Muita gente exulta com manobras militares como essa que ocorre no Rio de Janeiro. Todavia, significativa parcela compraz-se não com os aspectos positivos que essa manobra específica tem.
A invasão de áreas de onde partiram ataques violentíssimos de traficantes de entorpecentes ilícitos foi exitosa porque bem coordenada. Implicou na prisão e na morte de vários criminosos e na fuga de outros tantos. Significou uma tomada de controle de áreas anteriormente sem presença estatal. Estancou a onda de violência promovida pelos traficantes.
Ao mesmo tempo, não consistiu em uma invasão com destruição indiscriminada de tudo quanto houvesse pela frente e assassinato aleatório de quantos estivessem na linha de tiro. Sim, porque um pequeníssima proporção de quantos se encontram em alguma favela é de criminosos.
Nada obstante, os entusiastas da operação vêm nela somente a realização material de um modo de fazer que eles querem perpetuar. Vêm a confirmação da eficácia da violência, como se fosse o remédio de todos os males. Vêm a confirmação da crença de que as áreas pobres são um problema em si, identificadas umbilicalmente a zonas de crime.
As áreas pobres têm as mesmas concentrações potenciais de criminosos das outras áreas. O que difere são os tipos de crimes e as faixas de rendimentos dos habitantes, além da intensidade da violência que se pratica nelas.
Acontece que os crimes contra a vida e contra a integridade pessoal chamam mais atenção, por razões evidentes. E, as zonas mais pobres apresentam mais ocorrências, realmente. Todavia, a seletividade das percepções fica bastante evidente se tomarmos em conta a criminalidade contra o patrimônio.
Essa última forma repugna tanto quanto as duas primeiras, embora menos, naturalmente. E a percepção quanto à subtração patrimonial é bastante enviesada, porque a opinião pública ocupa-se preponderantemente dos eventos mais pequenos e mais visíveis. Claro que a opinião pública sabe e fala dos grandes roubos, mas daquela maneira de transbordamento e indignação moralista pequeno-burguesa.
Com relação à criminalidade menor contra o patrimônio, as posturas são de histeria assassina, muito mais que de moralismo romântico e complacente com o vizinho de porta. Porque o vizinho de porta dificilmente estará a roubar relógios e carteiras, mas pode estar a fazer outras atividades mais rentáveis e menos arriscadas, também criminosas. Há um forte componente de solidariedade de classe social, portanto.
As ações desenvolvidas pelas forças policiais devem ser adequadas aos casos específicos e às tipologias delitivas. Assim, por exemplo, não há outra forma de combater grupos armados de fuzis e granadas senão com policiais mais armados ainda. E não há como combater delitos sofisticados de branqueamento de capitais e de roubos de dinheiros públicos e privados senão com sofisticados instrumentos de inteligência policial.
Essas diferenças não autorizam, todavia, que o tratamento violento que os casos violentos merecem acarrete o morticínio indiscriminado dos que circunstancialmente encontram-se no mesmo lugar. Porque encontrar-se em uma favela ainda não foi formalmente tipificado como crime, embora haja muitos que assim o desejem.
Ao contrário do que muitos crêem, as situações não permitem nem impõem o vale-tudo, que é um estádio posterior às cogitações de necessidade e conveniência. O vale-tudo não é uma categoria cuja apreensão passe por considerações preliminares, assim como uma reação em cadeia de fissão nuclear não é o momento de explicações, justificativas ou de perguntas. Ou seja, no momento anterior toma-se uma decisão e aceita-se o rompimento da cadeia ontológica e teleológica. Os momentos posteriores sucedem-se segundo outro modelo.
O depois rege-se por uma lógica própria e as desculpas ou justificativas que se queiram apresentar são uma impossibilidade. É, como se diz habitualmente, algo que se sabe como começa, mas que não se sabe como termina. Portanto, convém não buscar o vale-tudo, para não se ficar, ao depois, buscando justificativas incabíveis.
Perfeito. Desde que se iniciaram as manobras militares, ainda não ouvi a voz dos que outrora – quando pulsos acostumados aos Rolex receberam algemas – bradavam contra o “Estado policial”.
O pessoal que exulta com o tiroteio – com todos eles, pouco importando se bem ou mal coordenado – só fala em estado policial quando banqueiro é preso e condenado. Quando operações de inteligência perfeitamente legais acarretam as prisões deles…