Vez e outra, visto umas calças velhas, camisa idem, tênis mais velho ainda, deixo os documentos na gaveta, tiro o relógio do pulso, ponho algum dinheiro no bolso e saio a andar, sempre pela manhã, cedo. Não tiro a aliança do dedo, mas talvez fosse bom, porque se ma pedirem não a conseguirei retirar com a rapidez conveniente ao ladrão, que pode então resolver leva-la com o dedo junto.
É coisa de doido, sei bem disso, gostar de andar assim meio à toa. Só não é completamente à toa, porque sempre acabo nalgum mercado, compro bananas, laranjas, saio e torno a andar. Não é a caminhada dos caminhantes desportistas, é a caminhada que me apraz, simplesmente. E ando a olhar as coisas como se ainda descobrisse nelas qualquer tracinho de desconhecido, pois é bom surpreender-se com o velho.
E olho as pessoas também, é claro. As pessoas e as coisas aqui formam retratos tristes. Feios, melhor diria, sem arrodeios maiores. Pobres sem terem sido senão pobres, sempre pobres. As ruas e calçadas sujas, repletas de buracos. Os edifícios, com raras exceções, feios, mal alinhados, sujos.
O país enriquece há oito anos, continuadamente. A distribuição das riquezas melhora, discretamente, como nunca tinha acontecido. Milhões de pessoas foram elevadas ao que se chama classe média, coisa que é bom definir: segundo o Ipea – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – é quem tem renda familiar mensal entre R$ 1.000,00 e R$ 4.000,00. Todavia, é um mar de pobreza!
Curiosamente, na fila do mercado, hoje, estava o jornal do dia com uma matéria sobre os percentuais de gente na tal classe média. Na Paraíba, 37% da população está na classe média, o que é a segunda menor proporção do país.Não significa necessariamente que este seja o segundo estado mais pobre do país, mas é quase isso.
Ora, se somarmos aos 37 outros 03% dos que se encontram mais acima, ficamos com 60% de pobres e miseráveis! A propósito destes últimos, convém dar a definição técnica, que é das poucas definições técnicas, com números, capazes de escandalizar quem pense. Não digo quem se emocione com as coisas, digo quem pense. Bem, miserável é o sujeito que tem renda mensal inferior a R$ 70,00. E há 16 milhões de miseráveis no Brasil!
Antes de pensar que a proporção de pobres nem é tão elevada, lembre-se, quem a isso se inclinar, que a renda de corte é ridiculamente baixa e que tudo neste país é caro. Alias, nem tudo é caro, pois o preço do trabalho é baixo, excepto no serviço público e nos serviços de saúde. Os restantes preços são todos elevados, principalmente dos manufaturados. São caros também os imóveis e a comida.
E há quem ache, de achar mesmo, sem disfarces, que a melhora na distribuição não é assunto sério. E há quem ache que a miserabilidade é qualquer coisa semelhante a uma opção pessoal, algum diletantismo de vagabundo que se alimenta de ar e luz.
O quadro é daqueles terminados sem verniz, quando se acrescenta à pobreza a deseducação generalizada. Essa, é a coisa mais democrática que há no Brasil, pois atravessa todas as classes sociais. Todavia, os miseráveis são cobrados por sua deseducação; são cobrados por quem é deseducado na mesma proporção, diferindo somente nos rendimentos!
Todavia, há prédios imensos e reluzentes, condomínios residenciais suburbanos no estilo do sonho norte-americano, Land Rovers e Mercedes por todos os lados. É óbvio que o dinheiro existente roda à volta das mesmas pessoas, sempre. Também é óbvio que essas pessoas vivem eterna deformação, que cercadas de pobreza e feiúra são elas pobres e feias, mesmo que viajem a Miami para comprar o chapéu daquele rato bobo.
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