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Estado mínimo é a proposta dos que não vivem sem ele.

O capitalismo brasileiro nunca teve discurso coerente com sua realidade, excepto por um e outro sujeito mais honesto intelectualmente. Sua realidade é de simbiose ou parasitação do Estado, ou seja, de lucros privados e prejuízos públicos. Mas, a coisa apresenta detalhes mais profundos, que evidenciam a desonestidade da repetição acrítica do discurso do Estado mínimo, precisamente por aqueles que predam o Estado.

Esta opção, a do discurso do Estado mínimo, parece atender a uma necessidade de se parecer crítico e de se renderem homenagens ao liberalismo teórico. O capitalista brasileiro típico sente-se mal no seu hibridismo e precisa disfarçá-lo; precisa, pois, afirmar um desejo que na verdade é profundamente inverídico.

A necessidade de distinção relativamente aos predadores sinceros visa a marcar uma aparente posição de modernidade – um tremendo anacronismo, pois sabe-se que essa modernidade é o dia-a-dia – e buscar aceitação social. Passa por afirmar um discurso que seria a sua absolvição teórica da tremenda apropriação de riquezas sem correspondentes méritos.

Se, de fato, esse grupo fosse composto por livres empreendedores que chegaram onde estão sem quaisquer ajudas estatais, o discurso estaria bem posto e significaria uma notável iniciativa de honestidade intelectual e de assunção de riscos políticos. Todavia, é mentira, porque a realidade os desmente impiedosamente.

Não é o caso de se alinharem aqui todas as formas de simbiose e predação do Estado pelos falsos livres empreendedores brasileiros.  Mas, convém dizer que o Estado mínimo seria a ruína desses hipócritas sem limites que o propõem. E, um e outro exemplo pode vir a calhar para o desenho dessa impostura.

Todos os grandes empreendimentos capitalistas brasileiros contaram com subsídios públicos, seja por via direta, seja por isenções tributárias, seja por empréstimos baratos. Assim funciona por toda parte, apenas não se o deve negar! Contaram ainda com subsídios indiretos, menos perceptíveis, como são as escolhas pontuais dos investimentos do Estado em infra-estruturas.

Se pensarmos nos empreendimentos médios, basicamente não industriais, a coisa é também evidente, embora pouco mais disfarçada, e talvez mais escandalosa. Deu-se que o Estado, apropriado privadamente pelos que falam mal dele, retirou-se de setores fundamentais de serviços, a que está formalemte obrigado. Falo, evidentemente, de saúde e de educação.

Nunca foi grande problema a omissão Estatal, desde que ela gere problemas somente para as camadas mais pobres da população, porque a constituição cumpre-se segundo as circunstâncias e seus intérpretes estão a serviço dos predadores do Estado. As questões do descumprimento de um e outro direito constitucional têm visibilidade quando são, na verdade, questões menores elevadas a espetáculo.

Na educação, o Estado retirou-se quase totalmente dos níveis básicos e parcialmente do nível superior. Abriu, assim, espaço para os prestadores privados. Estes últimos não ocuparam o espaço à força de empreendedorismo tomador de grandes riscos, como seria o caso em um sistema liberal puro e coerente consigo mesmo.

Obtiveram do Estado, que controlam e que se retirou de onde deveria estar, benefícios como as isenções fiscais e a mentira escandalosa das entidades sem fins lucrativos. É um panorama maravilhoso de escolas beneficentes, em que a benemerência curiosamente levou seus donos à riqueza!

No caso da educação de nível superior, a coisa vai mais além, porque os preços cobrados são ainda mais elevados e os subsídios ainda maiores. O mesmo Estado que deve ser mínimo – no discurso desses intrépidos empresários – praticamente isenta faculdades privadas do pagamento de tributos e financia o pagamento pelos serviços.

Ora, se o Estado renuncia a tributos e financia os alunos para que paguem a instituições privadas, porque não gasta esse dinheiro na criação e manutenção de universidades públicas? Ou, do contrário, se o Estado deve ser mínimo, porque não deixa as universidades privadas entregues à sua maravilhosa sorte de livre iniciativa?

