Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Capitalismo das cavernas (Page 4 of 6)

Serviços no Brasil: TV Via Embratel é uma merda!

Contrata-se uma TV a Cabo, no caso a Via Embratel. O preço e os canais disponíveis estão claramente oferecidos em prospectos e no sítio de internet da empresa.

Como se trata de um contrato, cada parte tem suas obrigações. A do contratante é pagar polos serviços em dia, segundo os preços oferecidos pela empresa. Paga-se em dia.

A obrigação da empresa que ofereceu os serviços é entrega-los, na medida e na extensão do que foi contratado. Mas, o que acontece?

Acontece que nós pagamos o preço, nos prazos estipulados e a empresa não oferece os serviços na extensão contratada. Dois canais simplesmente não funcionam.

É simples, uma das partes descumpre sua obrigação. Fá-lo porque vale a pena fazê-lo, nestas paragens de tolerâncias imensas com serviços mal-prestados. O consumidor, se descumprir a sua parte, que é pagar em dia, tem o serviço cortado e pronto.

Quando o descumprimento é do prestador do serviço, as coisas complicam-se e não foi à toa que se fez um Código de Defesa do Consumidor, logo tornado em papel molhado.

O consumidor está condenado a telefonar para aqueles sistemas de atendimento que, ou não atendem, ou atendem com funcionários cujo objetivo é enrolar tudo ao máximo, resolver nada e levar o consumidor à exasperação e perda da paciência. Depois de sugerir toda sorte de tolice – como sugerir que os cabos não estão corretamente conectados – ele vai dizer que é preciso um chamado da área técnica.

Esses coitados que atendem às chamadas telefônicas cumprem um papel aviltante. Os filhos-das-putas são as empresas, que têm por política gerencial atender da forma que bem entendem e que se danem os clientes.

O consumidor, incauto e exasperado, pensa que tem grandes âmbitos de liberdade e pensa: vou deixar esta merda e contratar os serviços de um concorrente. Mas, o concorrente é a mesma coisa!

Viva a liberdade de lesar o consumidor – que é mesmo a parte mais fraca – viva o mercado, viva o capitalismo das cavernas…

Zapatero e Clinton na encruzilhada dos discursos.

José Luis Rodríguez Zapatero, Presidente de Governo da Espanha, disse que apoia uma intervenção militar na Líbia, desde que haja respaldo em Resolução do Conselho da ONU e apoio da Liga Árabe, para não parecer que estão apenas a querer roubar o petróleo. E para não parecer que se trata de neocolonialismo.

Ora, mas é precisamente disso que se trata, de garantir o petróleo e de continuar o colonialismo com tons suaves. Não se cuida de evitar morticínios ou violações a coisa alguma, porque eles acontecem diariamente em locais pobres de recursos e não despertam qualquer atenção.

A questão é que os limites estão muito próximos e invocar as desculpas formais habituais pode ser invocar o nada. Resoluções da ONU há delas para todos os gôstos e inclinações, para justificar o que se queira, conforme os interesses de quem as podem propor e, principalmente, segundo os de quem as podem vetar.

A Liga Árabe existe, ainda? É aquela de Mubarak e de meia dúzia de reis bancados por interesses não-árabes? É isso o que Zapatero acha justificação suficiente? Quantas pessoas de verdade, no Norte da África e na Península Arábica estão preocupadas com Resoluções da ONU ou papéis de Mubaraks e Al Sauds?

A Senhora Rodham Clinton ofereceu, recentemente, um comentário mais interessante que a simples desconexão formal de Zapatero. Este último deixou perceber o real motivo no que dizia ser a aparência a ser evitada. A primeira partiu para a análise errada, para a posição de recomendar aumento da dose de um remédio que já compromete o paciente de morte.

Hilary Clinton disse que os EUA estão perdendo a comunicação. Pode ser, mas não será por falta de bombardeio mediático e, sim por esgotamento da fórmula. Ela disse com a comunicação o que alguns franceses diziam com a manteiga: se algum prato não está ideal, mais manteiga.

Ela, a Sra. Clinton, está errada. Eles podem estar a perder prestígio e respeitabilidade, mas não é por falta de comunicações. Os EUA e a Europa monopolizam as comunicações – sejam elas jornalísticas, sejam culturais ou de entretenimento – para que sempre veiculem mensagens favoráveis a si.

Até os aparentes contrapontos são aqueles permitidos e escolhidos para manter-se uma coleção previsível de objeções binárias. Objeta-se nos limites propostos pelos próprios objetados. Faz-se oposição ao imperialismo nos termos em que os imperialistas acham divertido.

Ocorre que a realidade, vez por outra, revela-se mais forte que a aparência. Imagine-se, por exemplo, que décadas de pobreza em um país rico em petróleo um dia fazem as pessoas ficarem com raiva. E mais litros de tinta ou mais tempo de falação em televisões não adiantarão mais. É uma questão de aliviar-se a pressão, mais que de tentar escamotea-la.

Os EUA perdem prestígio no mundo porque são, objetivamente, os maiores agressores que há no globo. Por conta de suas necessidades internas, sejam de fluxo financeiro para seu complexo industrial-militar, seja para suprir suas necessidades de consumo, distribuem tiros e bombas como nunca se fez.

