Nunca segui receitas, embora sempre as tenha lido. Trata-se de ter uma idéia, pois a calibração exata de quantidades e tempos de cocção faço-as de improviso.
Ontem, resolvi tomar um pernil de porco sem osso, pequeno, e corta-lo em pedaços retangulares, de mais ou menos 10 centímetros, por 3 de altura, ou seja, uns tijolinhos de porco. Pus os pedaços em uma assadeira e joguei em cima um pouco de sal, um pouco de pimenta do reino, muitas folhas de louro, quebradinhas, vinagre e azeite bastante.
O porquinho assim temperado foi descansar na geladeira por um dia. Quem supuser que isto pode acabar por dar em parentes próximo de rojões minhotos, supõe mais ou menos certo, embora o destino seja outro.
Passado o dia da marinada, hoje à noite, tomei dos pedaços e cortei-os em tirinhas finas e curtas. Reservei o apetitoso caldo com os sucos da carne, o vinagre e o azeite. Em uma panela grande, despejei esse caldo e acrescentei mais um pouco de azeite e umas folhinhas de manjericão.
Refoguei uns pedaços de alho mal cortado, em fogo alto e, passados uns instantes, deitei na panela os pedaços de porco. Mexi um bocadinho e tampei a panela.
Depois de uns cinco minutos, adicionei extrato de tomate e mais umas folhinhas de manjericão, baixei o fogo e fui cuidar do acessório. Macarrão em formato fusilli, ideal para reter o molho nas dobras de seus parafusos. Aqui, não há mistérios, água fervente, põe-se o sal, põe-se o fusilli e esperam-se uns sete minutos.
Resultado, um espetacular macarrão com porco. É verdade que inadequado aos 30º que fazem agora, mas, a despeito do suor que desce na testa, estava ótimo.
Andrei,
Dizem que um ancestral teu também gostava de experimentar com suínos na sua culinária mais rústica nos anos 1840.
Como ele não tinha como comprar o pernil já limpo no supermercado, abatia o bicho, separava as carnes e o couro, e das entranhas intestinais construia finas cordas para o seu também rústico violino, em uma operação que, também dizem, levava a sua esposa ao desespero por conta do odor desprendido por essas partes em processo de secagem, curtição, fiação e esticagem ao sol.
Quanto à qualidade da música derivada, penso que apreciava pois, contam alguns outros teus parentes mais velhos com quem conversei fazendo umas pesquisas, que as tripas de porco eram trabalhadas junto com tripas de ticacas em várias ocasiões, para dar resistência, e vendidas até para a orquestra de um circo itinerante na região e ao qual, falam ainda, o teu ancestral juntou-se por uns tempos como violinista, trapezista e amante de uma bailarina.
Cabra bom esse teu ancestral, era de dar inveja!!!
E, entrando por uma perna de pinto e saindo por uma perna de pato, essa estória toda começou por conta do gosto por carnes de suínos, que já percebi ter a tua família bem refinado.
Cheguei a conhecer o teu avô e lembro que ele era também chegado a um leitão assado, que comia ritualisticamente;só não tocava violino nem era chegado a artes circenses, o que era uma pena.
Grande abraço,
Sidarta
E imaginas que, com uma ascendência dessas eu não me tornei cirurgião! Morro até de medo de ouvir falar!
Mas, um e outro me têm como doido também,embora não toque, nem cante, nem suba ao trapézio. E a essas alturas, acho que a idade de começar já passou.
Rapaz, a carne de porco é a mais saborosa que existe. Um irmão desse meu avô que mencionaste contava, às risadas, que os astecas diziam que os espanhóis tinham trazido para o México uma única coisa boa: o porco, que depois da carne de gente era a melhor que tinha.
Espero que prepares algo semelhante quando eu for por ai.Já conheço o tempero e sei que é dos melhores.
De umas poucas idas a trabalho que fui ao interior do México…. passei a desconfiar de que, mesmo atualmente, eles não comem só carne de porco como sua maior iguaria, ah,ah,ah
A blogueira Maria José refere-se a carne de porco bem temperada…. ou a outras carnes mexicanas ???
Eu aprovei! 🙂
Ainda aguardo a chegada da Gripe Caprina…
Boa lembrança, André. Vou atrás de um pernil de bode ou de carneiro.
Fiz várias experiências cozimentais, Andrei, quando o preço da carne porco abaixou por causa da Griphe. Passei varias seanas comprando um quilo de picanha ou de lombo de porco por R$ 5 mirréis/em>.
As batatas são importantes nesses processos. Também os pimentões, e a cebola, mas as batatas, acho, mais.
André,
Como é que tu cozinhas as batatas? Ou, melhor perguntando, cozinhas e depois levas ao forno?
Mas, voltando ao porco e aos preços, ainda escreverei sobre a nossa relação com a carne de porco.
Não se compreende racionalmente o baixo consumo de porco no Brasil, relativamente a carne de boi e de galinha.