O divórcio entre o discurso e a prática fica evidente na postura dos empreendedores, que são intermediários dos dinheiros públicos e não querem a atuação direta do Estado. Ora, isso não é Estado mínimo, é Estado a transferir dinheiros recolhidos de todos – por meio de impostos – para poucos prestadores de serviços que deviam ser públicos e para grandes industriais.

Alguns pretendem inserir uma pouca de sofisticação no discurso, alegando que não se trata do Estado abster-se de dispender recursos, mas que se trata de sua suposta incapacidade gerencial, o que não recomendaria sua presença direta nas prestações. Isso é mais uma variante da falácia, agora acrescida do lugar-comum tolo da capacidade gerencial.

Do ponto de vista gerencial – para usar o termo da moda – é uma estupidez acrescentar intermediários a uma cadeia de instituições cujo objetivo é prestar um serviço. Além disso, em setores de fortíssima demanda, que raio de diferença a capacidade gerencial vai fazer, se se trata de algo que todos querem?

Mais uma sub-variante dessa estória de capacidade gerencial é aquela da prestação por locadores de mão-de-obra. Segundo os teóricos do assalto disfarçado, seria mais barato contratar empresas locadoras de empregados que tê-los diretamente assalariados, porque os custos tributários estariam excluídos.

Aqui, a coisa é mais de mentira escancarada que de argumento sofisticamente elaborado. Os custos tributários – previdência, imposto sobre renda e fundo de despedimento arbitrário – serão pagos por alguém, obviamente. Esse alguém é o próprio Estado, o locador dos empregados, porque o locatário não é um filantropo, mas um predador brasileiro a discursar pelo Estado mínimo!.

Convém ainda lembrar que esses locadores de mão-de-obra provavelmente quebrarão ou mudarão de nomes e de sócios, promovendo a insolvência e a confusão. E aí, o maldito Estado virá em socorro dos empregados, que afinal são a parte mais fraca mesmo, e pagará tudo diretamente. A empresa locadora provavelmente terá quebrado, mas busque alguém saber se os sócios terão…

Em busca de exemplos, posso seguir alinhando os mais diversos, mas seria cansativo e até inútil. Importa somente mencionar, pela magnitude do saque e da hipocrisia, o caso da saúde provida por hospitais privados que recebem dinheiro do Estado. A maioria reclama a cada minuto, mas não vive sem esta simbiose. Se o Estado paga pouco por algum procedimento, inventam-se procedimentos e pronto, fiat lux.

No fim e ao cabo, é mais uma postura a revelar o quanto de mentira permeia o discurso das classes mais elevadas da sociedade brasileira e que consegue seduzir alguns daqueles que são prejudicados pela proposição. O problema é que a mentira, no fundo, é percebida e gera uma ambiente em que o vale-tudo e a hipocrisia são elevados à normalidade e a valores inevitáveis.

Graças a Deus por tudo: heresia ou insinceridade?

Dissemina-se qual uma praga de gafanhotos e com os mesmos efeitos destrutivos a mania de tudo agradecer e imputar a um Deus. Falo em um Deus, assim no singular e com letra maiúscula, porque são tantos grupos a reivindicar deuses próprios como suporte de seus códigos de polícia moral que deve haver vários deles mesmo. E uso a maisúscula em respeito ao único, se houver, tão vilipendiado pelo uso indiscriminado e vulgar dessa palavra.

O problema de agradecer-se a Deus qualquer coisa é que isso é uma racionalização. E, no campo da razão, as coisas agradecíveis a Deus são, tanto prováveis, quanto improváveis.

O outro problema é que consiste em falta de sinceridade galopante. Se a proposição de Job faz sentido, ou seja, que Deus dá e retira e não está em causa indagar das razões, as proposições das pessoas são mentiras.

Vêem-se, em grande número de carros, de comentários, de quase tudo, coisas do tipo: foi Deus que me deu, graças a Deus tenho isso ou aquilo ou, ainda, esse coisa pertence a Deus – esta geralmente em automóveis.

