Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Um texto (Page 6 of 10)

A falácia da oposição entre desenvolvimento e preservação urbana.

Palácio Monroe, antiga sede do Senado, no Rio de Janeiro.

Palácio Monroe, antiga sede do Senado, no Rio de Janeiro.

Cinelândia, o que se pôs no lugar do Palácio acima

Cinelândia, o que se pôs no lugar do Palácio acima

As oposições ou dicotomias tornaram-se modas. Utilizá-las passou a ser acreditado como algo a conferir ao teórico ares de ser ponderado e sábio. É um pouco a resultante de acreditar-se no mito da balança, em que um lado desce quando se põem pesos no outro.

Mas, esse mito cai por terra se retirarmos das condições ambientes a lei da gravidade. Então, os dois lados podem ficar estáveis com pesos diferentes, o que já está a parecer suprema contradição, ou devaneio.

Bem, o fato é que opõem o progresso, o desenvolvimento, ou qualquer termo que se utilize, à preservação. Falo aqui de arquitetura e ordenamento urbanos. Assim, destruir seria a indesejável porém inescapável condição para construir algo novo. De início, percebe-se que a coisa implica grandes julgamentos, porque nada indica que o novo seja preferível ao velho, nem em tese, nem em prática.

E nada indica que o novo implique a destruição do velho, até porque não são, novo e velho, necessariamente coincidentes no espaço. O novo pode estar ao lado do velho ou mesmo mais afastados um do outro podem estar. Podem estar de várias formas, mas não podem estar no mesmo espaço, porque aí um pede a extinção do outro.

As pessoas guiam-se por esse determinismo, além de coisas mais bobas ainda, de que não evitarei falar. Elas querem retirar algo para pôr no mesmo lugar outra coisa, ou mesmo coisa nenhuma, porque acham que o que se vai pôr é progresso ou desenvolvimento. Mas, por quê é?

No caso de uma cidade que não se veja comprimida por limites naturais quase intransponíveis – como seriam altas montanhas ou caudalosos rios – o que impede que o novo se faça à margem do velho? Na verdade, somente a conveniência, no sentido de preguiça física e mental, é que impede a preservação de algum patrimônio arquitetônico e urbanístico. A preguiça de afastar-se um pouco de si e do centro.

Deve ter passado pela cabeça de um de outro botar abaixo a Igreja de Nossa Senhora, na Île de la Cité, para, no espaço desocupado, fincar um vistoso edifício de 30 pavimentos, todo revestido de vidros azuis espelhados. Certamente passou pela cabeça de pouquíssimos essa idéia, pois a igreja lá está e os prédios estão em outros bairros. Continuou uma e fizeram-se as outras edificações.

Antes que alguém acuse-me de enorme exageração, explico logo que ela foi proposital. Porque a despeito do exagero, as comparações são possíveis, são quase sempre possíveis para desespero de quem não compreende que a variação limita-se à precisão e à pertinência delas.

A variação da qualidade estética e da abundância quantitativa dos patrimônios arquitetônicos é imensa. Há cidades riquíssimas, de muitas belezas e há delas pobres, de escassas manifestações de beleza arquitetônica, tanto em número, como em qualidade. Nessas últimas, o pouco é ainda mais precioso.

Uma casa opulenta de residência em estilo art déco tardio, onde há meia dúzia delas, é mais preciosa que a mesma inserida em um conjunto de mil. E um edifício de 30 pavimentos, revestido em vidros azuis espelhados, também tardio, pode ser fincado em vários sítios, não sendo necessariamente e divinamente predestinado a estar onde um dia esteve uma das seis casas. Até porque – e isso esquecem-no os modistas do progresso – a aceleração desse mesmo progresso implicará que edifícios espelhados haverá muito mais que casas art déco, independentemente do valor estético de cada um.

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Campina Grande: expansão urbana desordenada.

