Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Portugal mantido a crédito.

No ano passado, em Portugal, tive a percepção de que muitas pessoas viviam além de suas posses. Apenas uma reunião de indícios, de impressões, nada, enfim, de científico ou fundado em pesquisas. Mas, bastava observar a voracidade com que se adquiriam os telemóveis e os computadores portáteis mais novos, os automóveis mais recentes, os lançamentos imobiliários. Por outro lado, as rendas do trabalho permaneciam bastante deprimidas, comparando-se à Espanha, por exemplo.

Quer-se consumir como o restante da Europa sem, contudo, produzir o equivalente. O ambiente estimula a crença nessa possibilidade. As estradas com portagens, por exemplo, são muito boas e cortam o país todo. Isso leva a crer em um país de automobilistas condutores das mais recentes máquinas. As telecomunicações, também boas e abrangentes, levam o consumidor a crer numa total integração aos padrões de consumo de outros países.

Leio, no DN, que o endividamento médio do português vai a € 18,3 mil euros, frente à banca estrangeira. E que essa dívida representa 111,7% da riqueza produzida pelo país, ou seja, que o pais está hipotecado aos bancos. Ora, não é exclusividade de Portugal dever mais do que produz e há variados exemplos disso. Os mais eloquentes veem dos EUA, que devem mais do que têm. Acontece que eles também possuem, a par com toda a dívida, as maiores forças armadas do mundo e isso permite a festa.

A cultura do consumo a crédito, para além das reais possibilidades de pagamento, é fácil de instalar-se e difícil de fazer recuar. Torna-se como um vício, o consumo. As análises racionais são postas de lado, uma vez experimentado o fascínio de comprar e não pagar na mesma hora. O cérebro parece assumir que o pagar depois equivale a pagar nunca e a compulsão replica-se até o dia em que chegam as facturas ou até depois disso.

A situação, de tão complicada, induz todos e principalmente os governantes a escamotearem o problema, a não querer atacá-lo, fazendo de conta que não existe ou que é pequeno. Eles não dirão aos seus governados que comprem menos, que são pobres para o nível de consumo que adotaram, que a União Européia não será a entidade pagadora desta conta, ao fim e ao cabo.

Mas, não haverá outro caminho, e não apenas para Portugal, senão reduzir os níveis de consumo. A América do Norte – excepto o México – e a Europa já vivem padrões de consumo elevados há muito. Como os recursos são finitos, diferentemente do tempo, e outros povos reivindicam sua entrada no convescote, está certo que haverá uma rearrumação da apropriação de riquezas. Claro que sempre se pode acreditar na elevação dos níveis de produção e da produtividade dos fatores econômicos, mas essa elevação está sendo levada a cabo precisamente pelos novos ingressantes no sistema do alto consumo.

Para quem entrou na festa tardiamente, como deu-se com Portugal, é bastante traumático resignar-se ao seu declínio. As pessoas tendem a ver o mundo e suas vidas sob uma lógica de moralismo retributivo. Assim, quem viveu modestamente acredita piamente que a humildade será recompensada pelo fausto, assim como o justo espera sua entrada no paraíso. Com relação a infernos e paraísos as coisas podem bem ser desta forma, todavia as compras e vendas parecem obedecer a lógica diversa.

3 Comments

  1. Domingos Sávio Maia de Sousa

    Essa bomba está programada para explodir por aqui também. O crédito está em ritmo galopante. Espero que esteja errado e lamento por Portugal. Muito.

  2. andrei barros correia

    É verdade. Em Portugal, já se beira a catástrofe.

    Por aqui, o endividamento privado cresce vertiginosamente. Felizmente, a dívida pública externa é residual.

  3. maria josé

    Aqui em Gravatá ,nesta pequena cidade de Pernambuco foi inaugurado um super mercado do grupo BomPreço e a loucura para fazer o cartão foi um negócio assustador.Pessoas simples de pouca renda comprando todo tipo de eletrodoméstico em 12 pagamentos.A febre do consumo sem renda para isto.

Deixe um comentário para andrei barros correia Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *