Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Psicologia social de mesa de café (Page 9 of 10)

A brincadeira que gostava de ter feito.

Alguém pode achar ofensivo ou até mesmo melindrar-se, quando vir que a brincadeira do título materializou-se em dois experimentos acadêmicos. Mas, devo esclarecer que não quero chamar às experiências científicas brincadeiras, apenas que para mim eram vistas assim, até saber que a ciência se apropriava das minhas idéias ou que, pelo menos, as confirmava.

De parte as brincadeiras e a minha presunção de originalidade, leio que investigadores científicos franceses, de duas instituições, deram verniz científico ao que um observador da vida – e principalmente da vida das nobrezas ascendentes de província – pode constatar com alguma regularidade.

Esses senhores investigavam a influência dos preços na percepção de qualidade que as pessoas formam sobre os vinhos. Dispondo de laboratórios e recursos puderam cientifissicar aquilo que o mortal comum pode apenas enunciar em conversa de mesa de café.

Eles – inatingíveis troçadores – puseram um único e mesmo vinho em diferentes garrafas, umas de marcas ordinárias e outras de marcas prestigiosas. E o resultado foi nada mais que o esperado. O mesmo conteúdo em continentes diversos produziu reações tão variadas quantos os preços que as garrafas sugeriam.

Os provadores eram afirmativos em apontar a superioridade dos vinhos que as garrafas mais caras vertiam e negavam qualidades aos que desciam das garrafas ordinárias, embora fosse o mesmo vinho! Em defesa, não do experimento, mas das pessoas, deve-se dizer que não eram mentirosas nem desonestas.

Eram presas de um mecanismo quase infalível de sugestão. O preço sugere qualidade e, tudo isso sugere que nossas avaliações são muito mais superficiais do que gostamos de fazer crer.

Fazer o dominado pensar que seu problema é o vizinho e não o dominador. Ou seja, incutir uma mentalidade de escravos.

Analisar como o domínio estabelece-se já é tarefa bastante difícil, pois envolve extensa atividade descritiva. Apontar um e outro aspecto por trás de seus mecanismos de manutenção parece-me mais fácil, até porque os fatores isolados fazem mais sentido relativamente à manutenção que ao estabelecimento. Há, também, a sedução de observar causas psico-sociais que passam despercebidas na maior parte do tempo.

Manter um domínio, antes de qualquer outra coisa, recomenda fazer o dominado crer que está em situação inevitável. A forma mais comum é caracterizar qualquer anseio e qualquer dignidade nacional subjacente ao anseio como frêmitos por uma ação inútil. Ou seja, deve-se incutir a apatia na defesa dos interesses próprios como atitude de inteligência de quem reconhece suas limitações. O sofisma aqui é facílimo de apontar, pois encontra-se na identificação – falsa – entre limitação e impossibilidade.

As variações da linha de ação mencionada acima são muitas. A mais eficaz é desdobrar a noção de apatia inteligente e fazer surgir a de possível ridículo caso tente-se o possível. Outro desdobramento – esse talvez mais infame que eficaz – é fazer crer que certas tentativas foram calculadas a partir de motivações absolutamente estranhas às declaradas.

Um exemplo auxilia a compreensão dessas linhas de ação. No início da década de 1980, a Argentina empreendeu uma guerra para retomar as Ilhas Malvinas dos ingleses, que as tomaram aos platinos. As diferenças de riqueza e de poderio militar sugeriam a inviabilidade da empreitada para os argentinos. Todavia, a provável inviabilidade não se confundia com a impossibilidade porque também era plausível que os ingleses não se empenhassem na guerra por um objetivo desprezível.

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A história não se reduz ao dinheiro.

Esse homem buscava apenas dinheiro?

Tudo em Roma tinha preço, por ocasião e em relação ao período que vai das guerras contra Jugurta até o fim da república, segundo Salústio. Esse comentário feito sobre os negócios políticos romanos da decadência republicana foi apropriado como mote interpretativo da vida, por quantos adotaram as variantes do utilitarismo como forma de interpretar as ações humanas.

Acho que a aceitação dessa premissa – generalizada – não corresponde propriamente àlgum anseio ou crença na venalidade humana absoluta. Talvez, revele um receio da falta do que se convencionou chamar explicações racionais para os atos humanos e os fatos históricos.

Esse receio tem raízes na necessidade de tudo abordar a partir das relações de causa e efeito e na superficial compreensão do que seriam causas aceitas como racionais. Buscando-se mais em retrospectiva, percebe-se também na sua origem uma deformada separação entre causas objetivas e subjetivas.

A separação a que me refiro pôs de banda tudo quanto fosse motivação de honra como integrante das causalidades subjetivas e, rejeitando-as como imprestáveis à compreensão, tornou-as em não-causas ou em causas objetivas disfarçadas.

Ou seja, tornou-se preciso considerar apenas o que seria objetivo como móveis válidos de ações individuais ou coletivas, ainda que o âmbito da objetividade  tivesse que ser reduzido para que a tese mantivesse alguma coerência. A tese é basicamente que toda ação é uma busca de uma recompensa objetivamente identificável.