Acontece que não correspondem essas afirmativas ao que os afirmadores têm nos seus íntimos. Se o sujeito perde o carro que dizia ter por doação divina ou ainda que dizia ser de Deus – incoerência suprema – fica com raiva e não se resigna como deveria se fosse o caso realmente de ganhar-se ou perder-se algo por vontade de Deus.

Ora, se alguém diz que tem algo porque o ganhou de Deus, deve assumir que o pode perder por desígnio desse mesmo Deus! E se algo perde-se porque Deus o quis retirar, não é dado ao depositário temporário insurgir-se contra isso, ou ficar com raiva, ou buscar indenização, ou matar, ou recorrer ao seguro, coisas que sempre ocorrem.

Se essas proposições têm a pretensão de serem racionalizações válidas, seus proponentes devem dizer que ganharam ou perderam alguma coisa graças a Deus. E dizer verdadeiramente, ou seja, com uma prática coerente com o dito.

Racionalização muito mais válida e ademais sincera é retirar as contingências materiais da vida da esfera do que é dado ou retirado por Deus. Reservar a esse Deus o que pode ser divino, que não inclui a distribuição de presentinhos aos funcionários de alguma agência de publicidade que usa seu nome.

É deixar de crer que um Deus pode ser agradado por discursos advogadescos e frases incoerentes, como se busca seduzir um juiz para ganhar uma indenização. Homenagens e agradecimentos mentirosos e efusivos fazem-se às pessoas, exatamente porque só se fazem entre iguais.

Ou vão assumir que esse Deus de que tanto falam, no fundo reputam-no uma pessoa qualquer?

Mentira em pura forma.

O recurso ao disfarce, à mentira e à hipocrisia deve-se a quê? A primeira inclinação é responder que se deve à busca de poder. Realmente, a profusão de teorias sobre a razão de Estado e os meios de excepção parecem confirmar a resposta.

Esses comportamentos têm no poder algumas de suas explicações, mas não todas. Assumindo-se que são instrumentos, talvez deva-se modificar o enunciado para indagar a quê visam e, não a que se devem.

Pois há diferenças nem tão sutis entre serem consequências e serem meios de obtenção e manutenção do poder. Haverá ainda maior diferença, e verdadeira confusão, se aceitarmos que podem ser causas eficientes!

Ou seja, há três possibilidades, seguindo-se esse raciocínio: o poder gera o disfarce, a mentira e a hipocrisia; o poder implica essas condutas; ou o poder é gerado por essas condutas.

Todavia, se isolarmos as proposições e as analisarmos, podemos chegar à desconcertante conclusão de que não existem as relações entre as condutas e o poder. Pelo menos, de que não são relações necessárias.

Por exemplo, com relação à proposição de que o poder gera as condutas pode-se perceber que estas, muitas vezes não são engendradas pelo poder, mas por outras causas, sendo a vergonha uma delas. E, além disso, há poderes que não ensejam o recurso ao disfarce, à mentira e à hipocrisia, mas ao fanatismo em que se acredita sinceramente.

Estas condutas também não são os únicos instrumentos para o exercício do poder e sua manutenção. Há poderes que se fundamentam na mais desconcertante sinceridade e adesão ao que se vê claramente. Basta lembrar, como exemplo, da influência que um místico pode desempenhar em admiradores, ainda que seja um místico efetivamente recluso.

Por fim, há poderes que não nascem da prática da mentira, do disfarce e da hipocrisia.

Para mim, o que fica bastante claro, a partir dessa análise rapidíssima, é que as relações entre duas coisas, sendo ambas humanas, são muito mais profundas que simples operações singulares de mão única. Dois termos de uma relação entre condutas e fatos humanos podem relacionar-se ao mesmo tempo como causas, efeitos e meios.

Essa alteridade – ou confusão mesmo – não invalida a relação, antes a confirma. O que fica invalidado é o estabelecimento de causalidades únicas e necessárias.  Pois não há este comportamento ou fato humano que se deva ou que cause – isoladamente – outro.

