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Acabaram-se os plurais!

O título não é grande exagero; foram-se embora os plurais da língua falada pela imensa maioria das pessoas no Brasil. É engraçado, mas ainda impressiono-me com isso. Não é que ache bom, nem ruim, apenas feio.

Como acontece com quase tudo, o fenômeno é pouco distinto por classes sociais e econômicas, ou seja, permeia quase todas elas. É uma supressão democrática, ampla, geral e quase irrestrita.

Uma coisa tem-me chamado bastante atenção, é o seguinte: estou a falar com alguém que não usa plurais; uso as flexões de número porque habituei-me a elas e uso-as naturalmente; o interlocutor não percebe a diferença, ou seja, não se sente corrigido, nem provocado, nem coisa alguma; quer dizer, simplesmente deixou de perceber isso!

O comentário do parágrafo anterior explica-se porque seria sintomático que alguém percebesse nos plurais do interlocutor a falta deles na própria fala. E que assim percebendo, talvez se sentisse acusado de erro ou insinuadamente acusado. Não que alguém – eu, por exemplo – use dos plurais para acusar os outros, que os não usam, mas seria uma reação possível.

A indiferença como reação – ou falta dela, mais corretamente – significa que o normal é a falta de plurais, ou seja, os artigos flexionados indicando substantivos singulares, uma ilogicidade, mas, enfim, tornada normal.

Tento compreender as razões disso. Não quero fazer tese de investigação científica, mas fico a testar hipóteses mentalmente. Lembro-me que é relativamente comum as pessoas aproximarem as formas faladas, para obterem identificação com os interlocutores. Assim, conforme o meio e o interlocutor, fala-se mais ou menos sofisticadamente.

Mas, a supressão quase geral dos plurais na língua falada não se explica pelo que supus no parágrafo acima ou, pelo menos, não se explica somente por isso. Porque essas assimilações propositais soam artificiais e acabam por trair o propósito inicial de gerar identidade e simpatia.

Pensei também na lei do menor esforço ou, por outras palavras, na preguiça. Pensando bem, todavia, pareceu-me pouca razão, porque a flexão é fácil e implica poucas letras e poucos fonemas a mais.

Obviamente, pensei no hábito, e acho que é a razão. Porém, uma razão para o processo já em andamento, não uma razão inicial, por que não há hábitos iniciais. Por outro lado, lembro-me que o hábito não é tão amplo na língua escrita.

Aproveitando para escapar à busca por causas primeiras e reportando-me ao dito sobre língua escrita, passei a outra coisa interessante: uma significativa parcela dos que escrevem com plurais fala sem eles! Nesses casos, deve-se aceitar um divórcio completo entre o escrito e o falado.

O escrito é geralmente assumido como algo muito diferenciado, como um código difícil, a ser utilizado restritamente por possuidores de grandes segredos. É óbvio que o falado e o escrito são coisas diferentes e que o escrito, por exemplo, não reproduz as repetições e hesitações do falado. Todavia, a diferença entre os plurais e a falta deles é de outra natureza.

É um hábito que mostra o desprezo pela normatividade da gramática, por um lado, e pela lógica, por outro. Quanto à normatividade gramatical, pouco problema há, porque ela muitas vezes não tem com a lógica. Ora, se eu falo duas vaca, o duas já mostrou o plural, que a flexão no substantivo apenas vai completar.

Mas, se eu digo as porta, flerto com a preguiça e a falta de lógica, porque poderia ter dito a portas, cumprindo a mesma função e seguindo a mesma razão. Definindo, não há como escapar à necessidade de definir o número no substantivo.

O caso é que tornou-se normal, absolutamente normal e costumeiro. E que muitos, que abolem os plurais, sentem-se plenamente à vontade para apontar outros equívocos de pouca importância na fala de outros. Eis a guerra dos surdos contra os cegos…

Um conselho de Fradique Mendes.

O final do almoço, Pierre-Auguste Renoir

C. Fradique Mendes é das criações mais deliciosas de Eça de Queirós. Claro, é um caráter feito de superficialidade, dandismo, intelectualidade de mostrar em salão, ironia. Um flâneur de um mundo cujo centro estaria em Paris.

A obra consiste em um volume com a primeira parte chamada Memórias e Notas e a segunda chamada As cartas. Recolho um trecho da quarta carta, em que Fradique comunica a Madame S. algumas opiniões sobre o desejo desta senhora de ter seu filho perfeitamente instruído na língua castelhana.

Não pretenda alguém ver no trecho adiante sugestão ou conselho meu próprio e lembre-se, a propósito, da ligeireza e ironia que fazia a personagem de Fradique. Se há sugestão, é dele, do grande mundano português do século XIX, não minha, que me falta arte para tanto. Bem o queria, mas…

Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra; todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afetivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do caráter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila, introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo. Rue de Rivoli, Calle d´Alcalá, Regent Street, Wilhelm Strasse – que lhe importa? Todas são ruas, de pedra ou de macadame. Em todas a fala ambiente lhe oferece um elemento natural e congênere onde seu espírito se move livremente, espontaneamente, sem hesitações, sem atritos. E como pelo verbo, que é o instrumento essencial da fusão humana, se pode fundir com todas – em todas sente e aceita uma pátria.

Vitória futebolística não é inutilidade social.

Muitos seres mais pragmáticos que o pragmatismo praguejam contra as celebrações decorrentes de vitórias futebolísticas. Dizem – para ficarmos no episódio evidente da Espanha – que os espanhóis não terão melhoradas suas condições de vida, que o desemprego não recuará e que a idade para reforma continuará a mesma, a despeito de terem vencido o mundial de futebol.

Outros trilham o caminho inverso da tolice e ficam a dizer que estudos científicos atestam que os países ganhadores de mundiais apresentam crescimento econômico entre 0,258% e 1,473% superior ao de países que não ganharam! Ou trilham pela vertente da auto-ajuda que se pretende neurociência e dizem que a vitória produz um estímulo psico-social benfazejo que impulsa o país adiante, porque melhora a auto-estima e coisa e tal.

Esses dois pólos de abordagem têm em comum a necessidade de instrumentalizar o futebol. Ora, para instrumentalizar o futebol como meio de ganhar rios de dinheiro tem-se a Fifa!

É circo a inebriar as massas? É, sim, e daí? A política, as religiões também o são, e muito mais nocivas.

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