Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: junho 2010 (Page 2 of 5)

A história não se reduz ao dinheiro.

Esse homem buscava apenas dinheiro?

Tudo em Roma tinha preço, por ocasião e em relação ao período que vai das guerras contra Jugurta até o fim da república, segundo Salústio. Esse comentário feito sobre os negócios políticos romanos da decadência republicana foi apropriado como mote interpretativo da vida, por quantos adotaram as variantes do utilitarismo como forma de interpretar as ações humanas.

Acho que a aceitação dessa premissa – generalizada – não corresponde propriamente àlgum anseio ou crença na venalidade humana absoluta. Talvez, revele um receio da falta do que se convencionou chamar explicações racionais para os atos humanos e os fatos históricos.

Esse receio tem raízes na necessidade de tudo abordar a partir das relações de causa e efeito e na superficial compreensão do que seriam causas aceitas como racionais. Buscando-se mais em retrospectiva, percebe-se também na sua origem uma deformada separação entre causas objetivas e subjetivas.

A separação a que me refiro pôs de banda tudo quanto fosse motivação de honra como integrante das causalidades subjetivas e, rejeitando-as como imprestáveis à compreensão, tornou-as em não-causas ou em causas objetivas disfarçadas.

Ou seja, tornou-se preciso considerar apenas o que seria objetivo como móveis válidos de ações individuais ou coletivas, ainda que o âmbito da objetividade  tivesse que ser reduzido para que a tese mantivesse alguma coerência. A tese é basicamente que toda ação é uma busca de uma recompensa objetivamente identificável.

Sucede que as ações podem ser compreendidas como permanentes buscas de recompensas ou reações determinadas, mas nem sempre elas são facilmente identificadas. Então, à vista dessa dificuldade, vai-se atrás de alguma das motivações facilmente catalogadas no index das compras-e-vendas. Outra postura seria possível, ou seja, seria possível investigar mais antes de resolver-se pelo reducionismo.

Se algum problema resulta dessa generalizada crença na explicação do mundo pela variação dos preços das pessoas é a ignorância do que pode estar efetivamente por trás de tantos movimentos humanos. Ora, nem sempre mata-se para roubar, nem sempre mata-se para divertir-se!

Não há, como móveis e explicadores das ações humanas somente o dinheiro, a diversão e o disfarce, para desgôsto da maioria das pessoas que se crêem bem-pensantes. Essas motivações estão muito presentes, claro, mas não sozinhas. Conviria que o homem atual – aquele ser seguro na sua epistemologia utilitarista de custos e benefícios – se lembrasse de que há pouco mais de cem anos havia duelos de vida e morte. Neles, como o nome indica evidentemente, buscava-se uma morte, não uma recompensa em pecúnia.

Os duelos de vida e morte para mim não são admiráveis nem reprováveis, eles simplesmente eram algo que acontecia. Ora, as pessoas que duelavam são as mesmas que não mais duelam, feitas nas mesmas proporções de carbono, nitrogênio e outras substâncias. Da mesma maneira que deixaram de duelar podem voltar a fazê-lo ou podem estar a fazê-lo sem que se compreenda.

Conviria também – e aqui advirto da minha não-admiração, porque a bipolaridade é tão arraigada que pode parecer o contrário – lembrar que ainda hoje algum ibérico dispõe-se a vestir-se em trajos apertados e desafiar um touro de 800 quilos. É perfeitamente possível que se compreenda isso como a vontade de receber a recompensa em dinheiro, mas é também profundamente estúpido e redutor. Há, e todo o mundo sabe-o, formas menos arriscadas de ganhar-se dinheiro!

Sobre o dinheiro e seu papel de motor das ações humanas, transcrevo adiante um precioso trecho de José Ortega y Gasset, extraído do ensaio Mandam as montras, publicado em 16 de maio de 1927, no El Sol:

A questão é sobremaneira complicada e não é coisa para se resolver em quatro palavras. Vá tudo isso que digo apenas com uma possibilidade de interpretação. O importante é evitar a concepção económica da história que anula toda a graça do problema fazendo da história inteira uma consequência monótona do dinheiro. Porque é demasiado evidente que o poder social deste foi em muitas épocas humanas bastante reduzido e outras energias alheias à economia enformaram a convivência humana. Se os Judeus possuem hoje o dinheiro e são os donos do Mundo, também o possuíam na Idade Média e eram a escória da Europa.

