Muito se tem falado em corrução, presentemente, em termos de moralismo político. Muito embora seja abordagem quase destituída de sentido, por difusa e histérica, aponta para algo que se repete na história: o escândalo com o poder social do dinheiro.
Vários períodos históricos viram a acusação veemente do excessivo poder social do dinheiro e poucas coisas em comum tinham estes períodos, exceto terem-se revelado épocas de transição, em que não se anunciavam claramente os novos princípios retores a predominarem na sociedade.
O dinheiro, ao contrário do amplamente aceite, não é uma força primária de conformação social. Os destacados princípios hierarquizadores das sociedades são pertencimentos a raças, clãs, religiões, círculos intelectuais. O dinheiro destaca-se como critério de hierarquização quando os princípios primários recuam na sua importância. Ele impõe-se no vácuo dos outros, embora esteja sempre presente, como força meio.
Afastando-se de concepções puramente economicistas da história, percebe-se que toda a dinâmica social não está em função do que se pode comprar, embora seja notável uma aceleração desta motivação, a partir de quando a quantidade de coisas passíveis de aquisição aumentou muito.
Em momentos históricos de pouca disponibilidade de coisas comerciáveis, o dinheiro raramente sobrepõe-se a outros princípios de poder social, embora o público o anuncie com surpresa e escândalo. Raramente sobrepõe-se ao poder social do guerreiro ou do sacerdote, até bastante recentemente.
Não é demasiado, nem deve ser escandalosa a menção por si só, lembrar que no medievo europeu o dinheiro, ou pelo menos grande parte dele, estava em mãos dos judeus e estes eram destituídos de poder e ocupavam baixa posição na hierarquia social. Evidência do predomínio de outras fontes de poder social, como religião e raça.
Crises de transição histórica geralmente oferecem o espetáculo da acusação indignada do poder do dinheiro, que nada mais é que o libelo confuso contra uma corrução crematística, por parte de quem se vê na correnteza de águas turvas sem saber para onde vai. O surto moralista e moralizante é muito efeito do aturdimento com o entorno em mudança. Incompreensão, enfim.
Todavia, a afirmação do poder do dinheiro – não sua acusação como falta ou consequência de corrução – passa a fazer mais sentido na sociedade industrial, porque a oferta de coisas aumenta exponencialmente. Se não assume realmente condição de princípio primário de poder social, atua em paridade com outros que se destacaram mais preteritamente.
Alguém poderia ver nisso algo positivo, na medida em que o critério hierarquizador das sociedade assumiria ares mais objetivos, a partir da detenção de dinheiro. Sucede que esse modelo levado aos limites eliminaria a própria base do avanço técnico e consequentemente material da sociedade. Se os homens de idéias e de ciência virem-se destituídos de qualquer poder social que emane precisamente desta condição, é previsível que seu número reduza-se até o ponto do regresso técnico.
Seria, assim, demasiado audacioso vaticinar o predomínio do dinheiro como fonte primária de poder, a fazer sucumbirem todas as outras. Principalmente porque as organizações de marca clerical, como as religiosas, acadêmicas e as militares sempre se insinuarão a fazer, no mínimo, papel de intermediação.
Mas, o destaque do dinheiro como fator de poder é notável e crescente. De minha parte lamento apenas pelo correspondente recuo na sensibilidade estética e cultural. Não é preciso ter artesãos dedicados para saciar a vontade do possuidor de muito dinheiro. A indústria sacia o colecionador de bens materiais…