Essas fotografias são o resultado do compartilhamento, entre Olívia, Reginaldo, Severiano e eu, de um gosto anacrônico: passear na cidade no domingo, quando há pouco movimento. Pensamos nas casas bonitas que há em Campina Grande, marcadamente das décadas de 1950 e 1960. E nas sucessivas demolições destas casas para darem lugar a imensos edifícios de apartamentos.

Algumas quadras situadas entre a rua João da Mata e o Açude Velho abrigam a mais simpática zona residencial da cidade. Ruas calmas e arborizadas, com traçados retos, e casas bonitas de estilo moderno tardio. Umas encontram-se em mau estado de conservação, como a da primeira fotografia, outras ainda estão bem conservadas e habitadas.

Precisamente nessa área, a construção civil ocupa-se de fincar prédios enormes em quaisquer espaços disponíveis. Casas estão sendo demolidas, umas após as outras, para dar espaço a esses monstros verticais celebrados como se fossem uma evolução. E muitas das casas demolidas eram realmente belas.

Ora, em uma zona calma, de ruas estreitas, a substituição de uma casa por um edifício de vinte pavimentos significa que haverá oitenta automóveis a mais onde havia dois ou três. Significa que haverá demanda multiplicada por ligações de água, esgoto, energia, telefone e internet. Significa a concentração na demanda por serviços, públicos e privados, que deveriam estar sendo disponibilizados na cidade toda.

Uma cidade de 400 mil habitantes, relativamente desenvolvida e próspera para essa região nordeste em que se encontra, devia cuidar de ter um ordenamento urbano que atendesse a interesses maiores que o mero furor comercial do mercado imobiliário e a vontade acrítica das classes mais abastadas de comprar apartamentos em um bom local. Devia preocupar-se com seu escasso patrimônio arquitetônico, também.

Claro que as coisas mudam, mas há formas de mudar sem piorar a qualidade de vida urbana e sem destruir o pouco de belo que há. A mudança urbanística podia atender a normas de racionalização da ocupação dos espaços públicos, e há muitos espaços a serem ocupados.

Impor regras à construção civil, levando-a a construir mais distante dos centros, traz inúmeros benefícios. O mais evidente é a pressão para se levarem equipamentos urbanos para onde eles são escassos. A povoação de forma não concentrada faz que se distribuam facilidades de serviços em áreas antes não atendidas.

Pelo contrário, a concentração das edificações próximas ao centro, ao custo da destruição de patrimônio arquitetônico, piora a qualidade de vida dos que vêm para essas áreas, inadequadas para atenderem à multiplicação de moradores, e deixa as regiões periféricas sem as corretas intervenções urbanísticas.

Campina Grande: desprezo pelo patrimônio arquitetônico.

Essas cinco fotografias retratam o local onde havia uma bonita casa, na Avenida Getúlio Vargas, em Campina Grande. Era uma edificação bastante característica da década de 1950, bem proporcionada, com uma fonte na frente.

Puseram-na abaixo, totalmente, rente ao chão. Restaram apenas alguns resquícios do revestimento de mosaico e um pedaço da fonte que havia, na entrada, além das grades.

A inscrição Jesus está voltando, que se vê na face interna do muro à direita, permite antecipar que vão edificar no local um desses templos de igrejas neo-pentecostais, que vendem o sucesso e ganham o dinheiro dos fiéis.

Essa gente tem muito dinheiro e nenhum senso histórico, artístico e estético. Para as finalidades a que se propõem, havia a possibilidade de erguer um galpão qualquer, com a feiúra que os caracteriza, em qualquer outro local.

Esta é uma cidade recente, de 140 anos e não tem, evidentemente, edificações de grande antiguidade. Viveu uma fase de enorme prosperidade devida ao cultivo de algodão e esse ciclo esgotou-se pelos anos de 1950-1960. Dessa prosperidade resultou um rápido e breve florescimento de alguma arquitetura, nomeadamente de residências de famílias ricas.

A cidade não encontra grandes barreiras físicas à sua expansão e poderia preservar o patrimônio arquitetônico que tem. Não são muitas as casa bonitas dessa época e essa que foi sumariamente posta abaixo para dar lugar a um templo que será vulgar e poderia estar em qualquer lugar, era uma dessas edificações bonitas.