Assassinam em qualquer parte, aleatoriamente. Iniciam guerras que somente podem trazer lucros a quem vende armas. Criam conflitos antes inexistentes apenas para desviar a atenção para algum escândalo de política interna. São, enfim, um elefante desgovernado, que podem liquidar com vastas quantidades de pessoas ao sabor de uma pisadela aqui ou acolá.

Porém não conseguem livrar-se das explicações dentro de seu próprio modelo. Com relação às revoltas que se alastram desde o noroeste da África até às arábias, insistem nessa tolice de facebook e twitter, como se todos estivessem conectados a essas coisas. Como se os seus meios de inatividade confortável fossem os grandes intermediários das ações dos outros.

Ora, quem estava na rua, aos gritos, a trocar tiros, a incendiar carros, não estava em casa a escrever mensagens de 140 caracteres! Se isso fosse verdade – essa estória de revolução graças à internet – todas as anteriores teriam se devido ao papel! As revoltas devem-se às insatisfações, não aos meios destas propagarem-se.

Acontece que o paciente vai continuar a tomar os mesmos remédios, em doses cambiantes, até morrer ou curar-se por ele mesmo. Na verdade, os médicos não podem ver a doença, porque então teriam somente duas opções: rasgar suas licenças de médicos ou aceitarem-se assassinos.

 

Estado mínimo é a proposta dos que não vivem sem ele.

O capitalismo brasileiro nunca teve discurso coerente com sua realidade, excepto por um e outro sujeito mais honesto intelectualmente. Sua realidade é de simbiose ou parasitação do Estado, ou seja, de lucros privados e prejuízos públicos. Mas, a coisa apresenta detalhes mais profundos, que evidenciam a desonestidade da repetição acrítica do discurso do Estado mínimo, precisamente por aqueles que predam o Estado.

Esta opção, a do discurso do Estado mínimo, parece atender a uma necessidade de se parecer crítico e de se renderem homenagens ao liberalismo teórico. O capitalista brasileiro típico sente-se mal no seu hibridismo e precisa disfarçá-lo; precisa, pois, afirmar um desejo que na verdade é profundamente inverídico.

A necessidade de distinção relativamente aos predadores sinceros visa a marcar uma aparente posição de modernidade – um tremendo anacronismo, pois sabe-se que essa modernidade é o dia-a-dia – e buscar aceitação social. Passa por afirmar um discurso que seria a sua absolvição teórica da tremenda apropriação de riquezas sem correspondentes méritos.

Se, de fato, esse grupo fosse composto por livres empreendedores que chegaram onde estão sem quaisquer ajudas estatais, o discurso estaria bem posto e significaria uma notável iniciativa de honestidade intelectual e de assunção de riscos políticos. Todavia, é mentira, porque a realidade os desmente impiedosamente.

Não é o caso de se alinharem aqui todas as formas de simbiose e predação do Estado pelos falsos livres empreendedores brasileiros.  Mas, convém dizer que o Estado mínimo seria a ruína desses hipócritas sem limites que o propõem. E, um e outro exemplo pode vir a calhar para o desenho dessa impostura.

Todos os grandes empreendimentos capitalistas brasileiros contaram com subsídios públicos, seja por via direta, seja por isenções tributárias, seja por empréstimos baratos. Assim funciona por toda parte, apenas não se o deve negar! Contaram ainda com subsídios indiretos, menos perceptíveis, como são as escolhas pontuais dos investimentos do Estado em infra-estruturas.

Se pensarmos nos empreendimentos médios, basicamente não industriais, a coisa é também evidente, embora pouco mais disfarçada, e talvez mais escandalosa. Deu-se que o Estado, apropriado privadamente pelos que falam mal dele, retirou-se de setores fundamentais de serviços, a que está formalemte obrigado. Falo, evidentemente, de saúde e de educação.

Nunca foi grande problema a omissão Estatal, desde que ela gere problemas somente para as camadas mais pobres da população, porque a constituição cumpre-se segundo as circunstâncias e seus intérpretes estão a serviço dos predadores do Estado. As questões do descumprimento de um e outro direito constitucional têm visibilidade quando são, na verdade, questões menores elevadas a espetáculo.

Na educação, o Estado retirou-se quase totalmente dos níveis básicos e parcialmente do nível superior. Abriu, assim, espaço para os prestadores privados. Estes últimos não ocuparam o espaço à força de empreendedorismo tomador de grandes riscos, como seria o caso em um sistema liberal puro e coerente consigo mesmo.

Obtiveram do Estado, que controlam e que se retirou de onde deveria estar, benefícios como as isenções fiscais e a mentira escandalosa das entidades sem fins lucrativos. É um panorama maravilhoso de escolas beneficentes, em que a benemerência curiosamente levou seus donos à riqueza!

No caso da educação de nível superior, a coisa vai mais além, porque os preços cobrados são ainda mais elevados e os subsídios ainda maiores. O mesmo Estado que deve ser mínimo – no discurso desses intrépidos empresários – praticamente isenta faculdades privadas do pagamento de tributos e financia o pagamento pelos serviços.