Alguém mais dogmático diria que a invalidação da causalidade exclusiva significa que o recurso ao disfarce, à mentira e à hipocrisia apontam que essas condutas são inclinações humanas. Sim, isto é óbvio, mas convém lembrar que são inclinações que não compõem o acervo comportamental de todos os humanos ou, pelo menos, não estão presentes em todos os momentos.

Dizer que algo é humano é o mesmo que afirmar a pedridade da pedra, ou seja, é o princípio de identidade. A questão não passa pela identificação entre o substantivo e o adjetivo a ele referido pois, no limite, são iguais.

A questão passa pela potencialidade do humano, o que não deve ser confundido com liberdade, assim entendida no sentido moral vulgar. O disfarce, a mentira e a hipocrisia são criações, ou seja, são não-seres. Nesse sentido, é útil pensar em arte, que é criação e não ser para ser.

Claro – e esta advertência nunca será demasiada – que não identifico essas condutas à arte, nem faço apologia delas. Convoco a percepção da natureza de uma coisa humana – sua forma de fazer-se – para fornecer uma comparação apta a fazer perceber a origem de outros produtos humanos.

Acontece que o não-ser da conduta humana é uma redução potencial do ser ou, se se preferir, a aceitação do ser-se menos do que se é. Para que se distinga claramente, deve-se ter em vista que o não-ser da arte é uma criação. E, para que as objeções de almanaque não fiquem felizes, o caso do ator não é de conduta, mas de produção de algo diferente dele.

A conduta falsificada é inumana sem ser divina. Ter fome e dizer que não se a tem, é humano e social. Ter fome, dizer que não a tem e acusar quem tem e o diz de mentiroso é inumano, é falso.

O êxito dessas falsificações como instrumentos de poder dá a imagem da pequeneza do poder.

Abandonemos a estupidez. Não há destempero de Dunga. Há perseguição da Globo contra ele.

Não é advertência inútil.

A menção ao lugar-comum da moda – destempero – deve-se à preferência quase unânime por ele. Querem dizer desequilíbrio que, de resto, seria a palavra adequada se realmente ocorresse.

O que ocorre é retaliação da Rede Globo, de forma patife, ao treinador da equipe brasileira porque ele não presta absoluta vassalagem e submissão aos interesses dessa corporação mediática. Atacam-no segundo seu roteiro de costume, na televisão e no jornal diário que mantém.

No jornal, atacaram-no com uma mentira. Disseram que a Fifa estudava puní-lo por dizer palavrões, o que foi desmentido pela entidade futebolística. Ou seja, sem eufemismos ou lugares-comuns, era mentira.

Os palavrões que o Dunga tenha dito são tolices de uma desimportância imensa. Nem Carlos Lacerda daria importância a palavrões de um treinador de equipe de futebol! Existem grosserias imensas que são realizadas sem a pronúncia de um único palavrão e, nem por isso, deixam de ser grosserias.

Parece que o recurso à escandalização da trivialidade está a revelar-se improdutivo para a Rede Globo, todavia. Algumas enquetes sobre a polêmica criada deliberadamente apontam que as pessoas, entre Dunga e a Globo, ficam com o primeiro, por larga margem. Sinal de que a tolice e a iniquidade nem sempre triunfam.

Nesse caso, a Globo parece estar sem saídas, pois nada indica que consiga passar à segunda etapa do programa. A primeira, como sempre, é acusar o alvo de desequilibrado, louco, ou incapaz. A segunda é acusá-lo de desonesto. Talvez, à falta de deslizes que possam configurar alguma desonestidade, a Globo siga seu roteiro, desta feita como farsa grotesta. Ou seja, que procure seguir seu caminho de aprofundamento da mesquinharia.

Vão ridicularizar suas roupas – como se isso tivesse alguma importância – vão falar dos seus cabelos, vão apontar algum plural esquecido em alguma entrevista. Vão seguir seu rumo de tentar destruir quem se interponha, ainda que minimamente, no seu desejo de predomínio absoluto.