Acabou-se, simplesmente.

Calor. Ainda se acredita que não está havendo aquecimento global?

Não sou cientista climático, mas não perdi, nem a memória, nem a capacidade de perceber as temperaturas, nem o interesse por informações. Sei, também, que as tendências só podem ser afirmadas a partir das séries de muito longo prazo. Mas, essas séries apontam, sim, um aquecimento médio nos últimos quatrocentos anos.

Verificam-se derretimentos de neves que se reputavam permanentes. Derretimentos e deslocações de grandes massas de gelo das regiões polares e sub-polares. Avanço nas áreas desertificadas, irregularidade crescente do ciclo de chuvas e estiagens. Picos de calor nos verões e de frio nos invernos. Maior indefinição entre as estações do ano.

Enfim, as sensações de calor absurdo nas épocas quentes são corroboradas por muitos dados colhidos e catalogados sistematicamente. Os céticos do aquecimento global dizem, basicamente, duas coisas: primeiro, que não seria possível afirmá-lo sem séries climáticas históricas extremamente longas; e, segundo, que ainda que esteja havendo, não é possível relacioná-lo com a atividade humana.

O argumento dos ciclos e de seu tamanho parece-me quase um sofisma. Ora, se se parte para pensar em ciclos imensos, tem-se que aceitar a existências de sub-ciclos, inseridos noss maiores. Aí, as coisas ficam na mesma situação. Se estamos dentro de um sub-ciclo de aquecimento – dentro de outro muito maior de aquecimento ou de esfriamento – pouco importa-me, a mim que estou sentido mais calor a cada ano.

Outra ponto do sofisma é considerar grandezas da magnitude da história de um planeta relacionáveis com o período de vida de uma geração. Ora, se um ciclo de aquecimento de quatrocentos anos pode ser desprezível numa escala que mede o surgimento da terra, ela é bastante palpável para as pessoas que sofrem seus efeitos.

Já a negativa dos efeitos das ações humanas no aquecimento e noutros aspectos do ambiente parece-me ciência financiada por companhias de petróleo e outras mais interessadas, pura e simplesmente.

O avanço das áreas desérticas, por exemplo, é um dado empírico incontestável e constitui-se em efeito e causa dentro da mesma cadeia de deterioração ambiental, de que o mais evidente e desagradável resultado são as temperaturas elevadas, cada vez mais constantes.

Os gases de efeito estufa são obra da atividade humana, quer decorram da queima de hidrocarbonetos, quer decorram dos flatos dos bois e vacas que nós comeremos. E, ao que tudo indica, eles agem, sim, no sentido de acarretar um aquecimento global. As devastações de coberturas vegetais nativas agem para reduzir a humidade, alteram o ciclo de chuvas e findam por resultar em aumentos de temperaturas.

As crescentes aglomerações urbanas aumentam o consumo de recursos naturais, notadamente em transportes, o que implica mais consumo de hidrocarbonetos.

Enfim, se isso é um ciclo que não permite concluir por uma tendência definitiva, não sei. Mas, sei que de uns tempos para cá está cada vez mais quente e não tenho dúvidas de que é necessário reduzir a voracidade com que se consomem recursos naturais finitos.

A lei do estrangeiro e o ridículo da última ditadura brasileira.

Estive a analisar a lei brasileira do estrangeiro, uma norma produzida em 1981. E reforcei minha percepção de que convém para muitos destruir as memórias e a história, por três motivações básicas. Primeiramente, a mais banal e mais nociva: ignorância pura e simples, que leva muitos a considerarem a história uma bobagem.

Em segundo lugar, o desejo de escamotear crimes e infâmias, de esconder suas autorias, de evitar o julgamento posterior por absurdos cometidos.

