Este texto foi inicialmente publicado em novembro de 2018. Hoje, está acontecendo o que se disse então há três anos e alguns meses. O consórcio anglo-saxão descumpriu os acordos feitos após o colapso da União Soviética e avançou a OTAN para as fronteiras da Rússia. Aniquilou a Ucrânia como Estado e patrocinou grupos neonazistas que realizaram um massacre no leste, tendo como alvos populações etnicamente russas.
A Rússia reagiu de maneira previsível, para defender seus interesses e sua segurança. A esta reação correspondeu a imposição de sanções econômicas à Rússia, bem como o furto de reservas russas mantidas em bancos ocidentais. Isto também foi previsível.
Previsível também será a acelerada desdolarização em escala mundial, bem como o colapso econômico da Europa, que depende da Rússia nos campos energético e alimentar.
Como tudo isto era, realmente, previsível, é o caso de se pensar numa implosão programada do sistema até então vigente e numa guerra a devastar novamente a Europa.
A conformação geopolítica mundial ainda vigente – embora em vias de esgotamento – deve-se muito às idéias e ações de Henry Kissinger, um judeu bávaro inteligente. Richard Nixon percebeu esta inteligência e o teve sempre ao seu lado. Outros presidentes estadunidenses posteriores contaram com seus conselhos.
Kissinger percebeu algo que não é tão simples, sobretudo considerando-se os níveis intelectuais médios e a propensão a pensar ideologicamente enviesado ou fazer puro wishful thinking.
Ele percebeu que a China, inevitavelmente, seria grande novamente e que isto era apenas questão de tempo. As potências com mais de dois mil anos de história podem sofrer declínios ou serem brutalmente exploradas por alguns períodos, mas reerguem-se.
O domínio global dos EUA ampara-se no dólar como moeda de reserva e de troca internacional e na sua capacidade bélica. Este modelo emergiu do pós segunda grande guerra e foi renovado no início da década de 1970, sob inspiração de Kissinger.
Quase todas as transações comerciais internacionais são fechadas em dólares norte-americanos e mediante o sistema SWIFT de clearance interbancário. Isso significa que todos os que transacionam precisam comprar dólares para fechar suas operações e assim o dólar tem demanda garantida, o que permite aos EUA simplesmente fabricá-los.
O petrodólar faz parte da renovação que se fez no início da década de 1970. Acordos celebrados em 1973 determinaram que todas as transações a envolverem petróleo seriam necessariamente liquidadas em dólares norte-americanos. A moeda, que perdera conversibilidade em ouro, passou a ter outro lastro forte e garantia de demanda constante.
Acontece que a aristocracia estadunidense aspira ao domínio mundial hegemônico e não disfarça este desejo. Não importa aqui que o faça amparada em discurso religioso meio primário, não cuido das justificativas para o destino manifesto, de tão tolo que isto é.
Para o domínio total, nos princípios da década de 1970, era necessário evitar a aproximação entre China e Rússia. E isto Kissinger conseguiu e ainda conseguiu mais. Fez a China comprar notas promissórias dos EUA em troca de manufaturados que permitiram conter pressões inflacionárias.
Isto funcionaria bem até certo ponto, se outros posteriores ajustes fossem feitos. Todavia, parece ter havido escassez de Kissingeres recentemente. A fúria hegemônica, cada vez mais religiosa, impeliu os EUA a uma beligerância típica, que anuncia as fases de declínio.
E finalmente, depois de aberta uma guerra comercial insana, eis que a China percebeu a necessidade de abandonar o dólar como meio de troca em todas as suas transações e como moeda de reserva. Claro que não é algo simples, nem que se faça do dia para a noite, mas está em curso.
Contudo, o mais extraordinário foi ter conduzido a que se formasse uma aliança estratégica entre China e Rússia, o que, a toda evidência, é o ponto de travagem da aspiração hegemônica dos EUA.
De fato bem inteligente. Conhece a história do que ele fez em visita a Israel em 1975 para convencer sobre a devolução de parte do Sinai?
Creio que sim.