Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Tocata e fuga em Ré menor, de João Sebastião Bach, para os dois lados do cérebro.

Sidarta, estimado, pensei em ti quando vi este magnífico vídeo. A melodia da Tocata e Fuga em Dó Maior, de Bach, é triste e insinua uma transcendência gloriosa, talvez temida, talvez com percalços, certamente tributária do platonismo para as massas, na sua melhor interpretação reformada. Em música, é o que Kant foi em filosofia racional cheia de deidades categóricas, disfarçadas em aparente racionalismo. Kant, afinal, é o São Tomás da Reforma.

Mas, não é isso que interessa, por aqui.

O vídeo e a música fazem pensar em limites e possibilidades das linguagens. Por um lado, o que se vê é matemática pura, porque tempos, tons e semitons, na escala cromática, são questões de divisões. Interessante é um mesmo significado ser apresentado por três significantes, ao mesmo tempo, o que nos permite perceber as diferentes abordagens que podem resultar dos hemisférios esquerdo e direito.

Vê-se, sob um aspecto, e escuta-se, também sob um aspecto, matemática. E com uma clareza imensa.

Ao mesmo tempo, o que se vê, os pontos e barras com tempos e intensidades e, mais, cores, é percebido espacialmente, em uma competência especial do hemisfério direito.E com a melodia, dá-se o mesmo, porque ela percebe-se em três dimensões, certamente em função das competências da metade direita dos lobos frontais.

Mas, esse lobos comunicam-se, por meio dos corpos calosos, e tudo percebe-se como um e vários! Já imaginaste como isso seria visto por alguém submetido a calosectomia? É pena que não se possa mais perguntar a Roger Sperry!

11 Comments

  1. Reginaldo

    Não entendi muito o texto, mas achei o vídeo impressionante!

  2. Andrei Barros Correia

    Reginaldo,

    Quis dizer que no vídeo, a forma de expressão visual que fizeram para a partitura da música conseguiu falar – ou ser percebida – tanto por linguagem, como por variação espacial.

    Assim, é como se falasse ao mesmo tempo para as duas aptidões que se destacam nos dois hemisférios cerebrais.

    Mas, está meio confuso mesmo.

    O vídeo é sensacional: é uma partitura em movimento e com cores e durações maiores!

  3. Andrei Barros Correia

    Quando falei em Roger Sperry foi porque ele era um neurocientista cognitivo que estudou pessoas com os hemisférios cerebrais separados, por serem submetidos a calosectomia, a cirurgia que secciona os corpos calosos.

    Neses casos, a linguagem passa a ser percebida somente no lado esquerdo do cérebro, se o estímulo for oferecido somente a ele. Não há comunicação.

    O que para nós pode parecer unificado, pode ser percebido como duas manifestações em alguém com os hemisférios separados.

  4. miguel

    Caro Andrei,
    A linguagem composta deste video é de facto fascinante, por isso resolvi partilha-la.
    Fez-me recordar uma certa questão doutrinária que um professor de direito autoral colocava relativamente ao facto de se considerar, ou não, a linguagem computacional actividade criativa e, como tal, objecto de protecção de direitos de autor; concluia que não, pois, esta resumia-se a uma linguagem matemática de 0/1. A criatividade, segundo ele, exigia algo de mais complexo ou inovador.
    Muito reflecti, inutilmente, sobre o assunto. Discordei.
    Ao ouvir e ver este video, assumou-me o fascínio de uma linguagem musical que se desnuda numa composição matemática, geométrica de tempos, tons e sons musicais.
    O ascetismo espiritual que Bach procura é claro, mas facilmente a sua construção se revela através do vídeo: simples, geométrica, racional. Propósito do espírito humano que procura construir deidades; certo meu caro, parece-me muito certo.
    Mas o que mais me fascina, para além da leitura que façamos da música, é precisamente a sua linguagem construtiva que fácilmente se poderia decompor em zeros e uns, em sequências mais curtas ou longas, mais altas ou mais baixas.
    Surge-me o seu confronto com a linguagem falada, a sua “aparente” multiplicidade e complexidade; e a pergunta – o que a compõe? o que traduz?
    O sentimento com que fico ao ouvir Bach é o de uma necessidade de fuga a esta linguagem.
    Um grande abraço meu caro amigo, sou feliz pelo dia em nos cruzamos.

  5. miguel

    P.S. Ando saturado da pretensa complexidade que se constrói em torno do óbvio. Não há pachorra!
    Um abraço.

  6. Maria José

    que show!!!!!!!!!

  7. andrei barros correia

    Caro Miguel,

    Interessantes as idéis do teu professor. Mas, não concordo com a falta de criatividade – ou originalidade – associada à circunstância de criar-se em linguagem binária. Realmente, é uma linguagem que torna tudo muito longo, muito extenso, mas é uma linguagem, portanto um veículo de criação de de percepção.

    Interessam-me bastante as percepções globais espaciais, ou seja, não codificadas a partir de linguagem.

    E foi por isso que o vídeo, que tu apresentaste, fascinou-me. Sim, porque estão lá coisas a se perceberam das duas maneiras, intrincadas uma na outra.

    Ao tempo em que as imagens – considerando-se só elas – fazem sentido e são apreendidas mentalmente, elas também expõem um código, um código matemático.

    Quero dizer, há lá o que ver-se mediatamente – decodificando-se o que está em linguagem – e o que ver-se imediatamente – apreendendo-se as formas puras. É fantástico!

  8. andrei barros correia

    Miguel, prezado, compartilho tua falta de paciência com as complexidades forjadas a partir do óbvio.

    E estou muito inclinado mesmo a isso, principalmente por andar a ler Nietzsche novamente.

    O patife do Platão, nos primeiros diálogos, nem era tão patife. Um poeta, na linha sucessória de Homero, talvez.

    Mas, quando a coisa tomou ares de postulação de dois mundos, de um mundo essencial, de idéias, de protótipos, a coisa complicou-se um tanto.

    Quando isso foi inteligentemente percebido por Paulo como uma boa base a somar-se ao profetismo hebreu, a coisa complicou-se mais.

    Quando isso tornou-se a base de uma tremenda instituição de controle social, hierarquizada, a coisa assumiu ares trágicos. Sim, trágicos, porque parece mesmo que não poderia ter siso diversamente.

    Já pensei muito o que poderia ter sido se fosse Heráclito a dar as bases intelectuais e não o Velho Testamento, Aristóteles e Platão. Mas, é pensar para nada, pois a história não tem se…

  9. Hugo Pastório

    Esta tocata é em Ré menor, e não dó menor!

  10. Andrei Barros Correia

    Hugo, então D significa ré? Queria confirmar para corrigir o título da postagem.

  11. Músico

    D significa ré, evidentemente!

    D de dorsal = costas = atrás = ré! Ora, bolas!

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