decadência pronunciada, mas sob as nuvens do ufanismo da moda, quer dizer, da redenção liberal que então se anunciava, o velho teve ocasião de encontrar um professor inglês. O que o lente britânico fazia em uma grande e pobre cidade tropical, não sei, mas posso imaginar. São os descendentes dos pintores, botânicos, gravuristas e naturalistas europeus, que sempre vieram a esta terra exótica, de verde muito verde, azul muito azul.

A botânica e a natureza que seduziam nos XVIII e XIX, no século XX tinha-se tornado em ciência social e economia. Realmente, deve-se convir que somos um laboratório de extravagancias muito interessante a quem observe com olhos e ouvidos não viciados por ter nascido dentro do experimento.

Inconveniente desses exploradores, digo, na verdade, estudiosos altruístas, é que rápido sentem-se muito à vontade, estão muito desenvoltos. Comportam-se como donos, embora o sejam apenas parcialmente. Há liturgias e não basta deixar-se roubar pelo taxista ou pagar o jantar dos serviçais da nobreza da província para obter aceitação total e inconteste para tanta ciência social candidamente oferecida.

O caso é que a conversa avançou, cordialmente, e, pelas tantas, avançou bastante. Vocês representam um modelo de domínio anacrônico, fechado e muito violento. Sim, é verdade, concordou o velho brasileiro, que isso é mesmo verdade. Todavia, do diagnóstico, o professor inglês, com a desenvoltura própria, foi à prescrição. E o remédio era indiscutível, tinha foros de verdade, de bendição de um inglês benévolo com brasílicos cegos.

Em certa altura, já farto do que não atende por outro nome senão arrogância, o velho cortou subitamente a elocução professoral e propôs: Olhe, dominador por dominador, você está como o mais falando pro menos. Façamos o seguinte: vou pegar papel e caneta e você vai escrever de próprio punho, a língua pouco importa. Você vai dizer que a Irlanda é uma e única, católica ou protestante conforme a maioria decida e fora da soberania da sua rainha inglesa. Depois disso, a gente discute Brasil.

O professor compreendeu, o que é digno de nota porque não acontece sempre. E chegaram a jantar, cada um pagando sua conta e a falar de coisas interessantíssimas, principalmente de futebol.

Agora que temos dinheiro, podemos ter educação e algo mais?

Duas figuras interessantes, primeiro, o famoso PIB, Produto Interno Bruto…

Gráfico do PIB

PIB

Segundo o jornal espanhol ABC, diz o FMI que em 2014, o PIB brasileiro será o 8º do mundo… Traduzindo, estaremos atrás apenas de: EUA, China, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Itália. Mesmo hoje em dia, não estamos tão mal… Além desses já citados, apenas há a mais, Rússia e Espanha (A reportagem do ABC.es é pra dizer que a Espanha vai descer algumas posições).

Agora outro gráfico, com um troço chamado Paridade do poder de compra:

Paridade do poder de compra

Paridade do poder de compra

Essa tal Paridade do poder de compra é um índice que relaciona o poder aquisitivo das pessoas com o custo de vida do local onde ela mora, se ela efetivamente consegue comprar tudo que necessita com seu salário. Já dá pra enxergar o tanto de análises que se podem fazer observando os dois gráficos?

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Saudades de Portugal.

O Vianna da Arcada, em Braga.

Nostalgias vão e vêm, até porque elas precisam de alguma calma para instalar-se e o dia-a-dia não se compõe de muitos momentos calmos. Houve, na páscoa, um pequeno lapso de descanso, pois a sexta-feira foi dia feriado. Lembrei-me saudoso de Braga. Há um ano, estávamos lá, era semana santa. Vimos uma procissão, que não lembro se foi a do Domingo de Ramos, mas foi grande e interessante.

Quase todos os dias caminhávamos algo à volta de seis quilômetros. Os roteiros podiam mudar um pouco, mas o destino era o centro da cidade, passando pelo Largo da Senhora-a-Branca, passando pela magnífica Centésima Página, um e outro fino na Brasileira, uma entrada em algum mercado, que sempre há qualquer coisinha a comprar para comer à noite.