Ajuda para Alagoas e Pernambuco.

Alagoas

As enchentes da semana passada deixaram mais de 80.000 pessoas desabrigadas e 16 mortos em Pernambuco, e mais de 70.000 mil desabrigados, 29 mortos e 135 desaparecidos em Alagoas.

Quanto ao sofrimento dos que perderam tudo não se tem muito a falar. Então, fala-se de ajuda, ou em mantimentos ou em dinheiro. Existem pontos específicos nos dois Estados para doações em mantimentos. Também já podem ser feitas doações em dinheiro pelas seguintes contas correntes:

Doações para a população de Alagoas:

– Banco do Brasil – Agência 3557-2, Conta-corrente 5241-8;
– Caixa Econômica Federal – Agência 2735, Conta-corrente 955-6;
– Bradesco – Agência 389-1, Conta-corrente 10.000-5;
– Banco do Nordeste – Agência 031-0, Conta-corrente 19.542-2

Doações para a população de Pernambuco:

– Banco do Brasil – Agência 1836-8, Conta-corrente 100.000-4;
– Bradesco – Agência 3201-8, Conta-corrente 600.000-2;
– Banco do Nordeste – Agência 044-2, Conta-corrente 21.462-7

Vamos ajudar!

Abandonemos a estupidez. Não há destempero de Dunga. Há perseguição da Globo contra ele.

Não é advertência inútil.

A menção ao lugar-comum da moda – destempero – deve-se à preferência quase unânime por ele. Querem dizer desequilíbrio que, de resto, seria a palavra adequada se realmente ocorresse.

O que ocorre é retaliação da Rede Globo, de forma patife, ao treinador da equipe brasileira porque ele não presta absoluta vassalagem e submissão aos interesses dessa corporação mediática. Atacam-no segundo seu roteiro de costume, na televisão e no jornal diário que mantém.

No jornal, atacaram-no com uma mentira. Disseram que a Fifa estudava puní-lo por dizer palavrões, o que foi desmentido pela entidade futebolística. Ou seja, sem eufemismos ou lugares-comuns, era mentira.

Os palavrões que o Dunga tenha dito são tolices de uma desimportância imensa. Nem Carlos Lacerda daria importância a palavrões de um treinador de equipe de futebol! Existem grosserias imensas que são realizadas sem a pronúncia de um único palavrão e, nem por isso, deixam de ser grosserias.

Parece que o recurso à escandalização da trivialidade está a revelar-se improdutivo para a Rede Globo, todavia. Algumas enquetes sobre a polêmica criada deliberadamente apontam que as pessoas, entre Dunga e a Globo, ficam com o primeiro, por larga margem. Sinal de que a tolice e a iniquidade nem sempre triunfam.

Nesse caso, a Globo parece estar sem saídas, pois nada indica que consiga passar à segunda etapa do programa. A primeira, como sempre, é acusar o alvo de desequilibrado, louco, ou incapaz. A segunda é acusá-lo de desonesto. Talvez, à falta de deslizes que possam configurar alguma desonestidade, a Globo siga seu roteiro, desta feita como farsa grotesta. Ou seja, que procure seguir seu caminho de aprofundamento da mesquinharia.

Vão ridicularizar suas roupas – como se isso tivesse alguma importância – vão falar dos seus cabelos, vão apontar algum plural esquecido em alguma entrevista. Vão seguir seu rumo de tentar destruir quem se interponha, ainda que minimamente, no seu desejo de predomínio absoluto.

Os infames apostam sempre na infâmia. Ou, porque a imprensa tem raiva de Dunga.

Uma parte significativa da imprensa brasileira tem fermentado e repercutido um conflito iniciado por ela com o treinador da equipe brasileira, o Dunga.

O treinador, sabiamente, reduziu bastante o contato da equipe com os media. Nada que signifique algum deserto de informações mas, certamente, uma situação diferente do contubérnio que havia entre repórteres, futebolistas, treinador, lobistas, corretores de futebolistas, companheiras de futebolistas, cartomantes, especialistas em parábolas descritas por bolas de futebol e outros seres mais.