Nem falo do sabor, que tem lá sua subjetividade. Mas, o porco é a mais eficiente maneira de transformar água e algum cereal em carne. Seu rendimento é muito maior que o do boi. Os preços são bons.
E por aqui ainda se percebe um e outro traço de superstição. Há quem repute a carne de porco perigosa. Há quem diga que não se deve comê-la após uma operação! Que seria ruim para a cicatrização!
Sabes o que é isso? Um traço diluidíssimo de judaísmo. A mesma coisa acontece com os crustáceos e, creio que pela mesma razão.
Andrei, batatas eu gosto até de comê-las cruas. Mas parei com essa mania depois que um amigo me disse que eram tóxicas. Nunca confirmei isso, e embora tenha deixado de lado esse hábito (de comê-las cruas, com um pouquinho de sal e um pouquinho de azeite e/ou vinagre), sempre que vou fazê-las, acabo beliscando um pedacinho crus… Flávia, a namorada, vive a se queixar de mim por isso. Não sei se gosto mais da textura e do barulhinho crocante que ela produz, ou se do sabor, que é pouco. Mas o fato é que como batatas de todas as formas (de modo meio lúdico, passei a adorar as batatas por uma tolice juvenil, surgida na minha adolescência depois que li Quincas Borba).
Mas pra fazê-las com porco ao forno, faço antes um leve cozimento numa água com um pouco de sal e de pimenta do reino, depois coloco-as ao redor do porco, com rodelas de cebolas em baixo (não do porco, mas das batatas) e algumas por cima, salpicando com pitadas de pimenta do reino, noz moscada e azeite. Pode-se experimentar também alguns fios de mel (não de engenho, que é muito forte), que dará certo.
Ontem eu fui a um jantar vegetariano, Andrei, e comi umas batatas excelentes, cozidas em água com sal e depois salpicadas com muitos pedacinhos de alhos levemente fritos, manjericão, pimenta do reino e azeite. A carne quase sempre me faz falta, mas o acompanhamento estava muito bom. Findou por ser melhor não haver carnes, porque estávamos bebendo cerveja (pra acompanhar carne, melhor seria um vinho tinto) e a digestão seria complicada.
As batatas foram servidas com macarrão de arroz (aqueles bem fininhos, que parecem do tipo “cabelo de anjo”) e/ou talharim, molho branco com queijos, e/ou molho vermelho com tomates secos, azeitonas, alcaparras e pimentões, salada de alface, rúculas, espinafres e tomates, e uma saladinha de pepinos cortados finissimamente e largados num pote com água salgada e um pouco de vinagre. Num potinho à parte, pequenos pedacinhos de queijo coalho, champignons, mais alcaparras e azeitonas. Foi tudo bem simples, mas muito bom e o resultado é que a ausência de carne não se fez sentir muito.
Depois dessa fase do porco, passei um período fazendo lasanhas. Evidentemente, toda a arte da lasanha se concentra em dois níveis:a massa o molho. Este pode ser vermelho/bolonhesa ou branco com queijos. O resto é fácil, é montá-la com cuidado e depois assá-la.
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Sempre achei curioso esse resquício ético da kashrut judaica na nossa alimentação (em especial essa questão dos suínos). O porco, ao contrário do que dizem e a despeito de seus habitats e hábitos, sempre me pareceu uma carne bastante limpa (e já ouvi muito isso, embora não tenha meios para comprovar).
Minha única ressalva, e por uma questão de gosto, mesmo, é assá-la bem, porque melhora o sabor, pra o meu paladar. Por exemplo, adoro comer bistecas de porco com pimenta do reino e pingos de limão, acompanhado de cerveja. Acho um excelente petisco. Se tiver azeitonas para acompanhar, melhor ainda!
Rapaz, que hábito engraçado, o das batatas.Nós temos dessas coisas. Eu, por exemplo, fico com vontade de comer pedacinhos de macarrão cru. E deve ser pela consistência.
Nunca soube que batatas cruas fossem tóxicas, mas acho que devem ser indigestas e podem estar contaminadas com protozoários e coisa e tal. Se forem bem lavadas, quem sabe.
Eu tenho uma verdadeira mania de carne e mato e como muito frequentemente na rua, durante a semana. Então, de tempos em tempos, tomo giamebil, aquele remédio fitoterápico de hortelã, muito eficiente e atóxico. Os restaurantes, em sua maioria, não lavam bem verduras e legumes. Uma falta de higiene boba, que vinagre resolveria.
Almoço com alguma frequência em um restaurante natural, perto do trabalho. O tempero é bom e às vezes tem grão-de-bico, que adoro. E a falta de gordura animal dá uma digestão leve, boa para quem tem meus hábitos.
Pela manhã, trabalho em casa, nos processos digitais. Saio e almoço em horário de sertanejo, às 11h30 e vou para o trabalho, ficando até as 06h30. Então a comida sem gordura me ajuda a não ficar pesado e com sono.