Em terceiro lugar, a motivação mais interessante: esconder o ridículo. As obras ridículas, coitadas, muitas vezes ficam sem paternidade, ninguém as reivindica, não se fala delas. Bem, há casos em que ele não é percebido, nem mesmo depois de muito tempo. Nesses, o ridículo é ainda maior e seus autores são orgulhosos na sua afirmação.

Há diversas maneiras de chegar ao ridículo e uma delas é a desproporção entre meios e fins, entre a realidade material e o contorno formal que se lhe quer dar. Acontece isso com a tal lei do estrangeiro, pois ela é de uma inadequação quase cômica, mas não chega a tanto, é apenas ridícula.

Essa lei fornece preciosos aspectos de arqueologia histórica. Permite ver que um regime ditatorial tem uma coerência interna que se desvela na sua simbologia e nos conceitos e termos que utiliza. O último regime ditatorial brasileiro gostava muito do conceito de segurança nacional.

Não usava a consagrada fórmula soberania onde ela caberia teoricamente. Ora, não usava porque a soberania é do povo, em última análise, e o povo não manda em uma ditadura, nem formalmente. Por isso, onde tecnicamente deveria estar soberania estava segurança nacional.

A lei em questão usa e abusa desse conceito para abrir um campo de discricionariedade vastíssimo. É uma norma que trata da entrada, permanência e expulsão de estrangeiros do Brasil com um rigor imenso, como se este país fosse, na época, um destino de sonhos para grandes vagas de imigrantes.

Ora, desde há muito não havia grandes imigrações com destino ao Brasil, pobre, desigual, violento e pouco democrático. Ou seja, a realidade não demandava uma normatização com tais níveis de detalhe e de rigor, porque o país não tinha então – como não tem agora – problemas com ingressos de estrangeiros que disputassem empregos com nacionais ou que se entregassem à criminalidade.

O problema não havia, mas houve quem julgasse pertinente dar o remédio! Era basicamente o velho hábito de ver fantasmas onde nem gente viva existia.

Por outro lado, não obstante uma lei que permitia negar a entrada ou expulsar um estrangeiro a partir do único e vago critério de inconveniência – sim, está no artigo 26 da lei – e que veda o exercício de um sem-número de trabalhos, sabe-se que os grandes interesses dos capitais estrangeiros traziam o país a reboque.

Sabe-se que a participação de capitais estrangeiros em meios de comunicação de massas e até nos que operam sob concessão pública ocorria de forma mais ou menos escandalosa, como no caso da Rede Globo, pertencente pela metade ao Grupo Time-Life. Ou seja, enquanto no aspecto macro a festa corria solta e sem limites, no detalhe a lei afirmava limitações absurdas e detalhadas. Evidentemente ridículo e desproporcional.

Mudanças no blogue.

A Poção passou a tarde fora do ar, por conta de umas alterações que estamos fazendo. Na verdade, esse plural é inadequado pois quem está fazendo as alterações é Severiano.

Enfim, trata-se de hospedar o blogue em um host que não é o próprio WordPress. Isso permite ter mais liberdade de temas, ou seja, de aparência do ambiente, e instalar mais livremente alguns plug-ins.

Claro que a transição, como quase todas, tem seus percalços. A lista de links, de blogues e outros sites, não foi migrada, ainda. Mas, será. O blogue está falando inglês, pelo menos na página de administração, mas será convertido em português, mais fácil e mais bonito.

Como de hábito, tivemos alguns problemas com o UOL Host, onde foram registrados os domínios apocaodepanoramix.com e apocaodepanoramix.com.br. O domínio .com.br continua com problemas, embora seja necessário apenas o UOL Host aceitar a mudança do DNS para o novo hospedeiro.

O que nos cabe fazer foi feito, ou seja, pagar ao tal UOL Host o que ele cobra, mas… Coisas das maravilhas dos serviços prestados por gigantes do capitalismo mediático brasileiro.

Escrevendo, agora, tenho ocasião de lembrar de outras maravilhas de serviços prestados por essas empresas que lidam com internet no Brasil. Hoje, pela manhã, estive sem conexão. Precisava de informações para escrever trabalho acadêmico e de acesso a sites do governo para meu trabalho mais propriamente dito. Nada!