A imprensa não vive de notícias, ela vive de novidades, que são basicamente trivialidades alçadas à condição de fato relevante, ou simplesmente criações. Todavia, as invenções precisam também de alguma base, porque do nada, nada sai. Daí, é preciso ter jogadores de futebol a darem entrevistas sobre qualquer bobagem para, a partir de então, começar a reverberar a bobagem.

É preciso algum escândalo ou qualquer coisa que se aproxime minimamente disso. Entrou no hotel da equipe um grupo de quatro moças airosas. O fulano e o sicrano conseguiram inserir no quarto do hotel meia garrafa de vodka. Realmente, sem esse combustível fático não há razões para se ouvirem especialistas em psicologia, sexologia, alcoologia, fisiologia e outras mais ciências.

O Dunga acabou com isso e ignorou as opiniões dos especialistas de plantão e a soldo das redes de televisão, nomeadamente a Rede Bobo. Ele é, portanto, um herético e merece o tratamento prescrito para esses casos. O manual do repórter inquisidor é bastante claro e simples.

A primeira etapa implica em qualificar o herege de louco, destemperado, descontrolado, sem condições emocionais e esperar que ele aceite o rótulo. Lembro-me agora disso a funcionar como humor e punição por infâmia, quando João da Ega faz Dâmaso Salcede assinar um documento declarando-se um bêbado contumaz e irresponsável pelo que diz. Mas, isso é arte, e nesse caso o infame era o Dâmaso e voltemos às coisas piores.

Se o herético não aceita essa generosa oferta dos inquisidores repórteres de qualificar-se como um destemperado – que esse é o lugar-comum da moda – então ele incorrerá na segunda forma prescrita: será acusado de desonesto. Para tanto, qualquer coisa serve, verdadeira, desprezível, ou simplesmente inventada.

Essa linha de ação jornalístico-inquisitorial pressupõe algo terrível. Pressupõe que o acusado é infame como os acusadores e  que não está disposto a ter respeito por si mesmo. Ocorre que nem sempre isso se verifica! Não convém tentar acuar um homem sério, que ele pode reagir e, mais que isso, ele pode triunfar.

Se a equipe brasileira do Dunga for a grande vencedora deste mundial dar-se-á o seguinte: Dunga terá revelado que estava correto e os infames revelarão que sempre foram infames e indignos, porque buscarão apropriar-se da vitória e esquecer-se que o tinham atacado violentamente.

Portugal absoluto.

Portugal 7 x 0 Coréia do Norte. Vitória eloquente em um dia sem erros de Carlos Queiroz. Entrou quem devia e saiu quem devia, nos momentos certos. Assim, além do grande saldo de gols, ganha-se bastante confiança.

Algo que fica mais claro, neste mundial, é a importância de marcar o primeiro gol. Até equipes supostamente bem estruturadas perdem o rumo, quando isso ocorre. São obrigadas a partirem ao ataque e podem acontecer coisas como a avassaladora investida portuguesa contra a Coréia do Norte.

Joana Francesa, de Chico Buarque.

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Sem comentários, só a letra.

Tu ris, tu mens trop
Tu pleures, tu meurs trop
Tu as le tropique
Dans le sang et sur la peau
Geme de loucura e de torpor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Mata-me de rir
Fala-me de amor
Songes et mensonges
Sei de longe e sei de cor
Geme de prazer e de pavor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Vem molhar meu colo
Vou te consolar
Vem, mulato mole
Dançar dans mes bras
Vem, moleque me dizer
Onde é que está
Ton soleil, ta braise

Quem me enfeitiçou
O mar, marée, bateau
Tu as le parfum
De la cachaça e de suor
Geme de preguiça e de calor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Brasil faz bela apresentação contra a Costa do Marfim.

Brasil 3 x 1 Costa do Marfim, em bela apresentação, embora não tenha chegado a ser exuberante. A equipe marfinense é fisicamente forte, violenta e maliciosa e defende-se mal. Não tinha percebido os últimos aspectos no jogo contra Portugal, mas agora pareceram-me bastante claros. Depois de sofrer o primeiro gol, perderam-se.

Luís Fabiano conseguiu meter dois gols, o que foi ótimo porque ele deve acalmar-se um pouco e melhorar o próprio desempenho. Era um futebolista evidentemente ansioso e meio transtornado na primeira partida. E o primeiro, devo dizer sem meias palavras, foi lindo.