Entre vários outros aspectos, é do caminhar que tenho mais saudades, que ficam mais marcantes pelo contraste, pois que aqui não caminho. Saio de caso e meto-me no carro. Almoço e meto-me no carro. Saio do trabalho e meto-me no carro. Caminhar, só se o fizesse como as pessoas que cultivam o hábito como uma forma de exercício físico, disciplinadamente, com esse propósito específico, em um circuito específico, onde estão todos a fazerem seus exercícios. Assim, não me interessa.

Outra coisa me pôs no estado nostálgico: hoje chovia fininho ao amanhecer. Logo deve parar e o calor de céu aberto e sol forte voltará, impiedoso nos seus 35º com sensação de 40º. Claro que a chuva não me é minimamente estranha, mas no formato que ela escolheu para chover em Braga, nos meses de fevereiro, era-me desconhecida. Todos os dias, o dia todo, um mês inteiro. Não que seja bom ou ruim, mas que ficou na memória.

Almoço, doze e meia. Entra-se no restaurantezinho do João e da Gracinda, deixa-se o guarda-chuvas molhado na entrada, tiram-se os casacos. Uma jarrinha do tinto e uma sopinha de legumes quente para acalmar o estômago e afastar os frios. Se o movimento ainda é pouco, o João tem tempo de conversar e, basicamente, lastimar-se da vida. Que está tudo mais caro, que os clientes acham os preços altos, que o movimento vem caindo, que não aguenta mais trabalhar… No dia seguinte será a mesma coisa e será bom.

A convalescença da Gata de Orelhas Amarelas.

A Gatinha de orelhas amareladas atingiu a maturidade sexual meio tardiamente. Passou-se quase um ano até ter seu primeiro cio. Ela sempre falou muito, quase em todas as horas, exceto, naturalmente, nas muitas em que estava dormindo. Mas, ela tinha um hábito bom. Falava muito, mas não falava alto, o que muito me agrada, porque a surdez parcial não se confunde com a tolerância ao barulho.

Eis que ela entrou no cio, pela primeira vez, há mais ou menos um mês. Pensei, não que fosse enlouquecer, mas que ficaria muitos dias sem dormir. Fiquei apenas dois. O caso é que a gata, quando está no cio, não fala, ela grita. Os miados, alternando tonalidades graves e agudas, sucedem-se a intervalos de cinco minutos, sem interrupções, a noite inteira.

Ora, eu moro em um minúsculo apartamento de 65 metros quadrados, no térreo, rodeado de vizinhos, que isso aqui é um bloco de apartamentos. Então, está claro que a gritaria da pequena felina incomodava muita gente, à noite. Não há o que fazer, além de deixar entrar um gato, o que eu faria de muito bom grado se não houvesse o problema de onde criar os consequentes gatinhos.

E incomodava-me também, com a diferença que eu suporto o incômodo, porque, afinal, ela vive aqui porque quisemos e gostamos dela. Mas, os períodos de cio têm aspectos desconcertantes. Sendo o apartamento tão pequeno, deixo a porta do quarto entreaberta, à noite, mesmo que o ar frio do condicionador escape um pouco. Não seria justo privá-la de preciosos metros quadrados em um espaço tão pequeno.

Acontece que as gatas no cio demarcam território urinando, quando estão no cio. Então, acordei algumas noites com um líquido quente a molhar o lençol e minhas pernas. A gata das orelhas amarelas tinha urinado em cima de mim, seguindo o inexorável rumo de sua natureza! Não é uma agradável maneira de acordar, às cinco da manhã, principalmente quando se é acometido de insônia. Acordo-me, vou tomar um banho, retiro os lençóis da cama para lavá-los, não consigo dormir mais e chego ao trabalho cansado.

Resolvemos, portanto, que ela se submeteria a uma castração, a uma esterectomia, para não haver mais cios. E, ontem, fez-se a operação. A coitada passou o dia inteiro deitada, prostrada, quase sem comer e beber, desequilibrada da anestesia. Dá pena e inspira cuidados. Ela quer lamber-se e morder os pontos, o que tem que ser evitado. Quer trepar nos sítios mais altos, o que não consegue pois deve doer muito.

E, acho que o pior, passados os dias iniciais, é que deverá falar menos. Isso acontece. As gatas e os gatos castrados ficam mais lacônicos, falam menos. Seremos dois, então.

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