A empresa que me fornece conexão de internet, a GVT, simplesmente passou toda a manhã inoperante. E ela é muito menos ruim que a Oi, que é a grande ofertadora de conexões a velocidades razoáveis. Quando a tal GVT entrou no mercado brasileiro foi celebrada efusivamente, porque oferecia serviços muito bons comparados ao padrão da Oi.

Agora, já há os episódios de paralisação do serviço, problema que fez da Oi a empresa pior considerada no mercado e a maior ré em processos judiciais por violações do direito do consumidor. É um longo caminho para a GVT ter uma reputação tão ruim quanto a de sua concorrente, mas parece já ter iniciado a marcha.

Na falta de um instrumento essencial ao meu trabalho, recorri, ingenuamente, a uma conexão 3G. Pura ilusão. Era tão fraco o sinal obtido nesta conexão da Claro – a maravilha ofertada pelo homem mais rico do mundo, Carlos Slim – que nem o site da presidência da república, que oferece a maior base de legislação brasileira, abria.

Resignei-me à falta de internet e ao tempo de trabalho perdido, e fui varrer a casa e aguar os pezinhos de coentro que plantei. Além de brincar com a gata, naturalmente. Isso, no fundo, é melhor que trabalhar, mas é difícil saber que o trabalho não realizado é apenas trabalho adiado. Mais adiante tem-se que fazê-lo e em menos tempo.

Assim caminham as coisas para quem contrata serviços neste país. Se fossem baratos, seria possível dizer que pelo ruim paga-se pouco, mas não é o caso.

O Golfo do México e a sociedade brasileira.

Um texto de Gustavo França.

O ano de 2010 marcou os Estados Unidos da América com a maior catástrofe ambiental da história do País: o vazamento de petróleo, por mais de cem dias, no Golfo do México.  A petrolífera BP, responsável pela exploração da plataforma, parece ter conseguido, finalmente, estancar o vazamento e, minimamente, amenizar a vergonha dos americanos perante os olhos do mundo inteiro.

Se fosse no Brasil, as críticas, certamente, viriam numa intensidade maior do que as lançadas contra os americanos, e com argumentos ainda mais carregados. Diriam que somos subdesenvolvidos, irresponsáveis, e todos aqueles adjetivos os quais sempre vem a tona quando vacilamos diante da comunidade internacional.

É bem verdade que muitas das opiniões sobre nossa pátria são preconceituosas e carregadas de argumentos sem o mínimo de fundamento. Mas uma, venha de onde vier, é, infelizmente, a mais pura realidade: a escancarada corrupção do povo brasileiro.

Em tempos de eleições gerais surgem incontáveis campanhas pregando o voto consciente, a escolha de candidatos “ficha-limpa”, e um sem número de conselhos dos mais variados tipos.

O voto constitui, inegavelmente, talvez a mais importante ferramenta posta a disposição por um regime democrático. É através do voto que distorções podem ser colocadas no prumo, quando se escolhem os cidadãos mais preparados e capacitados para gerir a máquina estatal. No entanto, o voto só tem o real poder de modificar quando é emitido por cidadãos plenamente conscientes desse poder, característica que, infelizmente, não está presente na quase totalidade do povo brasileiro.

A realidade social não mudará através da propagação do voto consciente. Chega a beirar a utopia acreditarmos na mudança da nossa realidade social tão-somente votando nos supostos políticos “ficha-limpa”, se é que esses seres existem. E isso porque a corrupção – repita-se, nosso maior problema – não cessará quando pressionarmos a tecla verde da urna eletrônica, como num passe de mágica.