Ora, se o Estado renuncia a tributos e financia os alunos para que paguem a instituições privadas, porque não gasta esse dinheiro na criação e manutenção de universidades públicas? Ou, do contrário, se o Estado deve ser mínimo, porque não deixa as universidades privadas entregues à sua maravilhosa sorte de livre iniciativa?

O divórcio entre o discurso e a prática fica evidente na postura dos empreendedores, que são intermediários dos dinheiros públicos e não querem a atuação direta do Estado. Ora, isso não é Estado mínimo, é Estado a transferir dinheiros recolhidos de todos – por meio de impostos – para poucos prestadores de serviços que deviam ser públicos e para grandes industriais.

Alguns pretendem inserir uma pouca de sofisticação no discurso, alegando que não se trata do Estado abster-se de dispender recursos, mas que se trata de sua suposta incapacidade gerencial, o que não recomendaria sua presença direta nas prestações. Isso é mais uma variante da falácia, agora acrescida do lugar-comum tolo da capacidade gerencial.

Do ponto de vista gerencial – para usar o termo da moda – é uma estupidez acrescentar intermediários a uma cadeia de instituições cujo objetivo é prestar um serviço. Além disso, em setores de fortíssima demanda, que raio de diferença a capacidade gerencial vai fazer, se se trata de algo que todos querem?

Mais uma sub-variante dessa estória de capacidade gerencial é aquela da prestação por locadores de mão-de-obra. Segundo os teóricos do assalto disfarçado, seria mais barato contratar empresas locadoras de empregados que tê-los diretamente assalariados, porque os custos tributários estariam excluídos.

Aqui, a coisa é mais de mentira escancarada que de argumento sofisticamente elaborado. Os custos tributários – previdência, imposto sobre renda e fundo de despedimento arbitrário – serão pagos por alguém, obviamente. Esse alguém é o próprio Estado, o locador dos empregados, porque o locatário não é um filantropo, mas um predador brasileiro a discursar pelo Estado mínimo!.

Convém ainda lembrar que esses locadores de mão-de-obra provavelmente quebrarão ou mudarão de nomes e de sócios, promovendo a insolvência e a confusão. E aí, o maldito Estado virá em socorro dos empregados, que afinal são a parte mais fraca mesmo, e pagará tudo diretamente. A empresa locadora provavelmente terá quebrado, mas busque alguém saber se os sócios terão…

Em busca de exemplos, posso seguir alinhando os mais diversos, mas seria cansativo e até inútil. Importa somente mencionar, pela magnitude do saque e da hipocrisia, o caso da saúde provida por hospitais privados que recebem dinheiro do Estado. A maioria reclama a cada minuto, mas não vive sem esta simbiose. Se o Estado paga pouco por algum procedimento, inventam-se procedimentos e pronto, fiat lux.

No fim e ao cabo, é mais uma postura a revelar o quanto de mentira permeia o discurso das classes mais elevadas da sociedade brasileira e que consegue seduzir alguns daqueles que são prejudicados pela proposição. O problema é que a mentira, no fundo, é percebida e gera uma ambiente em que o vale-tudo e a hipocrisia são elevados à normalidade e a valores inevitáveis.

A decadência do império norte-americano.

Há meses escrevi mais ou menos sobre esse assunto, aqui http://www.apocaodepanoramix.com/?p=927

Na ocasião, fi-lo sob um título propositalmente escolhido para não sugerir o tema explicitamente, até porque o texto de então falava mesmo da morte das estrelas, ainda que bastante superficialmente.

O processo da decadência norte-americano é longo, mas já iniciou-se; muitos sinais confirmam-no. As comparações também permitem identifica-lo, muito embora não se devam fazer como se a história se repetisse, que ela é muito complexa para isso, ou seja, para repetir-se.

Portanto, as comparações são se destinam a firmar relações de identidade, apenas de semelhança entre processos históricos. Elas permitam identificar fatos e ações que, em suas conformações gerais, costumam estar presentes em situações assemelhadas.

Hoje, os Estados Unidos da América têm metade de seus contigentes militares engajados em serviço – no Iraque e no Afeganistão, por exemplo – compostos de mercenários. Algo à volta de 195.000 homens contratados por empresas de prestação de serviços militares. Desses contingentes mercenários, apenas 05% são norte-americanos.

As cidades-estados gregas do período de ouro e do período helénico serviam-se de mercenários, mas não eram impérios. A Pérsia servia-se regularmente de mercenários gregos – basta lembrar-mos do grande Xenofonte – e era um império. Roma serviu-se episodicamente de mercenários, todavia a sua forma clássica era inclusão por concessão de cidadania aos anteriormente bárbaros.

A utilização militar de estrangeiros no formato romano tem mais similitude com a Legião Estrangeira francesa e com os Regimentos Gurkhas nepaleses, incorporados regularmente às forças nacionais francesas e inglesas, respectivamente. Trata-se, nesses casos, de uma assimilação, de uma incorporação às forças regulares nacionais.

