Duas postagens sobre o mesmo assunto é chato. Mas, pior seria uma mesma postagem com uma enorme transcrição, ainda que seja de Eça de Queirós. Por isso, segue a parte final da carta a Madame S., em que Fradique oferece um exemplo a ilustrar o que vinha teorizando sobre o domínio de línguas estrangeiras.
Eu tive uma admirável tia que falava unicamente o português (ou antes o minhoto) e que percorreu toda a Europa com desafogo e conforto. Esta senhora, risonha mas dispéptica, comia simplesmente ovos – que só conhecia e só compreendia sob o seu nome nacional e vernáculo de ovos. Para ela huevos, oeufs, eggs, das ei eram sons na Natureza bruta, pouco diferençáveis do coaxar das rãs, ou de um estalar de madeira. Pois, quando em Londres, em Berlim, em Paris, em Moscou, desejava os seus ovos, esta expedita senhora reclamava o fâmulo do hotel, cravava nele os olhos agudos e bem explicados, agachava-se gravemente sobre o tapete, imitava com o rebolar lento das saias tufadas uma galinha no choco, e gritava qui-qui-ri-qui! co-có-ri-qui! có-rócó-có! Nunca, em cidade ou região inteligente do universo, minha tia deixou de comer os seus ovos – e superiormente frescos!