A corrupção no Brasil é caso de saúde pública. Está na mente de grande parte dos cidadãos como uma mancha negra de petróleo que insiste em permanecer escurecendo nossa dignidade. É em virtude da corrupção que muitos definham em leitos hospitalares – isso quando os tem a disposição – enquanto uma meia dúzia de “espertões” comem camarão à beira-mar. É por meio dela que muitos matam, subornam autoridades públicas e permanecem impunes. É ela a causa de milhões gastos na manutenção de ferramentas para combatê-la, quando esse dinheiro poderia ser utilizado para alavancar o progresso brasileiro. E não falo do progresso econômico, mas do progresso moral e espiritual, como a construção de uma rede de ensino pública de qualidade, a especialização e valorização dos profissionais da educação e tantas outras ferramentas indispensáveis para alimentar a alma de um ser humano.

O povo brasileiro bem que poderia ser equiparado à fauna do Golfo do México, que demorará dezenas de anos para se livrar da lama preta e grudenta do petróleo. No entanto, diferentemente de nós, que vivemos mergulhados na corrupção por pura opção, a fauna do Golfo do México não pediu para se sujar de óleo nem vivenciar milhares de mortes determinadas pela irresponsabilidade humana. A sociedade brasileira, ainda que inconscientemente, está mergulhada na lama preta da corrupção por livre arbítrio, por opção própria.

É por isso que “votar consciente”, a esta altura, não exterminará, a curto prazo, o câncer chamado corrupção. Contra essa mazela só há um antídoto: uma revolução cultural profunda, vinda da sociedade para a classe política, e não no sentido inverso, como insistimos em acreditar.

Colocar nas mãos dos governantes a culpa exclusiva pela corrupção é tirar de nós mesmos a chance de estancar esse vazamento interminável que mancha de negro a nossa existência. E a revolução cultural começa por simples gestos que, somados, resultarão num futuro mais digno para cada brasileiro.

Comecemos, nós mesmos, a agirmos de maneira proba como meio de exorcizar a corrupção da nossa sociedade. E o voto, repita-se, não é o instrumento único para se alcançar a vitória sobre esse mal. O voto é a ponta superior da pirâmide, a complementação desta, a ferramenta a ser usada quando a base já estiver devidamente consolidada.

Os amigos de Hitler, um texto de Eduardo Galeano

Esse texto é um fragmento do livro Espejos: uns historia casi universal, do uruguaio Eduardo Galeano. Vale à pena a leitura. Transcrevo em castelhano, porque talvez seja melhor que uma tradução livre e precária feita por mim.

Los amigos de Adolf Hitler tienen mala memoria, pero la aventura nazi no hubiera sido posible sin la ayuda que de ellos recibió.
Como sus colegas MussoliniFranco, Hitler contó con el temprano beneplácito de la Iglesia Católica.
Hugo Boss
vistió su ejército.
Bertelsmann
publicó las obras que instruyeron a sus oficiales.
Sus aviones volaban gracias al combustible de la Standard Oil [hoy Exxon y Chevron] sus soldados viajaban en camiones y jeeps marca Ford.
Henry Ford
, autor de esos vehículos y del libro El judío internacional, fue su musa inspiradora. Hitler se lo agradeció condecorándolo.
También condecoró al presidente de la IBM, la empresa que hizo posible la identificación de los judíos.
La Rockefeller Foundation financió investigaciones raciales y racistas de la medicina nazi.
Joe Kennedy
, padre del presidente, era embajador de los Estados Unidos en Londres, pero más parecía embajador de Alemania. Y Prescott Bush, padre y abuelo de presidentes, fue colaborador de Fritz Thyssen, quien puso su fortuna al servicio de Hitler.
El Deutsche Bank financió la construcción del campo de concentración de Auschwitz.
El consorcio IGFarben, el gigante de la industria química alemana, que después pasó a llamarse BayerBasf oHoechst, usaba como conejillos de Indias a los prisioneros de los campos, y además los usaba de mano de obra. Estos obreros esclavos producían de todo, incluyendo el gas que iba a matarlos.
Los prisioneros trabajaban también para otras empresas, como KruppThyssenSiemensVartaBoschDaimler BenzVolkswagenBMW, que eran la base económica de los delirios nazis.
Los bancos suizos ganaron dinerales comprando a Hitler el oro de sus víctimas: sus alhajas y sus dientes. El oro entraba en Suiza con asombrosa facilidad, mientras la frontera estaba cerrada a cal y canto para los fugitivos de carne y hueso.
Coca-Cola
inventó la Fanta para el mercado alemán en plena guerra. En ese período, también Unilever,WestinghouseGeneral Electric multiplicaron allí sus inversiones y sus ganancias. Cuando la guerra terminó, la empresa ITT recibió una millonaria indemnización porque los bombardeos aliados habían dañado sus fábricas en Alemania.