Os norte-americanos estão simplesmente contratando mercenários estrangeiros para a defesa de seus interesses, para a defesa daquilo que faz de seu país um império global. Essa gente, embora tradicionalmente não reivindique a glória militar e o poder político, custa caríssimo. Os problemas que não dão por um lado, dão por outro, na forma do alto preço, que põe o Estado a retirar dinheiro da população para repassa-lo às grandes corporações militares.

Não há precedentes significativos da utilização massiva de mercenários pelos EUA, que até antes dos anos de 1990 iam às guerras com seus cidadãos e davam-lhes a retribuição pecuniária e honorífica pelos esforços feitos para o estabelecimento e manutenção do império. É verdade que o envolvimento dos EUA em guerras têm uma peculiaridade notável: o reduzidíssimo número de baixas humanas.

Um império não se percebe somente por suas características e condicionantes econômicas, ao contrário do que muitos querem. Também não se compreende apenas a partir das variáveis propriamente militares, também ao contrário de algumas opiniões. E, por fim, não se faz somente com a imposição cultural. Quer dizer, esses três fatores andam juntos; e é bobagem tentar apontar o que  se destacou primeiramente.

Se tudo se reduzisse ao econômico, não haveria qualquer problema na guerra por mercenários, como também não haveria qualquer problema no abandono de toda a simbologia nacional, bandeira e hino, por exemplo. Mas isso não acontece, nem está próximo de acontecer, provando que os Estados não estão a caminho de se tornarem em corporações empresariais, embora estejam a serviço delas.

Por outro lado, se tudo se reduzisse ao militar, seria absurdo ocorrerem decadências de impérios que, isoladamente, ainda são mais fortes que todos os outros possíveis rivais. Os impérios, na verdade, costumam ter forças muito além das suas necessidades, evidentemente desproporcionais a uma demanda de manutenção ou até de expansão. Isso demonstra que o setor militar consegue impor seu discurso para além de qualquer proporcionalidade.

O desvio de percepção aqui deve-se à confusão entre início e consumação de alguma decadência. A decadência romana, por exemplo, não se confunde com os saques da cidade no século V, quando nada mais havia, quando já não havia exércitos. A decadência começou quando esses exércitos estavam no auge de sua força. Ter um dia estado no auge de suas potências não lhes serviu de coisa alguma ou, melhor dizendo, um auge não serve às situações futuras senão, talvez, como indício de seu drama.

Dos aspectos culturais não falarei assim, como se fosse um tópico, porque são o fio condutor de tudo, permeiam e dão sentido a todo o processo. São eles que permitem a um historiador dizer que uma guerra de setecentos anos não pode ter sido de reconquista, senão de conquista; ou que permitiram a um cruzado inteligente afirmar que não havia quem ser liberado em uma certa Jerusalém invadida a bem dos estandartes galileus.

Outro aspecto factual assustador: o Império cria dinheiro do nada, em volumes enormes. Sabe-se que a mentira, assim como a burrice, não tem limites, mas sua eficácia tem. Cria dinheiro para que os outros comprem-lhe os produtos e eles próprios comprem dos outros o que necessitam e querem, com dinheiro barato. Mas, isso pode quebrar os outros.

Para andar sempre no limite da utilidade das comparações, lembro que Roma, em certos momentos, fraudou as quantidades de ouro e prata nas suas moedas, que eram usadas para a liquidação de quase todas as transações no mundo de então, quer dizer, na bacia do Mediterrâneo. Semelhante? Sim, mas diferente, apenas é um ponto de contato interessante.

A decadência do Império Norte-Americano será uma tragédia, não um drama. A vida, a história, enfim, é uma tragédia; dramas são situações interpessoais, não os grandes processos. E será trágico para eles e para os vizinhos próximos, embora seus efeitos devam ser sentidos pelo globo inteiro.

As decadências são tumultuadas e repletas de vai-e-vem. Haverá ondas de desarrumação, que se projetarão sobre uma América Latina que tenta, agora, arrumar-se um pouco melhor. Essas ondas não obedecerão a qualquer lógica pré-existente, o que vai exigir muito poder de percepção imediata da realidade, algo raríssimo.

As decadências consagram aquilo que os irresponsáveis fetichistas propõem, no seu democratismo raivoso. Ou seja, elas promovem uma avalanche de alternância de poder que nenhum democrata seria capaz de conceber. Um tumulto avassalador, que alguns convenientemente percebem como o convite ao totalitarismo fascista.

Esses períodos são profundamente demóticos, embora não democráticos, porque esta última pressupõe alguns rigores formais, impossíveis nos tumultos decadentistas. Todos os radicalismos apresentam-se na cena, geralmente de formas contraditórias aos próprios discursos e aos próprios interesses.

O caso recente do movimento político Tea Party é interessantíssimo. Essa gente afirma-se puramente liberal. Assim sendo, seria de supor-se que são a favor do livre comércio e da livre circulação de pessoas, que são corolários do liberalismo puro. Mas, não! Eles são contra a imigração e muito contra a imigração ilegal, ou seja, eles propõem intervenções e planejamentos estatais muito profundos para uma crença liberal.