Elano prova que esforço e inteligência podem suprir insuficiências técnicas. Nunca se destacou por grandes habilidades e, na verdade, é mesmo muito limitado. Todavia, sempre está no lugar certo e não procura complicar as coisas, além de ser extremamente laborioso.

Kaká, o ungido do Deus da prosperidade, precisa deixar de ser menino mimado e jogar futebol. Tem-lhe faltado inteligência, embora sobre talento. Creio que ele não compreende como as coisas podem estar a andar mediocremente e isso contribui para que continuem assim.

Os dois laterais brasileiros são bons, o Michel Bastos e o Maicon. O primeiro pode jogar mais ainda e somar bastante às potencialidades de Robinho.

O oportunismo da Igreja de Roma com relação a Saramago.

A Igreja de Roma não tem a morte de Saramago como assunto que lhe imponha fazer algum comentário. Fê-los quando ele era vivo e isso bastou. Mas voltou a fazê-lo, agora que ele está morto, assumindo uma presunçosa atitude de superioridade. Aquela presunção velha conhecida na fórmula do perdão ao desviado.

Isso é oportunismo e pouco respeito por si e pelo morto. Deveria, a Igreja de Roma, dizer agora o que sempre disse. Agindo como age tenta apropriar-se de quem falou mal dela sempre, quase a santificá-lo. A estratégia é inteligente, mas é pusilânime.

Não quero traçar um paralelo, até porque são situações bastante distintas. Mas, no que toca à conduta, há traços de identificação com o que se faz hoje relativamente ao Padre Cícero. Atualmente, dizem que o Padre pode ser reabilitado – ele que foi suspenso de ordens e excomungado – sem, todavia, que isso represente um reconhecimento pelo erro na excomunhão.

Ora, não há como reabilitar o Padre e continuar a dizer que sua excomunhão foi correta, exceto se se reconhecer que ele foi santo! Por outro lado, não há como ignorar a utilidade da figura do Padre na tentativa de travar o crescimento das denominações reformadas neo-pentecostais.

O assassino do árabe no Estrangeiro, Meursault, ainda teve sua última ocasião com o padre, na cela em que esperava a execução de sua pena. Teve asco do sacerdote e afastou-se dele instintivamente, em uma cena literária de uma beleza cortante. Esse padre, contudo, é uma grande figura. Ele fez seu papel e procurou Meursault vivo e esse vivo era uma pessoa comum.

O conjunto dos padres procura Saramago morto para oferecer-lhe uma compreensão que ele não pediu, vivo. E Saramago não foi uma pessoa comum ou desconhecida. Por que o procuram? Porque afetam com o morto a grandeza que não tiveram com o vivo?

Os fiscais de patriotismo.

Um torneio de equipes nacionais, como a copa do mundo de futebol, da Fifa, é ocasião de exacerbação de ufanismos emocionados. As cores nacionais são o elemento mais marcante, estão nas roupas e nas caras das pessoas, em bandeiras e em faixas, por todos os lados, enfim. É mais ou menos como o choro, esse transbordamento nacionalista, substitui uma emoção forte por uma fraca. Assim são os símbolos, entretanto.

Eventualmente uso uma camisa da equipe argentina, o que não significa que me tenha tornado ou que me queira tornar argentino, mas uso-a. E percebo reprovações, umas mais diretas, outras mais laterais. Todas, porém, profundamente bobas ou hipócritas. Geralmente, as mais enfáticas são as menos sinceras, porque são bastante conhecidos os indivíduos que venderiam o país inteiro, enquanto agitariam entusiasmadamente a bandeira da nação vendida.

Os fiscais de patriotismo são os grandes infames, herdeiros da acusação inquisitorial, aquela que sabe muito bem quais são os riscos reais, mas prende-se aos sinais e aos detalhes. Um modelo quase perfeito de hipocrisia, depurada de seus elementos acidentais, destilada de quase todas as impurezas. Hipocrisia quase nua, que se socorre apenas de emocionalismo superficial para tapar-lhes as partes mais pudendas.

Eles querem a adoção da simbologia, a solidariedade na repetição dos lugares-comuns, a embriaguez sem sentido de uma catarse inexistente. Eles deviam ir a guerra, em homenagem a tão grande patriotismo. Mas, eles, quando vão à guerra, são os que desertam!

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