Das oportunidades perdidas na péssima constituição de 1988.

A constituição brasileira de 1988 é uma lei mal feita, porque feita para superação nenhuma. Na verdade, ela trouxe duas novidades básicas em relação às duas anteriores, a de 1969 e a de 1967: primeiramente, um extenso catálogo de direitos fundamentais, fartamente enumerados; e, em segundo lugar, a democracia representativa eletiva para todos os cargos executivos e parlamentares.

Não foi pouco, do ponto de vista formal. Formal porque os direitos fundamentais seguem francamente desprezados, embora enunciados solenemente, e a democracia eletiva é pouca coisa em termos de efetividade participativa, principalmente considerando-se o défice de educação formal e de democratização do acesso a informações.

Ela perdeu a oportunidade de fazer o que os momentos de ruptura geralmente propiciam, talvez revelando-se assim seu verdadeiro caráter de continuísmo mal disfarçado. Deixou de dar nova conformação ao estabelecimento, manutenção e queda dos governos. Em palavras poucas e comuns – e evidentemente restritivas – deixou de separar o Estado do Governo de forma clara e garantidora da estabilidade política.

Não vou seguir tentando evitar o lugar-comum: deixou de estabelecer o parlamentarismo. E, por isso mesmo, permitiu que a discussão da adoção desse sistema viesse à tona casuisticamente, de tempos em tempos, conforme imediatismos que o próprio sistema poderia restringir.

O parlamentarismo, de certa forma, é o golpe de estado institucionalizado em uma forma menos drástica de golpe de governo. Institucionalizado, ele funciona de maneira menos drástica que sem balizas formais, permite a alternância de governos sem implicar a ruptura constitucional, sem implicar a desestruturação do Estado, sem reclamar conspirações que se socorrem de interpretações jurídicas mágicas.

Quando a chefia do Estado e a do Governo vestem o mesmo personagem, a dignidade do Estado entra em jogo de varejo sempre que se ataca o Governo, muito embora as instituições sejam diferentes. Ao mesmo tempo, uma só figura humana tenta desempenhar dois papéis de difícil conciliação. Ao tempo em que tenta encarnar a estabilidade e posição de superior magistratura do chefe de Estado, tenta também – na verdade, é obrigado – desempenhar o ativo, fluído e instável papel de governante, submetidos a todas as vicissitudes da dinâmica política.

Caso não se vivam crises políticas, a coisa até funciona nessa confusão de papéis. Todavia, nas crises políticas que põem em questão a legitimidade do governo, seu apoio parlamentar ou seu apoio popular, o risco transborda para atingir o que a princípio não estava em causa, ou seja, as instituições do Estado.

No Brasil, vêm e vão discussões sobre o parlamentarismo, todas ao sabor de interesses imediatos – geralmente golpistas – que são precisamente o que o sistema preveniria, pelo menos nas formas mais traumáticas. Poucos tratam do assunto a sério e muitos mudam ou omitem opiniões segundo o momento.

O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso é um caso exemplar. Antes de suas duas e sucessivas presidências, era defensor aberto da adoção do parlamentarismo. Durante seus governos demonstrou um apego enorme ao presidencialismo, tão grande que fez o Congresso aprovar a possibilidade de sua reeleição – muitos dizem que à custa de subornos – e manipulou as taxas cambiais para, criando artificial sensação de riqueza, ganhar a segunda eleição. Depois, algum dilúvio, como sempre.

