O discurso do desarmamento no galinheiro alheio é meio de roubar-lhe as galinhas. Nesse assunto – como geralmente nas coisas sérias de vida – vale o tudo ou nada. O contrário é hipocrisia e moralismo de escravos, de jornal das oito da noite. Ou seja, coisa que pressupõe superioridades morais que não existem nas relações internacionais.
Com relação à detenção de armamentos nucleares, pouco não é diferente de tudo. Para o mundo, é indiferente que um, dois ou mil países detenham armas nucleares, pois os riscos são os mesmos. Diferença haveria se nenhum as detivesse: essa é a verdade despida dos mil-e-um acessórios que existem para estupidificar a discussão.
A pergunta óbvia que esclarece o raciocínio é a seguinte: por que eu quero que você não tenha bombas atômicas, embora queira eu tê-las? Porque eu quero mandar em você, roubar-lhe e ser árbitro final de suas decisões.
Mas eu digo que você não pode tê-las porque elas só estão seguras comigo. Por que essa idéia obtém tantos adeptos, a repeti-la como a um frase mágica? Porque é a idéia mais tola e falsa e, precisamente por isso, a mais apta a ser maioritariamente seguida.
Embora canse e não atraia atenções, um pouquinho de lógica vem a calhar. Se alguém, ou mais de um, têm bombas em quantidades suficientes para dar cabo do mundo, não há qualquer sentido em afirmar-se que a segurança mundial diminui se outros mais as tiverem. O elemento principal, que deve ser apontado como qualquer obviedade deve, é a quantidade suficiente para acabar com tudo. Pronto, eis o risco, o número mágico; depois disso, o absurdo.
Para manter-me honesto comigo mesmo devo dizer que haveria também diferença se apenas um as detivesse. Sim, porque bastaria a ele ameaçar usa-las. Mas essa suposição é inútil, por duas razões: a primeira, de cunho fático. Ora, as armas nucleares são possuídas por mais de um, então, volta-se ao caso de a única solução ser ninguém as deter.
A segunda razão é que um mundo em que só um as detivesse seria a dominação absoluta e a redução dos restantes à mais aviltante subserviência e miséria. Algo difícil de afirmar-se preferível a qualquer outra situação, até mesmo ao fim total.
A bomba é das coisas mais geniais que já se inventaram, ao lado da penicilina e dos opiáceos sintéticos. Ela é a maximização do poder de negociação, com os menores custos. Ela é, inclusive, o que torna as escaladas militares o contra-senso de despesas absurdas que se vê. Prova que o complexo industrial-militar – na terminologia brilhante de Eisenhower – é um sistema auto-alimentado e sem sentido.
Depois das 100 ogivas e dos mísseis para leva-las, quem precisa de biliões de dólares gastos em navios, metralhadoras, soldados e outras coisas mais deste gênero? Quem precisa são os militares e os industriais que vivem em perfeita simbiose para roubar o dinheiro do povo pagador de impostos.
Os países roubam-se e isso não constitui qualquer novidade. Rouba quem pode e é roubado quem não pode evitar e tem o que ser levado. Depois do assalto consumado, o aparelho de propaganda vem fazer seu serviço de convencer os roubados de que nada aconteceu, de que se trata de livre mercado, meritocracia e outras tolices mais.
Sempre roubou-se e sempre se produziram discursos para justificar os roubos. Uns roubam para civilizar, outros roubam para converter a uma fé. Alguns não são roubados porque conseguiram evita-lo.
O Brasil é um país extremamente atraente para ser roubado. Hoje, nem tanto o roubo da força de trabalho, que essa é melhor de roubar-se na Ásia. Mas, quanto a recursos naturais, é bastante atrativo. Trata-se de óleo combustível, minérios sólidos metálicos e não-metálicos, água e soja, basicamente, embora não apenas.
Coisas que, não à toa, a propaganda vem dizendo que serão menos necessárias, por conta do avanço tecnológico. Discurso para tentar convencer os roubados de que seus recursos valem ou valerão pouco. Mentiras, enfim, porque não há tecnologias que permitam a redução significativa da demanda por tais recursos.
