Este é um templo da Igreja Mundial do Poder de Deus, em Campina Grande, Paraíba. Uma faixa de pano promete grande concentração de poder e milagres! A foto está ruim porque tirada do carro em movimento, desde um telefone, mas o essencial está lá.
É uma dessas denominações que negoceiam com o sucesso financeiro e os milagres, na lógica da retribuição de favores entre o pedinte e o Deus a quem se pede. Não há espaços para muitas sutilezas, nem licenças poéticas. Por exemplo, nota-se que não há o comércio da salvação, de forma ampla.
Nestas denominações, o comércio é de soluções imediatas para problemas concretos, tratado pelos intermediários que são os pastores. Os corretores dos favores divinos possuem o conhecimento dos desígnios divinos e expõem aos pedintes o que eles precisam fazer para obter os favores.
Esse deus é uma figura híbrida, porquanto não se apreende pela teoria da graça, nem pela predestinação. Ele é um deus em constante agitação com seus apetites imediatos e sedento de manifestações de adulação. É um rei a quem se deve visitar sempre com presentes, mesmo sem se saber se gostará deles e que sempre se fique nas ante-salas dos assessores.
Um deus a quem se deve seduzir, cuja vontade pode ser perquerida, passível de ser agradado ou desgradado por ações de criaturas suas, por ações que deviam para ele serem previsíveis e sem novidades. É, pois, um deus que se afasta nitidamente da definição doutrinária que lhe dá o atributo da onipotência, entre outros.
Claro que dar atributos a um deus já é um passo em direção à loucura e um namoro firme com a heresia. Um deus criador é o que é. Ele é independentemente dos adjetivos que lhe dão suas criaturas, que não o podem apreender simplesmente por meio da linguagem, dando-lhe predicados.
Mas, no caso do deus das denominações evangélicas que prometem milagres e poderes e favores, a absurdidade é mais flagrante. Digo mais flagrante no sentido de evidente, não que seja mais ou menos que outra. Sim, porque o deus omnipotente, omniciente e omnipresente é também absurdo.
O dos três atributos é absurdo pelo que não pode ser conhecido nestes termos, ou seja, não é objeto de investigação que conduza a ser adjetivado propriamente. O do comércio de favores é absurdo porque é contraditório.
Se é um deus que pode dar tudo a quem lhe pede – omnipotente – por que precisa ser agradado segundo padrões humanos para conceder esses favores? Se assim é, esse deus não é livre, porque precisa ser agradado. E, se não é livre, não tem o poder de sê-lo e, portanto, não é omnipotente.
Mas, aí abre-se uma senda para a percepção do caso. O grande fazedor de milagres é precisamente o pouco poderoso, assim como o mágico é precisamente o que menos altera a realidade. O milagre é a metáfora mais colorida que há, o recurso retórico mais forte e drástico, muito mais eficaz que a repetição e a ênfase discursiva ou de gestos.
Não é à toa que a enorme maioria dos milagres operam-se por intermediários. É sinal de que os intermediários são seus próprios realizadores, porque os deuses não têm porque os fazer. Uma deidade criadora não faz remendos pontuais na criação, pois melhor faria descriando-a e recriando-a novamente, com os erros sanados.
Nada obstante, os milagres existem, como as bruxas. Mas, são, como as bruxas, manifestações de poucos poderes, sinais ou metáforas, ou exortações. Costumavam ser entendidos mais pudicamente, mais reservadamente, até em respeito à sua significação e à sua ineficácia como meio de atuação ou resolução de problemas.
Mas, são comerciados e anunciados como fartos e frequentes e à disposição de quem deseje seguir o roteiro que leva a eles. Milagres que podem ser mágicas subtis e imediatas ou podem ser processos verificados em prazos variáveis. Que geralmente envolvem a obtenção de disponibilidades econômicas, de pagamento de dívidas.
Milagres como ganhos na loteria, como obtenção de tranquilidade, como um nome apenas para uma vantagem que se pode obter mediante um jogo de busca-e-recompensa. Milagres que são a negação da graça, porque se obtém por insistência e não se obtém apenas por ter sido a insistência pouca.
Grita-se mais alto para obter o milagre e, se não se o obtém é porque gritou-se pouco. Paga-se dinheiro por milagre e, se ele não veio foi porque pagou-se pouco. É preciso pedir ao intermediário, pagar a ele, em público, pois ele sabe de que o deus gosta. Ele mesmo, o intermediário, tem que ser um exemplo de beneficiado por milagre, a estimular os pedintes.
Ele será exemplo no carro que tem, nas vestes, na morada. Seu êxito material é seu certificado de amizade com o deus a quem apresenta as requisições dos pedintes. Sua intimidade e a condição de favorito percebem-se no seu sucesso crematístico, único sinal aceito na lógica mercantil.
O que mais se vê hoje em dia colado nos vidros dos carros são aqueles adesivos “Foi Deus que me deu”, a partir do qual se pretende propalar exatamente isso que você disse, quer dizer, a ideia de que eu só tenho esse carro porque Deus percebeu que eu mereço e o outro, não. O engraçado é que, em regra, propaga-se que Deus é um ser misericordioso e justo, mas aquele Deus do adesivo parece mais adepto das questões materiais e egoísticas dos seres mortais.
Acrescentaria, Rodrigo, ao teu perspicaz comentário, que quando o sujeito perde aquilo que deus o teria dado, não se comporta como se deus o tivesse retirado.
Esse deus que dá aos escolhidos permite que os escolhidos se identifiquem por possuírem materialmente e, assim, justifica as diferenças que não são religiosas.
Talvez “a oferte crie sua própria demanda”. Ou será que a “demanda regula a oferta”?
De uma forma ou de outra, o mercado da Fé é autoregulado, a mão invisível do “mercado” (de Deus) o está controlando e regulando. No momento certo, os pedintes e mercadores se libertarão. Tudo tem um porque.
O mercador da fé de ontem será um honesto trabalhador amanhã.
Carlos,
A tua objeção é talvez a grande objeção.
A idéia de que vende-se o que se quer comprar é apenas um conforto mental e uma inspiração tênue para crer-se livre.
O contrário, compra-se o que se vende é terrível de aceitar-se, um vez percebidas todas as consequências da fórmula.
Essa autoregulação de que falas desempenha um papel fundamental, algo sobre que pretendo falar mais detidamente. Ela é tão fragmentária que talvez obste à dominação absoluta.
Por outra via, são possíveis vários fundamentalismo e quase nenhuma ortodoxia e talvez isso seja uma válvula de escape.
o deus omnipotente, omniciente e omnipresente é […] absurdo?, será mesmo?