A imigração ilegal, abstraindo-se de aspectos legais ou políticos, é o evento mais puramente exemplificador da dinâmica liberal de mercado, porque não passa do ajuste da oferta e da demanda e mão-de-obra barata. Então, reclamações de um Tea Party contra a imigração ilegal, feitas a bem das doutrinas liberais, não passam de uma enorme contradição.

Eis os perigos que coisas desse tipo representam: grupos organizados que têm uma base teórica e discursiva que no fundo desconhecem. Suas ações são desconformes ao que dizem seguir e defender, ou seja, são grupos de ação que precisam invocar alguma doutrina, embora ignorem-na solenemente.

Grupos assim destinam-se a organizar insatisfações muito difusas, que acabam por dirigir-se contra si mesmos. Novamente, o Tea Party fornece o exemplo. O grupo auto-proclamado ultra liberal e composto de novos-ricos fala contra os ricos! Os dados apontam que 20% dos integrantes do Tea Party declaram rendimentos anuais superiores a U$ 100.000, ou seja, não é uma congregações de pobres ou excluídos.

Antielitismo de elite é algo caricatural, é uma simulação que somente pode dever-se a profundas ignorâncias e a difusos desencantamentos. Ora, o vale-tudo liberal capitalista, incluindo-se aí a oferta abundante de mão-de-obra barata de imigrantes ilegais serviu-lhes para aumentar as riquezas e a concentração delas, nos EUA. Curiosamente, um dos financiadores do Tea Party é o bilionário David Koch.

A esse caldo de todos os ingredientes à mão, acrescentam-se religiosidades protestantes fundamentalistas, daquelas que pregam desde a abstinência sexual até o avistamento de profetas iluminados pelo sol do Texas e, provavelmente, calçados em botas de couro com esporas douradas.

Outro forte indício de que as várias indignações estão somente a iniciar suas organizações foi dado pelo Bureu Federal de Recenseamento. Hoje, 44 milhões de norte-americanos encontram-se abaixo da linha de pobreza e 01% da população controla metade das riquezas do país! Para quem gosta de números, eis deles que têm forte capacidade de antever o tamanho dos problemas que se avizinham.

Não haveria qualquer problema que os EUA se afundassem nisso tudo, se eles não comprassem grandes partes das produções do resto do mundo, se a moeda deles não fosse a unidade padrão de trocas, se não tivessem 10.000 bombas atômicas e se não tivessem a maior industria de entretenimento do mundo.

Mitos Tucanos 3: A vulnerabilidade externa

Recebi por email, não por acaso do próprio Andrei, a seguinte carta do professor Ricardo Carneiro* com tema já descrito no título.

Costumo, por via das dúvidas, sempre verificar a veracidade dos correios que recebo, para que não aconteçam coisas como essa: “Arnaldo Jabor” escreve um texto, que não é dele e tem que se desculpar ao vivo pela CBN… E ainda há quem aceite o referido texto muito bem. Não querendo defender Jabor claro, mas o texto não é dele, simples assim. Parece que as pessoas pensam que se escondendo por trás de qualquer nome de artista vão dar mais credibilidade ao que escrevem, sentindo-se livres para escrever qualquer bost… Bom, de forma que pelo menos o Ricardo Carneiro é realmente professor da Unicamp… E como o texto também está disponível no Blog de Nassif, que considero sério, resolvi publicar na íntegra. Espero que esteja tudo nos conformes.

Dentre os vários mitos alardeados pelos tucanos nos últimos anos está aquele que afirma que o Governo Lula recebeu como herança uma economia sólida e sem fragilidades, sobretudo no front externo. Nada mais falso. Há vários indicadores que podem mostrar isto. Escolhemos o mais sintético deles, o das reservas internacionais possuída pelo país.

O gráfico abaixo reconstitui o valor das reservas desde 1998. Faz uma distinção importante entre o que de fato eram reservas próprias e disponíveis e aquelas reservas que correspondiam aos empréstimos do FMI – as reservas emprestadas. Essa distinção era, aliás, uma exigência do Fundo com base no argumento de que na prática esses recursos deveriam ser devolvidos a curto prazo.

Como se pode constatar o volume de reservas é relativamente baixo, para uma economia aberta como a brasileira durante todo o segundo mandato de FHC. O dado mais significativo, porém é que essas reservas são declinantes. Elas eram de US$ 34,4 bilhões em 1998 e caem a menos da metade ao final de 2002. Ou seja, o Governo Lula herda desse ponto de vista uma situação crítica: reservas de US$ 16,3 bilhões, além de um acordo com o FMI.

A recuperação das reservas se faz de maneira continuada e significativa desde o primeiro ano do Governo Lula. Foi isto que permitiu já no terceiro ano do primeiro mandato pagar o empréstimo do FMI e, mesmo assim, manter um nível muito mais elevado de reservas próprias de cerca de US$ 53,8 bilhões. Apenas para ficar mais claro o significado desses números, o Brasil pagou em 2005 cerca de US$ 25 bilhões que devia ao FMI e ainda ficou com US$ 53,8 disponíveis, cerca de quatro vezes mais do que o herdado de FHC.