Mentiras rasteiras que seduzem pseudo-modernos com discursos pueris como, por exemplo, o do carro elétrico. Ora, a energia que move o carro elétrico não sai do nada, ela sai da queima de alguma coisa que alguém deixou de comer, das quedas d´água, da fissão do urânio…
A única forma de equalizar a produção e o consumo de recursos naturais e, consequentemente, a necessidade de rouba-los, seria o que ninguém quer falar: o empobrecimento de quem está mais rico. Claro que acontecerá, mas haverá percalços.
Para não sermos roubados, mais imediatamente falando de óleo, precisamos da bomba. Claro que precisamos dos seus vetores, os aviões, mísseis e submarinos, mas isso é o mais fácil. Precisamos da bomba, a despeito de tratados de imposição de subserviência – como o de não proliferação nuclear.
Coisas de pequena monta, bastando lembrar o exemplo israelense, que revela a desimportância de ONUs da vida e suas resoluções, reiteradamente descumpridas por Israel sem quaisquer consequências pois, afinal, Israel tem a bomba e a ONU que se f… A imprensa cuida bem de demonizar os outros por tolices e fazer esquecer quem descumpre os papéis da ONU, com sucess0 e, provavelmente, com a anuência da própria ONU.
Há um risco? Sim, há. De termos a bomba e passarmos a querer, além de evitar o roubo dos nossos recursos, roubar os dos outros. Há precedentes disso? Muitos, basta lembrar o que fazem todos que as detém em nome de sua segurança.
Risco foi tê-las inventado…
Enfim, um pouco de lógica sobre o assunto!
Embora contrário ao desenvolvimento da bomba pelo Brasil, devo agradecer pela excelência do texto: o bom uso do vernáculo, da lógica e da capacidade analítica, tudo isso sem destilar ódios nem impor pendências ideológicas, proporcionou bons momentos de leitura e muito boas seqüelas para minhas reflexões.
Evidentemente abraço a alternativa mais radical: não haver bombas para ninguém. Mas alerto: ainda assim seremos roubados porque sempre haverá o mais forte roubando o mais fraco. Gostaria muito que o Brasil se encaixasse naquela classe dos que escapam de ser roubados.
Tenho esperança que consigamos direcionar nossa criatividade para nos incluir nessa classe.
Parabéns.
Saudações.
Gostei, só acho baixo o número de submarinos e de Rafales que voce está sugerindo; também é importante o desenvolvimento de um missil capaz de voar uns 3500 km e poder entregar um cartão de visitas (ou de Natal) em Miami ou até em Madrid. Aqui para a America Latina os cartoes poderiam ser entregues de avião mesmo.
Sidarta,
Pois é, com os mísseis, os 60 Rafales e 10 submarinos seriam vetores suficientes. Fiz as contas assumindo mísseis também.
E os Scalp/Storm Shadow franceses são vetores valiosos. Mísseis de cruzeiro stealth, do tipo fire and forget, com capacidade nuclear também.
Esquecendo o que já foi mandado esquecer pela igreja católica, de que os judeus mataram Jesus, é muito interessante nessa questão de defesa do território analisar a lógica israelense.
Israel está comprando caças F35 americanos e optou por um pacote de software defensivo e ofensivo para os aviões desenvolvido em Israel, em vez dos originais americanos. Com isso, ficam livres das chantagens americanas se venderem os mesmos caças aos vizinhos. Os americanos estão “chiando” mas vão acabar cedendo para Israel não ir comprar Rafales.
Assim, comprar caças e misseis franceses pode ajudar, como ajudaram a Argentina a não deixar os ingleses conseguirem parar os Exocets nas Malvinas.
Tarcísio,
DE fato, o ideal seria que ninguém tivesse a Bomba. Mas, já que ela existe, convém observar as coisas pragmaticamente e tentar fazê-la também.
Do contrário, vive-se em sujeição voluntária.