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Sarkozy e a Grécia.

Nicolas Sarkozy é mais um caso de dedicação aos patrões banqueiros – de venalidade e pequeneza – que de ignorância. Tanto é assim, que ele próprio gosta mais de ser apontado e tido como ignorante ou curto de idéias, como todo sujeito de má-fé e vendido e menor que as funções.

Todo governante a trabalhar contra as maiorias nacionais gosta de uma máscara caricatural que o retrate em tintas contrastantes como os tipos padrões do ridículo e do ignorante. E são sábios em desejar tal percepção, porque ela os aproxima do tipo popular. Enfim, é vantajoso ser caricaturado como tolo ou ridículo e é detestável ser retratado como desonesto.

Na semana passada, Sarkozy, em campanha para a reeleição, disse: Observem o que se passa na Grécia agora mesmo. E rematou com a pergunta: Quem gostaria que a França estivesse na situação da Grécia?

Aparentemente, uma assertiva e uma pergunta tão tolas quanto todas as que compõem as campanhas políticas. Mas, vamos com calma. A Grécia, hoje, é muito mais que um exemplo de crise financeira e fiscal, a Grécia é um exemplo de perda da soberania, de redução de um país à condição de protetorado ou colônia alemãs. É precisamente isso que é a Grécia hoje: uma colônia ao sabor das vontades da coalisão que apoia a senhora Merkel.

O primeiro-ministro grego não foi escolhido pelo parlamento, nem escolhido por um parlamento recém eleito, de composição diferente daquele que apoiava o demissionário. Acabou-se qualquer traço de democracia formal, pura e simplesmente. O mesmo deu-se na Itália, mas com menos escândalo, porque Berlusconi é um criminoso, o que minimizou a percepção de sua demissão absolutamente anti-democrática.

A primeira coisa em que se pensa, ao ler as considerações de Sarkozy, é em chantagem primária. Ou seja, o homem diria que é ele ou o dilúvio das crises financeira e fiscal. Não é só isso, todavia. Há mais por baixo da superfície, a revelar profunda sagacidade chantagista em Sarkozy.

Ele usou a bomba atômica da política francesa, a suprema chantagem emocional. Ao perguntar se os franceses querem estar na situação da Grécia, ele não propõem simplesmente a oposição entre estarem em crise ou estarem totalmente quebrados. Ele perguntou se queriam, estando quebrados, tornar-se colônia alemã.

O recurso à suprema chantagem sub-reptícia revela que Sarkozy não é burro e revela que está perdido nas eleições, porque usou o máximo muito rapidamente.

Sarkozy: sedutor de sapatos altos investigado por suborno.

As farsas têm público cativo. Quanto mais burlescas, superficiais e desempenhadas por personagens padronizados, mais chances de êxito com seu público têm.

Nicolas Sarkozy produziu encanto nos analistas políticos de revista Caras. São aqueles fulanos de frases rápidas, daquelas que julgam serem o máximo em graça e precisão, os ditos irresistíveis e impassíveis de objeções, enfim. No fundo, tolices com a superficiliadade própria dos deslumbrados amantes dos julgamentos sumários e dos personagens de filmes de entretenimento.

Quase toda personagem que estimula o próprio folclore indica duas coisas: primeiro, que está aquém de grandes postos; segundo, que desvia a atenção de seus desvios com a mitologia em torno a bobagens.

A mitologia de Sarkozy gira em torno da figura do amante sedutor, o que é o tipo de preocupação do espectador de novelas, mas não o tipo de abordagem que se dá ao Presidente da França.

A Gália escolheu não ter mais reis, por isso precisa de algo que se aproxime o máximo de um rei com mandato. O presidente na constituição da Vª República não é menos que isso: um rei com mandato. Ele pode ser de direita, de centro ou de esquerda, mas deve ter a dignidade do cargo.

O General De Gaulle produziu um efeito político interessantíssimo. Depois dele, só há duas formas de ser direita na França, a direita gaullista e a direita realista. Ambas são formas muito peculiares à França. A segunda só funcionou com Valéry Giscard D´Estaing, que se comportava mesmo como se fosse um rei para sete anos e talvez quatorze.

De Giscard pode-se dizer que aproximou-se um pouco do ridículo ao reestabelecer até mesmo o protocolo borbónico. Mas, não deu sua vida em espetáculo público, nem foi processado por supostas corrupções. Teve seus momentos de grandeza, foi proponente da Europa Federal.

