Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Ora, mas eu pago meus impostos!

Quatro pagadores de impostos. O cão era isento.

A afirmação quase acaciana do título assumiu ares de argumento de uma parcela da população contra as reclamações de outra. A componente de obviedade revela-se, não na generalidade do pagamento de impostos, mas na generalidade dessa obrigação. Ou seja, pagar impostos não distingue as pessoas, é apenas uma obrigação legal, que não nobilita quem a cumpre.

Tornou-se hábito de muitos, querendo falar mal de qualquer reclamação dos mais pobres, dizer que se trata de desordem de quem não paga seus impostos.  Ao mesmo tempo em que se chama baderna ao reclamo, chamam-se os reclamantes de não pagadores de impostos.

Acontece que a maior parte dos que lançam mão desse argumento falso paga menos impostos que os destinatários da contrariedade, pois a tributação tem tornado-se marcantemente regressiva, ou seja, tem incidido cada vez menos sobre quem ganha mais. Tomando o consumo como base de incidência, a tributação não distingue a capacidade contributiva dos pagadores de impostos.

Então, na verdade, os reclamantes mais pobres pagam mais impostos que os defensores da ordem. Tomemos o caso de uma simples visita ao mercado, para comprar uma singela galinha resfriada. Sendo o preço fixo – e os impostos também, obviamente, – quem terá pago mais impostos, relativamente ao seu poder contributivo: o que ganha mais, ou o que ganha menos?

2 Comments

  1. André Raboni

    Andrei,

    Direcionando a coisa, pra onde a coisa -suponho- veio. Acaso não tivessem inventado o MST, em que nível de “baderna” você acha que estaria o meio rural brasileiro?

    Tenho, às vezes, a impressão de que o MST atrapalha tudo, em se falando de Reforma Agrária, pois se o movimento organizado não existisse, a coisa toda estaria tão feia que não ia sobrar coronel nem terceirizados urbanos pra contar lorota…

    É uma impressão, apenas, que não chega a ser uma hipótese, pois nada de verificável cientificamente há nisso.

    Mas é uma impressão bastante forte essa que tenho: se não fosse o MST, a convulsão campesina no País (desde a década de 70) já teria atingido níveis revolucionários.

    Não digo que averia revolução, que os massacres seriam tamanhos. Mas caos, isso sim haveria, e sobrando pra exportação…

    • Andrei Barros Correia

      É difícil saber-se se o MST foi o ponto em que a válvula se abriu. Pode ter sido.

      Acho, sabendo dos custos que teria, que era melhor não ter se aberto a válvula, pois um dia a catarse tem que ocorrer.

      Mas, a despeito das dúvidas, inclino-me a ver a abertura da válvula em outro ponto histórico. Ela parece estar há cinquenta ou sessenta anos.

      Quando a organização era pouca, a cabeça dela era externa aos pressionados. Esses eram cooptáveis, no limite, e foram. Quer dizer, a cabeça, não os pressionados.

      Hoje, as nuvens de prosperidade das classes médias baixas permitem que se proponha o discurso de desimportância de um MST organizado.

      Se houvesse um MST quanto a pressão era imensa, a válvula não teria suportado.

      Bem, na verdade, escrevo para sugerir o contrário do que sugeriste. Teria havido a catarse quando a pressão era muito grande, se houvesse uma organização. Mas, não havia.

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