Um dias desses, conversava com uns amigos sobre as curiosas inclinações de um fulano conhecido de todos os convivas da ocasião. O fulano em questão é notoriamente movido por uma ânsia de sobressair-se, de mandar nos outros e de obter reconhecimento por bobagens, sendo capaz de qualquer patifaria para a consecução desses intuitos.

Um de nós mostrava-se fiel ao utilitarismo comportamental e asseverava que o fulano seria capaz de qualquer patifaria e infâmia contra quem se opusesse aos seus desígnios, mas que deixava em paz os que não fossem identificados com algum obstáculo. Estava forte na crença de que o mau caratismo é um instrumento e que na ausência das motivações concretas ele não se mostrava. Essa é uma visão bastante confortável e uma homenagem à racionalidade utilitária.

Todavia, as coisas não me parecem tão lógicas assim e talvez os cultivadores da mansuetude como forma de ficar ao abrigo da patifaria não devessem estar tão seguros. Infelizmente, os comportamentos humanos não são previsíveis e lógicos segundo esse utilitarismo. E aí está toda uma crônica das desventuras dos inocentes a provar que não basta estar quieto em seu canto para afastar qualquer ameaça.

Seria assim se fôssemos como os bichos, esses sim extremamente utilitários. Não ameaçam senão quando ameaçados. As pessoas obedecem a uma razão bastante ampliada, que comporta taras e fetiches. Curioso e aparente paradoxo esse, a razão tem sua diferença específica extamente no que queremos considerar desrazão. O mau-caratismo não é somente instrumental, é uma força intensa que não atua apenas em função de objetivos imediatos e identificáveis.

Mas, resistimos a acreditar nisso, pois ansiamos por ver uma forma de nos encontramos seguros. A fantasia da segurança é fortíssima e demora muito a ceder. Às vezes não cede, mesmo nas situações limites. E quanto a isso – como, de resto, quase sempre – a arte é melhor que a teoria. Escolho, não ao acaso, mas a partir de que tenho às mão no momento, uma pequena frase recolhida na Viagem ao Fim da Noite, de Louis-Ferdinand Céline:

É difícil chegar ao essencial, mesmo no que diz respeito à guerra, a fantasia resiste muito tempo.

Poderia invocar, também, o compositor Chico Buarque: Inútil dormir, que a dor não passa.