Quando as opções à direita são por alguém que fuja às balizas gaullistas ou realistas, as coisas tornam-se arriscadas. E, o que pode dar errado geralmente dá.

Pois o Presidente da República Francesa está prestes a ser envolvido na investigação por pagamento de subornos na venda de submarinos ao Paquistão. Companhias francesas contratadas teriam pago suborno às autoridades paquistanesas e essas teriam retornado parte do dinheiro para a campanha de Edouard Balladur, em 1995. Sarkozy era ministro do orçamento, então.

Se as investigações marcharem e concluirem por envolvimento do Presidente, creio que de pouco lhe servirão os apoios de quem o vê como o sedutor apaixonado, o político eficiente e viciado em trabalho. Enfim, se concluirem que houve recebimento ilegal de fundos, a revista Caras e seus leitores dificilmente salvarão Sarkozy, a delícia de todos os analistas de cultura de revista.

Será curioso se ouvirem De Villepin…

Sarkozy faz jogo de cena.

O Presidente da França segue o receituário clássico para os mandatários de desempenho ruim, na política e na economia. Ataca o que não é causa dos problemas, mas que chama a atenção do público, porque ele encontra-se profundamente ligado ao imediato.

Dou-me ao luxo de escrever sem a menor preocupação com dados exatos. Não porque queira fazer ilações, mas porque as imprecisões não terão a mais discreta importância.Quem quiser, procure no google os números exatos, que devem ser muito próximos aos que presumo abaixo.

Ninguém que se ponha a pensar calmamente e preze um pouco o próprio intelecto acredita que os ciganos na França sejam a causa do que eles reputam problemas. Com quê os franceses estão preocupados? Com o desemprego, com a pequena diferença de rendimentos frente aos alemães, com o preço do pão, com a idade para reforma, com muita gente falando paquistanês nas ruas?

A França deve ter uma população à volta de 65 milhões de pessoas. Deve haver algo em torno de 10.000 ciganos neste país, o que significa menos de 0,1% da população total. Ou seja, apenas uma pessoa completamente leviana ou estupidificada pode supor que sejam a raiz de algum problema sério para o todo.

Deportar ilegalmente ciganos de nacionalidade romena ou búlgara, europeus, portanto, não serve a coisa alguma além de diversionismo e mudança de foco dos problemas reais e suas causas. É estúpido imaginar que dez mil pessoas causem problemas a sessenta e cinco milhões a ponto de precisarem ser tratados como os alemães fizeram a ciganos e judeus, sessenta e cinco anos atrás.

Sarkozy não é estúpido em tal medida, embora possa parecer, muito por conta do estilo que adota. Ele deve saber que os problemas da França não são apenas dela e que não está ao alcance de uma pessoa como ele aborda-los e mudar o rumo da história. O mal-estar francês e europeu em geral é muito mais difuso que um incômodo econômico.

Ele sabe bastante bem que os imigrantes em geral são necessários, porque há trabalhos que os franceses não fazem, e aqui não falo propriamente de ciganos, grupo que se convencionou dizer avesso ao trabalho. Sabe também que os sistemas previdenciários necessitam dos imigrantes, porque sem eles estariam mais quebrados ainda.

Ele sabe, enfim, que essa estória toda de imigrantes serem problemas é uma grande e profunda mentira e sabe que o problema real será quando essas pessoas quiserem imigrar para a China ou para os vizinhos dela. Aí, estará formado o clube dos velhos sem cuidados e sem forças para apertar um parafuso. Aí, sim, haverá problemas.

O público vive um mal-estar que é da decadência. Não necessariamente da decadência econômica, que seria leviano chamar assim a quem tem uma renda média per capita de 30.000 euros. Nem está o problema no fato dos vizinhos alemães terem essa renda média em 31.000 euros, que isso é desprezível e vive-se melhor em França que na Alemanha.

Essa decadência é o enfado da vida, que se vai vivendo dia-a-dia sem que o posterior seja diferente do anterior. Não há remédio para ela senão pensar nela, a fundo, historicamente. Um pouco como Antero de Quental propôs sobre a decadência de que ele falava dos povos ibéricos, nos últimos três séculos.

A energia vital decaiu, pouco importando para isso que haja ciganos, africanos, paquistaneses ou quem quer que seja. Esses, ajudaram a Europa a viver a decadência com serviços baratos e alguém para falar mal.