Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: julho 2010 (Page 3 of 5)

Sobre identificações culturais.

Há certo tudo-ou-nada intelectual que confunde a linha das semelhanças com a identidade absoluta. Ora, a identidade só a temos entre nós e nós mesmos. A linha das identificações, percorre-se juntamente aos demais indivíduos e grupos deles.

O ponto de contato não é o signo de alguma igualdade absoluta, nem a recomendação de buscá-la. É o ponto de contato, a que se podem ajuntar outros e perceber maiores ou menores similitudes!

Quando fala-se em identificações culturais muitos percebem a escolha desse assunto como se fosse uma proposta ou um desejo. Não é. Trata-se de falar de algo que existe, como existe a vontade de comer ou a necessidade de dormir. Lembro-me, agora, de um episódio de há mais ou menos quinze anos, que vai sumariamente contado de memória.

A aviação naval norte-americana bombardeou a Sérvia, a partir de seus navios porta-aviões no Adriático. Depois da gloriosa missão, as naves atracaram no Pireu e os soldados desembarcaram como sempre o fazem. Ávidos das delícias do chão firme, de uma avidez aumentada pelo gozo dos recentes sucessos destrutivos.

Quem está fremitoso por gozos tende a não calcular bem a receptividade que terá por terceiros, que talvez cultivem outros gostos. Aconteceu que a soldadesca norte-americana pensasse que sua missão era indiscutivelmente bem-aventurada e que, portanto, seria celebrada pela receptiva população ateniense.

E aconteceu exatamente o contrário. Não somente os atenienses não os recebiam como a heróis de festa e descanso merecidos, como entraram em conflitos físicos com eles e lhes deram muitos sopapos. Se fossem gente mais atenta à história e à cultura, saberiam que não se matam sérvios e depois se confraterniza com gregos.

Sérvios e gregos são ortodoxos, estiveram sob o mesmo domínio otomano, lamentaram a queda do Patriarcado de Constantinopla, compartiram, enfim, muitas situações. Sérvios e gregos são diferentes e não querem tornar-se uns nos outros. Mas, têm pontos de contato e, embora um grego não seja, não se ache, nem se queira tornar em sérvio, tampouco fará festa com quem vem de matar sérvios.

Isso é identificação cultural e fica evidente – a repetição não é aqui inútil – que não é igualdade nem vontade dela. Imagino que se uma esquadra de qualquer nacionalidade, que acabasse de bombardear Madri, fosse comemorar o feito em Buenos Aires, passaria pelo mesmo que os norte-americanos em Atenas. E não significaria que os portenhos quisessem sem madrilhenos, apenas que há entre eles pontos de contato.

Imagino ainda que uma tropa que viesse de praticar a destruição e o morticínio em Londres não seria recebida com festa em Nova Iorque. E imagino que poucos imaginam os norte-americanos a quererem ser ingleses. É questão de identidades culturais.

Porque esse não é um texto de júbilo nem de instigação à felicidade, vou transbordar uma última imaginação, terrível. Imagino que se uma esquadra viesse de destruir Lisboa e aportasse em qualquer grande cidade brasileira, duas coisas ocorreriam, possivelmente. Ou a indiferença, ou a festa sem limites.

Somos sem raízes mais profundas e por isso não compreendemos quem as tem e as reconhece. Por isso acusamos qualquer busca de pontos de contato de ser vontade de tornar-se o outro. Achando ridículo que pontos de contato hajam, acreditamos nos que não há e, aí sim, transparecemos uma vontade servil de tornarmo-nos em outros que nunca seremos.

Corremos o risco, nós brasileiros, de sermos o povo mais perigoso do mundo, caso continuemos o rumo do enriquecimento que agora seguimos, de par com a profunda superficialidade de meninos mimados que professamos. Porque vamos ao sabor dos ventos, não reconhecemos ponto de contato algum e assim visamos a todos.

Vitória futebolística não é inutilidade social.

Muitos seres mais pragmáticos que o pragmatismo praguejam contra as celebrações decorrentes de vitórias futebolísticas. Dizem – para ficarmos no episódio evidente da Espanha – que os espanhóis não terão melhoradas suas condições de vida, que o desemprego não recuará e que a idade para reforma continuará a mesma, a despeito de terem vencido o mundial de futebol.

Outros trilham o caminho inverso da tolice e ficam a dizer que estudos científicos atestam que os países ganhadores de mundiais apresentam crescimento econômico entre 0,258% e 1,473% superior ao de países que não ganharam! Ou trilham pela vertente da auto-ajuda que se pretende neurociência e dizem que a vitória produz um estímulo psico-social benfazejo que impulsa o país adiante, porque melhora a auto-estima e coisa e tal.

Esses dois pólos de abordagem têm em comum a necessidade de instrumentalizar o futebol. Ora, para instrumentalizar o futebol como meio de ganhar rios de dinheiro tem-se a Fifa!

É circo a inebriar as massas? É, sim, e daí? A política, as religiões também o são, e muito mais nocivas.

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28 anos sem Jackson do Pandeiro.

Há 28 anos morria José Gomes Filho, o Jackson do Pandeiro. Paraibano de Alagoa Grande, o Rei do Ritmo, como ficou conhecido, deixou um legado musical significativo. O Canto da Ema e Sebastiana são ícones de sua obra:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=qUawNS9JTP8&hl=pt_PT&fs=1]

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=qjyYJ6BniS0&hl=pt_PT&fs=1]

A brincadeira que gostava de ter feito.

Alguém pode achar ofensivo ou até mesmo melindrar-se, quando vir que a brincadeira do título materializou-se em dois experimentos acadêmicos. Mas, devo esclarecer que não quero chamar às experiências científicas brincadeiras, apenas que para mim eram vistas assim, até saber que a ciência se apropriava das minhas idéias ou que, pelo menos, as confirmava.

De parte as brincadeiras e a minha presunção de originalidade, leio que investigadores científicos franceses, de duas instituições, deram verniz científico ao que um observador da vida – e principalmente da vida das nobrezas ascendentes de província – pode constatar com alguma regularidade.

Esses senhores investigavam a influência dos preços na percepção de qualidade que as pessoas formam sobre os vinhos. Dispondo de laboratórios e recursos puderam cientifissicar aquilo que o mortal comum pode apenas enunciar em conversa de mesa de café.

Eles – inatingíveis troçadores – puseram um único e mesmo vinho em diferentes garrafas, umas de marcas ordinárias e outras de marcas prestigiosas. E o resultado foi nada mais que o esperado. O mesmo conteúdo em continentes diversos produziu reações tão variadas quantos os preços que as garrafas sugeriam.

Os provadores eram afirmativos em apontar a superioridade dos vinhos que as garrafas mais caras vertiam e negavam qualidades aos que desciam das garrafas ordinárias, embora fosse o mesmo vinho! Em defesa, não do experimento, mas das pessoas, deve-se dizer que não eram mentirosas nem desonestas.

Eram presas de um mecanismo quase infalível de sugestão. O preço sugere qualidade e, tudo isso sugere que nossas avaliações são muito mais superficiais do que gostamos de fazer crer.

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