Falaste em molhos de queijo e eis aí um negócio que não me vai bem. Acho o gosto resultante muito forte e complicado e fico arrotando queijo o resto do dia.
Agora, um molho à bolonhesa bem temperado…
Em Braga, a gente percebeu que era muito mais fácil e barato comer porco. Na verdade, em Portugal, carne, assim em gênero, é porco.
Comprávamos porco moído, quinhentos gramas por menos de 2 euros! Punha-se um pouco de limão, um pouquinho de sal e um pouco de pimenta do reino e deixava-se apurar um tempinho.
Em uma panela grande, refogava muito alho – muito mesmo – cortadinho em pedaços finíssimos, em azeite, quando estava dourando, punha tomate cortado e esperava a água dele baixar um pouco a temperatura.
Depois, um copo cheio de vinho tinto na panela, fogo baixo, panela tampada, umas folhinhas de louro e hora de por a água do macarrão.
Sim, ia esquecendo do coentro ao final, de uma superioridade frente à salsa que está por ser afirmada sem meias palavras.
Meu caro, bolonhesa de carne de porco é outra coisa!
Uma vez perguntaste dos cheiros. Digo-te, boa parte da minha lembrança olfativa de Braga é de porco cozinhado. Onde houvesse um restaurante ou bar – dos mais comuns – estava esse cheiro.
E concordo contigo em que a carne de porco deve ser bem assada por conta do sabor. Não acontece com ela o mesmo que com a carne de boi, que mal passada fica melhor, por conta do sangue.
Grande abraço
Andrei, depois de falarmos tanto em carne suína, ontem preparei aqui em casa um lombo de porco com batatas que ficou ótimo. Terminei fazendo as batas gratinadas, num refratário à parte do porco.
Dessa vez fiz algo diferente. Em vez de ir despejando aos poucos, durante a cozedura, um copinho com o preparo dos temperos (misturo um pouco de água quente com um tablete de caldo de carne [a água quente ajuda na dissolvição], pouco sal, pimenta do reino e pimenta calabresa, coentro e bastante alho espremido), inverti o processo e deixei o lombo curtindo nessa água do tempero durante uma hora, depois foi ao forno. Apenas no final do processo, quando coloquei as cebolas e os pimentões no refratário do porco (nos últimos 15 minutos), é que adicionei um pouco dessa água-tempero em que o porco ficou curtindo no começo.
É recomendável colocar essa água porque no meio do processo o refratário vai ficando muito ressecado (pode fazer diferente, e enrolar a carne num papel laminado – o resultado também é ótimo, porque pode-se atingir uma tênue crosta bastante crocante na carne, depois que retiramos o laminado e o metemos no fogo novamente).
Como fiz uns breves cortes na carne, logo início, o tempero pegou muito bem depois da curtição, e a carne ficou deliciosa. O acompanhamento foi um arroz com pimentões, e as batatas gratinas com cebolas.
Há, ainda, umas opções, que não fiz porque não tinha as matérias-primas. Por exemplo, quando comíamos o porco, especulamos sobre como ficaria se adicionássemos brócolis ao refratário do porco. Possivelmente ficaria muito bom. Mas o brócolis também poderia ser colocado no arroz. A contra-indicação para isso é que o arroz ficaria muito pesado, e se o brocólis viesse no porco, junto aos pimentões, ficaria mais leve e saboroso.
Grande abraço, Andrei!
Ah. Já me esquecia… Ótima lembrança essa dos cheiros. É um hábito que tenho, o de notar sempre o cheiro dos lugares que visito. Não sei bem, mas sempre me pareceu que o cheiro dos ambientes carrega um tanto de suas transcendências (e não falo em metafísica, mas em sociologia e história, mesmo – é que as práticas sociais ao longo do tempo parecem encalacrarem-se no ar das ruas, nas paredes das casas, et cetera).
É uma impressão, apenas, mas parece fazer um pouco de sentido.
Quanto aos queijos, de fato, a densidade deles parece afetar o estômago. Os arrotos são consequ~encia disso. Dizem até que comer queijos não faz muito bem para quem usa muito das cordas vocais, sobretudo para quem as usa com o intento de cantar. Deve ser por causa da densidade deles, que acaba criando uma espécie de camada gordurosa na garganta e no estômago. Não sei bem. Meu pai quem diz que quando ele vai cantar, não come queijo, porque altera o tom da voz.
Consertando esse final. Não é o tom da voz que se altera, mas o timbre dela.
André,
Para evitar esse ressecamento, durante o assado, eu rego a carne com azeite e uso o fogo baixo. Realmente, o mais adequado é regar a carne de tempos em tempos, mas aqui tenho agido com certo comodismo.
Há pouco foi que resolvi experimetar mais as carnes marinadas com longa antecedência, de até um dia. Os resultados são ótimos.
Convém não exagerar com limão e vinagre e sal, porque apuram muito.
Convém não abusar basicamente de três coisas