De lá para cá as reservas internacionais só tem aumentado; os últimos números apontam um valor em torno de US$ 270 bilhões. Elas constituem um importante seguro contras as turbulências externas como, aliás, se pode observar em 2008 e 2009. Não só inibiram um ataque especulativo contra o real como possibilitaram a reconstituição das linhas de financiamento do comércio exterior brasileiro. A conclusão desses números é portanto inequívoca: o Governo lula herdou uma economia fragilizada do ponto de vista das suas relações com o exterior e, reduziu substancialmente essa fragilidade.”

Grafico reservas internacionais

Grafico reservas internacionais

* Ricardo Carneiro é professor livre-docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) deste instituto.

Israel sendo legítimo filho de Josué.

Os meninos palestinos apedrejavam carros, em Jerusalém. A reação que o israelense condutor do carro nas fotografias acima julgou adequada foi atropelar os meninos.

Atacar o infiel é servir a Deus. O absoluto não se atem a coisas relativas, como a proporcionalidade, por exemplo. Então, a conduta do israelense é inculpável, pouco importando que o carro tenha 1.500 kg e a pedra 100 g.

Eles são coerente consigo próprios, têm que viver o tudo ou nada, têm que fermentar o ódio de cada nova geração, têm que viver Masada novamente.

Europa: baixar salários e aumentar impostos. Eles só pensam nisso?

As congregações de sábios inquestionáveis, como o Banco Central Europeu, a OCDE, o FMI, recomendam aos países europeus: baixem salários e aumentem impostos sobre o consumo. Muito bem, não é estranho que façam tais recomendações, porque sabe-se bem a que servem. Estranho é esse mantra ser adotado e repetido como fórmula imutável de invocação dos deuses domésticos.

Mas, por que esse é o único remédio aplicável para reduzir os défices públicos? Ou, ainda, por que só se pensa nos défices públicos?  Apenas como exemplo de que as coisas parecem estar sendo abordadas de forma dogmática, vejam-se uns números da economia espanhola.

A quarta economia da Europa viu seus défices públicos reduzirem-se de 62% do PIB para 36%, entre 1999 e 2007. Enquanto isso, a Alemanha, origem do fetichismo fiscalista, viu os mesmos números passarem de 61% para 65% sobre o PIB. Ocorre que, na Espanha, os défices privados elevaram-se a 12% do PIB. Trata-se de desequilíbrios comerciais e, não fiscais.

Outra pergunta a ser feita: por que fala-se em despesa pública como se fosse um bloco unitário? Certamente para difundir o discurso da necessidade de compressão de uma e outra despesa específica, como se todas fossem indistintas. Aqui, alguns números da França são exemplares.

Percebe-se muita insistência na diminuição de salários do setor público. Todavia, uma retirada de 1% significaria à volta de 0,06% do PIB francês. Por outro lado, por exemplo, estima-se que as fraudes fiscais representam entre 2 e 2,5% do PIB europeu, segundo parecer da Comissão Europeia. Admitindo-se que os efeitos da fraude sejam similares em todos os membros, fica evidente que combatê-la traria muito mais recursos que reduzir salários!

Outra fonte de défices públicos de que não se fala são as renúncias fiscais para os estratos sociais mais aquinhoados. Na França, a despesa pública aumentou muito pouco, entre 2000 e 2009,  segundo estudo do deputado Gilles Carrez, do partido governista UMP. Ao mesmo tempo, as receitas fiscais caíram 6,2% do PIB, em torno a 119 biliões de euros. Dois terços dessa redução deveram-se às renúncias fiscais e um terço a repasses a outras administrações.

Dessas renúncias fiscais, aproximadamente 10 biliões de euros devem-se a renúncias sobre os impostos sobre os lucros. Entre 33 e 41 biliões de euros devem-se às reduções das maiores alíquotas do imposto de renda. Ou seja, as perdas fiscais – que aumentam o défice público – devem-se a opções regressivas na renúncia fiscal.

Os governos, então, chamam tudo por défice público e despesa pública, indistintamente, como se fossem blocos unitários, para disfarçarem que estão a impor a conta de crises financeiras aos que dela não se beneficiaram mais. E emitem mais dívida pública para continuar a transferência de rendas ao setor financeiro.

O caso brasileiro é ainda mais escandaloso, qualitativamente e quantitativamente. Aqui, o estado paga os maiores juros por títulos públicos do mundo, embora só um perfeito imbecil possa supor que o Brasil é o pais mais arriscado do mundo! Assim, atrai especuladores de toda parte, seduzidos pelo enorme diferencial entre os juros do restante do mundo e a obscenidade que se paga aqui.

Resulta uma valorização da moeda local que retira competitividade dos produtos exportáveis e uma sensação de agradável enriquecimento, além das facilidades para se viajar ao exterior. Ora, quando convier ao terrorismo financista internacional, organiza-se um ataque especulativo e todos juntos vendem seus títulos brasileiros. A moeda sofre intensa e rápida desvalorização e as dívidas externas aumentam.

