Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

A história não se reduz ao dinheiro.

Esse homem buscava apenas dinheiro?

Tudo em Roma tinha preço, por ocasião e em relação ao período que vai das guerras contra Jugurta até o fim da república, segundo Salústio. Esse comentário feito sobre os negócios políticos romanos da decadência republicana foi apropriado como mote interpretativo da vida, por quantos adotaram as variantes do utilitarismo como forma de interpretar as ações humanas.

Acho que a aceitação dessa premissa – generalizada – não corresponde propriamente àlgum anseio ou crença na venalidade humana absoluta. Talvez, revele um receio da falta do que se convencionou chamar explicações racionais para os atos humanos e os fatos históricos.

Esse receio tem raízes na necessidade de tudo abordar a partir das relações de causa e efeito e na superficial compreensão do que seriam causas aceitas como racionais. Buscando-se mais em retrospectiva, percebe-se também na sua origem uma deformada separação entre causas objetivas e subjetivas.

A separação a que me refiro pôs de banda tudo quanto fosse motivação de honra como integrante das causalidades subjetivas e, rejeitando-as como imprestáveis à compreensão, tornou-as em não-causas ou em causas objetivas disfarçadas.

Ou seja, tornou-se preciso considerar apenas o que seria objetivo como móveis válidos de ações individuais ou coletivas, ainda que o âmbito da objetividade  tivesse que ser reduzido para que a tese mantivesse alguma coerência. A tese é basicamente que toda ação é uma busca de uma recompensa objetivamente identificável.

Sucede que as ações podem ser compreendidas como permanentes buscas de recompensas ou reações determinadas, mas nem sempre elas são facilmente identificadas. Então, à vista dessa dificuldade, vai-se atrás de alguma das motivações facilmente catalogadas no index das compras-e-vendas. Outra postura seria possível, ou seja, seria possível investigar mais antes de resolver-se pelo reducionismo.

Se algum problema resulta dessa generalizada crença na explicação do mundo pela variação dos preços das pessoas é a ignorância do que pode estar efetivamente por trás de tantos movimentos humanos. Ora, nem sempre mata-se para roubar, nem sempre mata-se para divertir-se!

Não há, como móveis e explicadores das ações humanas somente o dinheiro, a diversão e o disfarce, para desgôsto da maioria das pessoas que se crêem bem-pensantes. Essas motivações estão muito presentes, claro, mas não sozinhas. Conviria que o homem atual – aquele ser seguro na sua epistemologia utilitarista de custos e benefícios – se lembrasse de que há pouco mais de cem anos havia duelos de vida e morte. Neles, como o nome indica evidentemente, buscava-se uma morte, não uma recompensa em pecúnia.

Os duelos de vida e morte para mim não são admiráveis nem reprováveis, eles simplesmente eram algo que acontecia. Ora, as pessoas que duelavam são as mesmas que não mais duelam, feitas nas mesmas proporções de carbono, nitrogênio e outras substâncias. Da mesma maneira que deixaram de duelar podem voltar a fazê-lo ou podem estar a fazê-lo sem que se compreenda.

Conviria também – e aqui advirto da minha não-admiração, porque a bipolaridade é tão arraigada que pode parecer o contrário – lembrar que ainda hoje algum ibérico dispõe-se a vestir-se em trajos apertados e desafiar um touro de 800 quilos. É perfeitamente possível que se compreenda isso como a vontade de receber a recompensa em dinheiro, mas é também profundamente estúpido e redutor. Há, e todo o mundo sabe-o, formas menos arriscadas de ganhar-se dinheiro!

Sobre o dinheiro e seu papel de motor das ações humanas, transcrevo adiante um precioso trecho de José Ortega y Gasset, extraído do ensaio Mandam as montras, publicado em 16 de maio de 1927, no El Sol:

A questão é sobremaneira complicada e não é coisa para se resolver em quatro palavras. Vá tudo isso que digo apenas com uma possibilidade de interpretação. O importante é evitar a concepção económica da história que anula toda a graça do problema fazendo da história inteira uma consequência monótona do dinheiro. Porque é demasiado evidente que o poder social deste foi em muitas épocas humanas bastante reduzido e outras energias alheias à economia enformaram a convivência humana. Se os Judeus possuem hoje o dinheiro e são os donos do Mundo, também o possuíam na Idade Média e eram a escória da Europa.

2 Comments

  1. João Ezaquiel

    Ela não se reduz, mas essa é uma mensagem constatemente reforçada em todos os meios sociais, na educação, na política.

    É um reducionismo com uma ideologia bem definida.

    • andrei barros correia

      Pois é, conseguiu-se fazer triunfar uma interpretação que torna tudo em compra-e-venda, embora a realidade não se compreenda a partir dessa visão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *