Antes de dizer qualquer coisa sobre os conflitos violentos entre polícia e fuzileiros navais e traficantes de drogas ilícitas, no Rio de Janeiro, convém apontar que este tipo de embate não é novidade, convém lembrar que já houve outro muito pior, em São Paulo, e convém ter reservas com a espetacularização mediática.
Não se trata de negar a gravidade das coisas, nem os fatos em si. Mas, de lembrar que, em maio de 2006, a banda criminosa PCC promoveu ataques em São Paulo de maior intensidade, que resultaram em 490 assassinatos, promovidos como resposta policial. Um morticínio indiscriminado que vitimou quem estivesse pela frente. Como foi praticado em zonas pobres, quem estava pela frente eram os pobres, que não são todos associados a quadrilhas de criminosos. Pena de morte ilegal e censitária, portanto.
A imprensa divulgou – embora com menos ênfase que hoje – os resultados dos ataques. Não se interessou muito, todavia, com os resultados brutais da repressão aleatória, que vitimou uma imensa maioria que nada tinha com a estória. Agora, neste caso do Rio de Janeiro, insiste-se bastante na ação repressiva, que acarretou até o presente em torno a 30 mortes.
Esta ação coordenada da polícia do Rio de Janeiro e da infantaria da Marinha – os fuzileiros navais – foi muito mais precisa e direcionada aos criminosos somente. Pode ser muito escandaloso o desfile de carros blindados armados de metralhadoras .50, mas é inegável que não consistiu em um morticínio aleatório de quantos estivessem na linha de tiro de policiais fora de controle.
Os resultados previsíveis são uma migração dos traficantes de entorpecentes ilícitos para regiões mais periféricas do Rio de Janeiro, pois eles não vão se desmaterializar, nem serão todos eliminados. Serão tangidos para espaços mais afastados da cidade e, sob essa perspectiva fica claro que o problema fica adiado e afastado geograficamente do centro mais evidente, apenas.
Todavia, violência por violência, já houve maior e com resultados piores, imputáveis aos agentes do estado, como no caso de São Paulo.
Onde houver um mercado consumidor de psicotrópicos ilícitos haverá oferta deles. Se essa oferta é maior ou menor, isso terá reflexos somente nos preços, que são a forma clássica de ajuste entre demanda e oferta.
A ilegalidade do comércio e do consumo d´algumas substâncias psicotrópicas não resulta na diminuição de sua demanda. Isso, dizem todos os números e pesquisas feitos a respeito. A ilegalidade é, sim, um aumento do custo da atividade, que é repassado ao consumidor final. Com efeito, subornos, armas e balas compõem o custo dos entorpecentes ilícitos e são repassados aos destinatários finais.
Está claro que a repressão a ataques criminosos, praticados contra pessoas e bens, privados e públicos, é dever do estado e deve ser levada a cabo. Dar salvas de tiro morro abaixo, incendiar carros, caminhões e ônibus, bloquear vias públicas, assaltar estabelecimentos comerciais, tudo isso são crimes a serem reprimidos. E a repressão deve ser intensa e bem coordenada, servindo-se de meios proporcionais.
Todavia, esse tipo de problema não deixará de ocorrer se o centro da questão não for abordado. Se a venda de algo que se quer comprar for ilegal ela persistirá e atrairá a violência. Se ela for legal, ocorrerá da mesma forma, mas sem a violência, liberando o estado para ocupar-se do real problema, que é de saúde pública.
Realmente, apenas uma mente profundamente deformada acreditaria que a legalização dos entorpecentes ilícitos teria o efeito de aumento no consumo. Eles são consumidos livremente e, no fundo, isso é uma questão de liberdade. Sucede o mesmo com o jogo de azar que, quando e onde é proibido, continua a ser praticado e oferecido, apenas que clandestinamente e mais caro.
É uma estupidez profunda – exceto para quem vive de vender armas e terror – fazer de um conflito comercial uma guerra aos tiros. Grupos que disputam mercado de entorpecentes ilícitos devem ser levados a disputarem espaço como o disputam redes de supermercado, não como gangues que resolvem seus problemas à bala.
Do ponto de vista do problema imediato – traficantes lançando ondas de ataques e roubos indiscriminados – a reação policial e militar é a postura correta e a forma como fez-se agora no Rio tem sido superior a outras ocasiões. Mas, a médio e longo prazo, a coisa tende a repetir-se, apenas em circunstâncias geográficas distintas.
Não basta que o estado aumente sua presença nas zonas mais pobres, onde atuam as gangues criminosas, será preciso deixar para o código penal o que é crime, ou seja, não criar mais problemas. Por que essa estória de guerra e mata-mata é burrice. Enquanto houver um bom negócio haverá quem o queira fazer, assumindo os riscos. Então, o mata-mata teria que ser constante.
Vale salientar que com a legalização dos entorpecentes ilícitos sua venda seria passível de pagamento de impostos…
Bem lembrado amigo Reggie! 😀
Andrei foi perfeito nesse parágrafo aqui:
“Todavia, esse tipo de problema não deixará de ocorrer se o centro da questão não for abordado. Se a venda de algo que se quer comprar for ilegal ela persistirá e atrairá a violência. Se ela for legal, ocorrerá da mesma forma, mas sem a violência, liberando o estado para ocupar-se do real problema, que é de saúde pública.”
Praticamente nenhum problema em nosso país é abordado de forma direta, nunca se enfrenta o centro da questão. 🙁
Meus caros Reginaldo e Thiago,
Eu acho que quase nunca abordamos – nós brasileiros, em geral – os problemas diretamente, o centro da questão, porque não queremos encarar o monstro no espelho.
Andrei, esse seu comentário sobre abordar o monstro no espelho está bem apropriado… mas estou ficando velho e irritado e tendo alguns delírios se não seria também oportuno suspender um pouco a conversa dos direitos humanos dos usuários e dos traficantes e de seus parentes e advogados, da legalização da droga , etc., e usar táticas israelenses ou americanas para por logo ordem nas coisas….napalm neles !!!
Depois de um bom freio de arrumação se discutia como reurbanizar as favelas devidamente bombardeadas, ressociabilizar os traficantes em Guantanamos no interior da Amazonia e incorporar o armamento deles às forças do governo.
Dá para você ver que estou mesmo p. da vida com essa zona…
Esse problema do Rio de Janeiro é de canalhice mesmo: canalhice da policia, canalhice do judiciário, canalhice da população, que não pode viver sem tomar droga, e canalhice da imprensa, que fica promovendo uma falácia e uma imagem de um Rio como era há mais de 80 anos atrás para iludir turistas desinformados.
Vai virar um México, onde ninguém viu, ouviu ou jamais falou nada sobre os narcotraficantes, ou seja, o “narco” para a população comum é um problema virtual (um virus de computador….), mas está presente em todo o país, gerando inclusive 1/3 do PIB nacional.
Na Holanda e Suiça tentaram liberar os “aditivos”. Eu vi em Amsterdam e em Zurique a turma tomando pico e jogando as seringas em assépticas latas de lixo selecionado, com muitas pessoas vagando drogadas na rua ou dormindo no chão, mas muito bem alimentadas pela prefeitura. Passei por esses lugares em ônibus de tour local, ou seja, a prefeitura e o establishment faturavam com isso.
Não deu certo a liberalidade e agora estão recuando na ordem da fatídica experiencia.
Seria bom mesmo que os traficantes conseguissem acabar com as olimpíadas e os jogos da copa do mundo no Rio para que a hipocrisia fosse posta a descoberto e se tomasse consciência de que ou usam métodos mais eficazes para se abordar os problemas de conluio da policia, do judiciário, da imprensa , dos usuários e dos promotores do “Rio Falácia”, ou vão logo mexicanizar o Rio de Janeiro.
Para quem acha que é exagero, sugiro que experimente ir para o aeroporto do Galeão tarde da noite pela linha vermelha, pegue um engarrafamento no caminho e depois passe umas horas esperando para embarcar em um vôo internacional: duvido que voce se sinta seguro no caminho para o aeroporto ou dentro do salão de entrada. Se você não entrar logo para o embarque internacional vai ser interceptado por algum picareta e muito provavelmente roubado dentro do aeroporto.
Em 1973 fui recomendado a não andar em Times Square em New York à noite pois era “um lugar inseguro” e poderia ser assaltado. Acabaram com isso quando o turismo começou a cair, usando decisão e cadeia; vi, inclusive, há poucos anos por lá uma prisão móvel (um grande ônibus estacionado na rua) para onde os delinquentes são levados e feita uma triagem imediata.
Hoje pode-se sair de um teatro perto da meia noite e caminhar sem problemas pelas ruas para se ir a um restaurante jantar… e voltar para o hotel tambem caminhando, sem aquela sensação de insegurança que se tem até em Caruaru.
Sidarta,
Não convém recuar em direitos fundamentais de ninguém, porque esses direitos não estão na origem de qualquer criminalidade. Na verdade, esses direitos não são respeitados e não é isso que está em jogo.
Claro que crimes de assassinato, porte ilegal de armas, roubo, furto, destruição de patrimônio público e privado devem ser reprimidos e estão sendo, no Rio, de forma até bastante coordenada. As mortes que houve, circunscrevem-se a policias e criminosos envolvidos.
Diferentemente do episódio paulista que mencionei, em que a polícia entrou em uma favela e chacinou 490 pessoas, indiscriminadamente.
A lógica de guerra, que os EUA querem exportar é boa para quem vive de terror, de venda de armamentos e de lavagem de dinheiro. A questão, quanto a substâncias entorpecentes, lícitas ou ilícitas, é de saúde pública e é assim que deve ser abordada.
Se olharmos as coisas detidamente, percebemos que há um grande negócio de armamentos ilícitos e de empresas que branqueiam o dinheiro desse comércio e do de entorpecentes ilegais. Seria simples estrangular esses negócios financeiramente, mas aí os interesses contrariados seriam enormes.
Ou seja, a questão da ilicitude do se vende e se compra é um detalhe que somente acrescenta violência. A verdadeira questão é afastar a violência, afastando a ilicitude. E combater o círculo financeiro que está por trás de tudo.
Andrei, fico satisfeito e agradeço por você ponderar bem as coisas e por colocar alguma condição de contorno no meu inusitado surto de nazi-stalinismo aplicado ao combate à delinquencia.
Tenho uma restrição pessoal ao Rio de Janeiro pois foi lá, em 1978, o único lugar onde alguém apontou uma arma para mim a menos de 200 metros de um posto da Policia Rodoviaria Federal, em uma tentativa de assalto em uma rodovia federal na saída da cidade (provoquei os deuses e conduzia um Fusca novo e com placa de Recife). Também fui abordado dentro do aeroporto do Galeão e por pouco não fui imobilizado e assaltado…. uma garota argentina que estava por perto não conseguiu perceber a manobra do assaltante dentro do aeroporto e “perdio la plata!!!
Dessas experiências, e da minha talvez incompetencia conceitual e prática de não conhecedor de educação de massas, passou-me pela cabeça o código penal da Arábia Saudita, a rapidez da justiça chinesa e o pragmatismo de Stalin. Devo andar estressado mesmo e vou voltar rápido a quem salva: Buda !!!
A violência cansa muito e acabamos por nos inclinar a crer que ela decorre da falta de repressão ou do excesso de tolerância ou de direitos. E nos inclinamos para julgamentos sumários.
Mas, basta observarmos que nunca faltou violência no Brasil, sempre faltou a real tolerância, nunca houve propriamente respeito por direitos fundamentais e sempre houve julgamentos sumários.
Sempre houve profunda violência contra pobres e pretos, no Brasil. As execuções policiais e por criminosos geralmente vitimam pobres e pretos e isso é exatamente justiça sumária.
Não se pode criminalizar a pobreza. Por isso, não se pode dizer que a polícia deve entrar atirando, prendendo e espancando aleatoriamente em uma favela.
A proporção de criminosos em áreas geográficas pobres, de classe média e ricas é a mesma, como não poderia ser diferente. Mudam os crimes e as faixas de rendimentos, apenas.
E ninguém defende que a polícia entre no mata e arrebenta em algum bairro rico, para reprimir crimes de corrupção contra os interesses públicos, por exemplo. Crimes que são muito mais lesivos aos interesses gerais, inclusive.
O crime de um gestor público que, por exemplo, desvia dinheiros da saúde pública tem um potencial assassino enorme!
Com relação ao Rio, concordo que é complicado. Todavia, se olhares os números, perceberás que Recife e São Paulo são piores.