A próxima sequência do jogo combinado é a oferta dos conselhos habituais, com ares de verdades délficas. Ou seja, meia dúzia de senhores que se dedicam à rapina sob o nome de consultoria financeira dizem, em uníssono: o único remédio é aumentarem os juros, para acalmar o irriquieto capital e trazê-lo de volta. Então, aumenta-se o que já era elevado, satisfazem-se os capitais e os bancos e deixa-se um rastro de destruição.

Ao mesmo tempo, insiste-se no discurso de que as despesas públicas estão muito elevadas. Todavia, quando falam em despesas públicas não mencionam aquelas destinadas ao pagamento de juros. Despesas públicas, para as aves de rapina, são salários, aposentadorias, rendas mínimas e juros são um compromisso divino.

O que há de estúpido nisso é o que tem de imediatista. Coisinhas como salários, aposentadorias e rendas mínimas foram precisamente o que aumentou o mercado interno brasileiro, aumento que é um dos fatores preponderantes nesse crescimento vigoroso que se tem observado.

Qualquer economista sabe – embora muitos façam questão de esquecer – que a propensão marginal a consumir das classes baixas é muito maior que das altas. Por isso, qualquer transferência de rendas para as classes mais baixas reflete-se em aumento grande no consumo. Não invoco aqui qualquer coisa de justiça social, que seria demais querer a preocupação de alguém com isso. Invoco apenas a inteligência.

Meia dúzia de banqueiros com patrimônios que aumentem de centenas de biliões a mais centenas não produzem qualquer efeito na demanda! Cem ou duzentos Patek Philipes a mais ou algumas Ferraris a mais não têm implicações na taxa de desemprego. Essas coisas sempre se venderão aos mesmos compradores e quase sempre nas mesmas quantidades.

Eisenhower adverte sobre o complexo industrial militar.

O Presidente Eisenhower parece ter-se dado conta das dimensões do monstro criado no pós segunda grande guerra mundial. O complexo industrial militar tornou, desde então, todo o discurso sobre democracia e liberdades palavras destituídas de qualquer contato com a realidade. Apenas, fórmulas a serem propagadas e repetidas acriticamente por quem não está a perceber onde e como opera o poder real.

Em tradução livre, a partir de 1:01 do vídeo, diz Eisenhower: essa conjunção de um imenso aparato militar e uma grande indústria de armas é nova na experiência norte-americana. Sua influência econômica, política e até espiritual é sentida em todas as cidades, todas as casas e em todos os escritórios do governo. Nós reconhecemos a imperiosa necessidade desse desenvolvimento, embora não deixemos de perceber suas graves implicações.

Em 1:38, a indicação do cuidado que deveria ser tomado, mas que foi impraticável, depois, como se sabe: no governo, devemos precaver-nos contra a aquisição de indesejável influência, seja voluntária ou não, pelo complexo industrial militar. O potencial para o desastroso avanço do poder mal colocado existe… Não devemos deixar o surgimento dessa combinação por em risco nossa liberdade ou nosso processo democrático.

Eisenhower foi clarividente e explícito, o que são coisas difíceis. Realmente, compreender um processo histórico passado já é bastante complicado. Compreender o momento do processo em que se vive, é mais difícil ainda. Ele esteve certo e a advertência não resultou…

A infame distribuição de rendas no Brasil.

Situação social brasileira.

Foi divulgado o mais recente Relatório sobre Desenvolvimento Humano, da ONU, em que distribuição de rendas é uma variável das mais importantes para compor o índice de Gini. Constata-se que entre os quinze países com as piores distribuições, dez encontram-se na América Latina e Caribe.

E o Brasil tem a terceira pior distribuição de rendas da região latino americana e caribenha. Piores que o Brasil, apenas a Bolívia e o Haiti. E tem a décima pior entre os 126 países considerados para a realização do relatório. Uma situação evidentemente terrível, que precisa ser abordada às claras.

O relatório ajuda a desfazer alguns mitos verdadeiramente pueris que são mais ou menos aceitos. Um deles, parente próximo de outras tolices como a democracia racial brasileira, é aquele da mobilidade social. E uma das resultantes da crença na mobilidade social é a ênfase na detenção de recursos por méritos pessoais.

Isso é negado pelos dados existentes, pois desigualdade na apropriação de rendas e baixa mobilidade social estão fortemente associadas. No caso brasileiro, o nível de renda dos pais influencia no dos filhos em 60% das situações. Isso aproxima-se muito mais de uma rígida sociedade de castas que de algum país que cultive a meritocracia sob qualquer forma.

Apurou-se, ainda, que três fatores influenciam o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – negativamente. São as desigualdades de renda, as desigualdades no acesso à educação e no acesso à saúde, nessa ordem de importância. Assim, percebe-se porque o IDH brasileiro é tão baixo, à vista deste país ter estúpidas desigualdades nos três fatores citados.

O estudo assevera que as políticas de redução de desigualdades – nos três campos apontados – são fundamentais para a elevação da qualidade de vida das populações, quer dizer, para a elevação do desenvolvimento humano.

Políticas de distribuição de rendas vêm avançando no Brasil, notadamente a partir do primeiro governo do Presidente Lula. Todavia, são tímidas frente ao tamanho das desigualdades. Os 10% mais ricos apropriam-se de 70% da renda nacional, em um quadro absolutamente selvagem e desconexo de qualquer variação natural de aptidões das pessoas.

Embora as recentes melhoras, por meio de transferências públicas e garantias de rendas mínimas, sejam modestas, as reações conservadores que se levantam contra essas políticas são violentas. Percebe-se a brutalidade das reações no jogo sujo que se faz contra a candidata do Presidente Lula às eleições presidenciais de outubro próximo.

Bastou que a candidata Dilma Roussef fosse identificada ao intuito de avançar um pouco mais nas políticas redistributivas para que ela se tornasse o alvo de ataques repetidos e infundados por parte de alguns partidos políticos e de grande parcela da imprensa. Realmente, o modelo concentrador assusta-se com a mais pequena possibilidade de perder uma e outra migalha, em benefício de um aumento geral da qualidade de vida.

Chega a ser burrice histérica essa aversão a uma evidência. Burrice porque situações como a brasileira significam níveis de compressão social tão elevados que os donos do poder deviam perceber que a entrega de um ou dois anéis poderia salvar-lhes os dedos. Não percebem…

O consumo tem que ser reduzido globalmente.

Proposta algo ingênua de moto contínuo.

A única política verdadeiramente ecológica que existe é de redução dos níveis de consumo de energia e de insumos naturais. É terrível, mas todos os discursos laterais, baseados em ganhos de eficiência e de sustentabilidade, não fazem mais que justificar o esgotamento natural.

Leio alguns resultados de pesquisas da EDF – Électricité de France sobre os efeitos dos ganhos de eficiência, sobretudo no aquecimento doméstico, que deixam evidente a ocorrência de efeito rebote. Ou seja, um paradoxo decorrente da evolução técnica. Como exemplo, aponta-se que o gasto médio com aquecimento residencial por metro quadrado, na França, caiu de 365 KWh para 215 KWh, entre 1973 e 2005.

Todavia, a despeito da redução no consumo por unidade de área, o total dedicado a aquecimento subiu 20%, desde 1970 até hoje. Ou seja, os ganhos de eficiência energética foram aproriados para mais consumo absoluto. Ainda segundo a EDF, a temperatura média das residências francesas passou de 19º para 21º, de 1986 a 2003, sendo que cada grau adicional representa um acréscimo de 10% no consumo de energia.

O mesmo paradoxo pode ser observado a partir dos gastos com automóveis e combustíveis. Há dados a indicar que, na França, o consumo médio de um automóvel, entre 1975 e 2008, evoluiu de 8,6 litros por cem quilômetros para 5,4, o que dá uma significativa redução de 37%. Todavia, o custo relativo de manutenção de automóvel, como parcela do orçamento familiar, dobrou desde 1970 até 2001.

Fica claro que os excedentes gerados pelos ganhos de eficiência em uso e conservação energéticas são destinados a suprir outras demandas crescentes. Aquilo que se convencionou chamar de equipamentos de conforto e entretenimento passou a absorver com enorme voracidade alguma economia em outros campos.

Se, por exemplo, a parcela destinada a aquecimento apresenta redução no orçamento de uma família, provavelmente esse ganho será consumido pelas várias TVs de muitas polegadas espalhadas por todos os cômodos de uma residência; pelos consoles de jogos eletrônicos; pelos fornos de microondas ou de resistências elétricas; pelos equipamentos de som e outros consumidores de energia que não se conheciam há pouco mais de vinte anos.

Fica patente que as economias obtidas em algumas utilizações são superadas pelo aumento absoluto no consumo de energia, em uma modalidade do paradoxo de Jevons. William Jevons enunciou que o progresso tecnológico que aumenta a eficiência da utilização de um recurso tende a aumentar o consumo deste recurso.

A situação é particularmente complicada relativamente a recursos naturais finitos. E conduz à conclusão de que a ênfase nos ganhos de eficiência pode servir apenas de desculpa ou escamoteação da raiz do problema. O problema real são os níveis absolutos de consumo, inviáveis a longo prazo.

Por outro lado, a contenção na demanda por recursos – especialmente energéticos e minerais – leva a outra questão delicada: de quem podem-se reclamar maiores contenções? Creio que precisamente de quem mais demanda recursos naturais, porque é razoável que se busque alguma equalização nessa demanda, para que as contenções, a partir de certo ponto, sejam semelhantes.

Do contrário, os povos tenderão a conflitos imensos para manter seus crescentes níveis de apropriação de riquezas naturais espalhadas no mundo. Como o anseio de consumir em geral leva à real elevação das demandas por recursos naturais que não estão distribuídos de maneira uniforme, o conflito é decorrência lógica. Fica aberta a questão da clareza com que serão conduzidos, mas sua previsibilidade é assustadora.

Daí que o carrinho híbrido da moda, com as tecnologias mais recentes, pode ser bom apenas para seu dono ir dormir com a agradável sensação de pessoa ecológica e sensível, em paz consigo mesmo e com os lugares-comuns de que é refém. Alguma economia desse maravilhoso carrinho meio elétrico será gasta em mais quilômetros percorridos ou em qualquer outra aplicação que demanda energia.

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