A água é recurso já muito escasso e a escassear mais e mais. Nesta perspectiva, os mortos, que não têm sede, talvez breve venham a ser preferíveis aos deuses. A competição por recursos naturais escassos vem acirrando-se intensamente e tem sido arbitrada em favor dos estratos 10% superiores de formas clássicas, ou seja, por meio de repressão física e exclusão geográfica.

Não vou flertar com malthusianismo superficial, nem investigar se melhor equalização distributiva invalida as teses da insustentabilidade do crescimento demográfico em face das possibilidades do planeta. Abstraindo-se da hipótese da equalização na apropriação dos recursos, fica evidente que, para a manutenção dos níveis de consumo dos 10% superiores, a existência de um oceano de indigentes é um estorvo e obstáculo.

Os ganhos de produtividade na agropecuária tampouco retirarão o obstáculo ao bem estar dos 10% que são os restantes 90% a consumirem – por menos que seja – recursos naturais. A produção de um quilo de carne bovina, por exemplo, consome aproximadamente 15.000 litros por quilo. O arroz, por exemplo, consome aproximadamente 2.500 litros de água por quilo.

Muitos perceberam que aquela tragédia havida na eurásia no século XIV – belamente tratada no Decamerão – foi, ao depois, uma das condições de desenvolvimento da região, mesmo que as perdas humanas – força de trabalho e conhecimentos – tenham sido muitas e quase indistintas entre classes sociais.

Hoje, objetivamente, a existência de gente demais no mundo, mesmo que indigentes com níveis de consumo relativamente baixos, é um obstáculo à pretensão dos mais ricos à sua sobrevida em condições ótimas, o que inclui qualidade sanitária e segurança alimentar. Esse obstáculo sobrepõe-se à aparente vantagem que seria a potencialidade consumidora dessas massas indigentes. Elas não interessam como mercados, enfim.

Há momentos na história em que o excedente humano não serve nem interessa aos de cima nem como escravos a custo de pouca comida e alojamento precário. Ao reverso, este excedente está a ocupar e consumir recursos daquelas zonas que os 10% comumente denominam santuários, que são tanto reservas, quanto rotas de fugas para hipóteses de catástrofes de grandes dimensões.

Com a Patagônia argentina tem-se um perfeito exemplo. Há um projeto sistemático para seu esvaziamento das populações originárias locais e de preferência que os indígenas pereçam todos na retirada, porque tampouco são desejados a povoarem as periferias de Buenos Aires, Rosário ou Córdoba. Esse desejo – que é o desejo de expurgo físico dos pobres – às vezes assume contornos místicos de refundação, como na novela Kalki, de Gore Vidal. Nestas visões a purga não é propriamente dos pobres, mas de todos que não preencham os requisitos para serem os refundadores de uma nova e purificada humanidade.

A América do Sul e a África sofrerão processos de extermínio massivo dos pobres e indigentes que não se articulam aos subsistemas necessários à boa vida dos mais ricos. Há uma superpopulação de escravos inúteis, na visão do 01% e de seus minions, e o tratamento destinado à inutilidade é a purga.

O 0,1% sabe muito bem que não se mata tanta gente à bala, nem mesmo mandando os destinados à morte cuidarem da tarefa de se matarem reciprocamente, como se faz em África, acho eu que por mera diversão. Fosse isso possível, os japoneses o teriam realizado na China, convém lembrar. Tampouco se usam armas nucleares, coisa detestada pelo 0,1% pelo que têm de nada seletivas.

O que mata com mais eficácia, massivamente e com bons níveis de seletividade social, são água suja e bactérias. Não à toa o método que uma breve observação permite perceber que é o eleito para África. Somados a má nutrição, matam muito e relativamente rápido e permitem que se defendam eficazmente os que não estão marcados para a eliminação. Este projeto será aplicado na América do Sul, apenas é irresponsável prever datas…