Presentemente, o mesmo Fernando Henrique, tomando o cuidado de não o fazer em períodos eleitorais, para evitar demasiado caráter casuístico, volta ao assunto, com alguma frequência. Os câmbios de opinião levam a crer que ele move-se pela vontade de restringir os poderes do titular do cargo que não seja ele mesmo.

Embora atualmente não haja crises políticas, notadamente porque a economia vai muito bem, há frequentes insinuações de golpismos sob vestimentas jurídicas. E nada impede que o golpismo mais franco ou a situação de perda profunda de legitimidade de um governo volte a repetir-se. Por isso, conviria que se discutisse a mudança na forma de composição e queda dos governos, separando-os da chefia do Estado.

É muito mais simples dissolver-se um parlamento, convocar eleições a buscar as vontades populares e compor novo governo que fazer algo semelhante ao tumultuado e pouco compreendido processo que culminou no afastamento do ex-Presidente Fernando Collor de Mello. Processo em que nada mais havia que uma insatisfação com o governo – que se revelou pouco confiável para muitos interesses – gerou uma tremenda confusão institucional a atingir o Estado, na medida em que o seu chefe e maior autoridade entrou na cena.

Os governos vivem de ter, manter e perder prestígio político. As presidências não podem viver ao sabor das mesmas forças, porque encarnam coisa muito maior e menos contingente. Outra saída era um Imperador, mas os bourbons nacionais parece que entraram em franca degeneração…

Hitler na Argentina?

Adolfo Hitler

As periferias sempre dão notícias com atraso. Por isso, leio do Diário de Pernambuco uma matéria sobre três livros do escritor jornalista argentino Abel Basti sobre uma fuga de Adolfo Hitler para o sul da Argentina. Eu sabia que um escritor norte-americano, ou inglês, não sei bem, já desenvolvera a idéia antes.

Desse argentino nunca ouvira falar mas, pesquisando um pouco, constatei que o primeiro de três livros foi publicado em 2006 e que o autor já vai no terceiro volume sobre essa fuga tão interessante e potencialmente lucrativa, tanto para o autor, quanto para o turismo em Bariloche.

Pois é, segundo Basti, Bariloche, antes de ser o paraíso dos deslumbrados brasileiros, acolheu gente mais importante. Ele sustenta que Hitler se teria instalado naquela estância em meio às montanhas e chega a apontar casas que teriam sido residência do austríaco célebre.

Diferentemente do inglês, ou norte-americano, Basti afirma que o Führer saiu de Berlim para um lugarejo na Áustria e, de lá para a Espanha, por via aérea. Então, teriam ele e alguns próximos, embarcado em dois submarinos com destino ao sul da Argentina.

A estória dos submarinos alemães na Argentina é conhecidíssima. A hospitalidade argentina para os alemães, também. A fuga do próprio Hitler, todavia, parece-me um pouco improvável.

O jornalista, inteligentemente, recorre a um pedido de comparação de ADN entre os pedaços de mandíbula e de crânio mantidos na Rússia com restos de uma irmã de Hitler, enterrados na Alemanha. Ele usou um grande argumento para tirar a prova, talvez por saber que os russos não se disporão a essa empreitada.

A melhor parte dos argumentos de Basti, que se podem ler no seu sítio de internet, são políticos. Havia fortíssimas simpatias norte-americanas e inglesas pelo Führer, o que não é segredo algum. Inclusive, os partidários do nazismo alemão tinham livre trânsito em Washington, antes e durante a segunda grande guerra, e faziam lóbi abertamente.

Essas simpatias da extrema direita norte-americana, contudo, não permitem concluir, por si sós, que se tenham empenhado em tornar viável a fuga do Führer, quando pouca diferença faria sua morte. Tanto o nazismo, como o extremismo de direita viveram e vivem bem sem a figura emblemática.

Vou procurar ler algum desses livros e, caso não seja muito chato ou muito superficial, permitindo-me ir até ao fim sem ter a impressão de perder tempo, exponho alguma impressão.


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