Exclusão, aqui, está em sentido mais amplo que o meramente econônimo. Quer dizer um modelo que, tão entranhado, vive-se como se nada mais houvesse alternativamente. E conduz ao suicídio coletivo, antecedido por níveis de desagregação social crescentes.
O fulano médio que se encontre em um engarrafamento de 150 Km, em São Paulo, por exemplo, sonha com um helicóptero. Inserido em um mar de absurdidade, de tempo perdido, de energia despendida, de potência que não se realiza, de destruição da paciência, de destruição da saúde mental e física, sonha com um helicóptero.
Sonha e não no terá, nunca. O fulano é incapaz de sair de quanto a propaganda inseriu-lhe na mente, de perceber que as maravilhas da mobilidade social são menos reais do que lhe fazem crer. Eventualmente, lembrará que a frota de helicópteros de São Paulo cresceu vertiginosamente. Não lembrará, é certo, que o crescimento foi vertiginoso, mas muito menos que o das pessoas e dos carros.
Não lembrará que a maravilhosa São Paulo, autoproclamada cosmopolita e oferecedora dos melhores serviços, dispõe de uma rede de metro cuja extensão é de um terço da que tem a cidade do México, outro bom paradigma de caos urbano. Não lembrará que a verdadeira riqueza é locomover-se de carro se isso for um desejo. Ou seja, riqueza é poder ir caminhando, se assim o quiser o fulano, ou de bicicleta, ou de metro, ou de ônibus, ou ficar em casa!
Não lembrará que os habitantes dos bairros pobres e das favelas – talvez o fulano médio nem se lembre que isso existe – estão insatisfeitos com suas vidas. E que, deseducados há gerações, reagirão como sabem, ou seja, selvaticamente. E essa reação pasmará o fulano, que acreditava na passividade daquela gente sem nome, que é pobre e desassistida porque quer, enfim. O fulano acredita nisso, sinceramente. Por isso mesmo, coerente consigo próprio, acredita que pode ter o helicóptero.
Entrou tão fundo na sua alma a propaganda de que ele pode ser o que quiser, desde que siga os manuais de prosperidade, que ele destroi-se em culpa. E, bem instalado na lógica da exclusão hierarquizada, quer a destruição de quem está abaixo dele e ousa reclamar, quando o certo era ler o manual e resignar-se.
Forte na sua colecção de idéias feitas, o fulano rejeitará qualquer coisa que vise a melhorar a vida em comum. Como um viciado, busca a solução em mais veneno e quer que todos tomem os mesmos venenos. O fulano não perceberá que menos exclusão, que a real prestação de educação pública, que a real prestação de assistência médica gratuita, que a real prestação de serviços de transportes públicos não são, aqui, uma questão de partido político ou coloração ideológica. São uma questão de inteligência ou burrice.
É Andrei, as pessoas não se dão conta de sua participação na sociedade e de que se se locupletar menos seria mais lucrativo para todos como coletividade.
Elas não percebem o momento de esgotamento do modelo. Tentam levar adiante o mesmo de sempre com algum disfarce.
Mas, um dia a coisa torna-se insuportável. São Paulo, por exemplo, não poderá seguir a fazer de conta que é Nova Iorque.
A realidade desmente a presunção diariamente.