Sucede que as ações podem ser compreendidas como permanentes buscas de recompensas ou reações determinadas, mas nem sempre elas são facilmente identificadas. Então, à vista dessa dificuldade, vai-se atrás de alguma das motivações facilmente catalogadas no index das compras-e-vendas. Outra postura seria possível, ou seja, seria possível investigar mais antes de resolver-se pelo reducionismo.

Se algum problema resulta dessa generalizada crença na explicação do mundo pela variação dos preços das pessoas é a ignorância do que pode estar efetivamente por trás de tantos movimentos humanos. Ora, nem sempre mata-se para roubar, nem sempre mata-se para divertir-se!

Não há, como móveis e explicadores das ações humanas somente o dinheiro, a diversão e o disfarce, para desgôsto da maioria das pessoas que se crêem bem-pensantes. Essas motivações estão muito presentes, claro, mas não sozinhas. Conviria que o homem atual – aquele ser seguro na sua epistemologia utilitarista de custos e benefícios – se lembrasse de que há pouco mais de cem anos havia duelos de vida e morte. Neles, como o nome indica evidentemente, buscava-se uma morte, não uma recompensa em pecúnia.

Os duelos de vida e morte para mim não são admiráveis nem reprováveis, eles simplesmente eram algo que acontecia. Ora, as pessoas que duelavam são as mesmas que não mais duelam, feitas nas mesmas proporções de carbono, nitrogênio e outras substâncias. Da mesma maneira que deixaram de duelar podem voltar a fazê-lo ou podem estar a fazê-lo sem que se compreenda.

Conviria também – e aqui advirto da minha não-admiração, porque a bipolaridade é tão arraigada que pode parecer o contrário – lembrar que ainda hoje algum ibérico dispõe-se a vestir-se em trajos apertados e desafiar um touro de 800 quilos. É perfeitamente possível que se compreenda isso como a vontade de receber a recompensa em dinheiro, mas é também profundamente estúpido e redutor. Há, e todo o mundo sabe-o, formas menos arriscadas de ganhar-se dinheiro!

Sobre o dinheiro e seu papel de motor das ações humanas, transcrevo adiante um precioso trecho de José Ortega y Gasset, extraído do ensaio Mandam as montras, publicado em 16 de maio de 1927, no El Sol:

A questão é sobremaneira complicada e não é coisa para se resolver em quatro palavras. Vá tudo isso que digo apenas com uma possibilidade de interpretação. O importante é evitar a concepção económica da história que anula toda a graça do problema fazendo da história inteira uma consequência monótona do dinheiro. Porque é demasiado evidente que o poder social deste foi em muitas épocas humanas bastante reduzido e outras energias alheias à economia enformaram a convivência humana. Se os Judeus possuem hoje o dinheiro e são os donos do Mundo, também o possuíam na Idade Média e eram a escória da Europa.

Carros com adesivos religiosos. Deus é fiel. Sim, mas a quê ou a quem?

Reparem no adesivo no vidro traseiro.

O trânsito é palco da maior reunião simultânea de absurdos e infrações que há. Acredito que isso deva-se basicamente a dois fatores: primeiro, à existência de carros demais; segundo, ao profundo egoísmo dos condutores. Na raiz desse egoísmo profundo e dissimulado poderíamos apontar várias outras causas, mas então partiríamos para a regressão infinita.

O fato é que nos dizemos cordiais, simpáticos, solidários, ordeiros, mas somos bastante egoístas, na verdade. O condutor brasileiro típico age como se o mundo estivesse em função dele, como se as regras mais triviais pudessem ser flexibilizadas segundo sua conveniência imediata, como se seus interesses fossem o suficiente para reclamar a complacência dos restantes.

Sendo assim a mentalidade dominante, quase todos sentem-se muito à vontade para estacionar carros em locais proibidos, para ocupar vagas destinadas a deficientes físicos, para ocupar duas vagas por ter preguiça de estacionar o automóvel corretamente, para desrespeitar as faixas de pedestres, para violar os limites de velocidades, para parar em local inadequado, quando alguém vai descer ou subir, impondo que todos esperem e toda uma coleção de infrações.

Muito curiosamente, a maioria das infrações é cometida por veículos com adesivos de teor religioso, que são uma verdadeira praga de gafanhotos. Os adesivos mais comuns são Esse carro pertence a Jesus; Foi presente de Deus; Jesus, é dele que você precisa e o campeão de todos Deus é fiel.

Essa última frase, estampada em adesivos automotivos, Deus é fiel, mereceria um estudo acadêmico profundo, uma vez que é destituída de qualquer significado. Ora, Deus é fiel a quê, a quem e como? As pessoas parecem acreditar em uma espécie de intransitividade desse adjetivo, em um valor absoluto desse complemento, que ele não tem.

Se alguém diz que Deus é amarelo, tudo bem. Se diz que Deus é brasileiro, tudo bem, que embora cômico tem sentido. Mas, fiel e só, não diz coisa alguma! Acho que poderiam ir mais além e dizer Deus é fiel a mim, o que seria herético, mas teria sentido. Porém, essa estória de coerência discursiva é bobagem e, no fundo, quem nada diz é porque nada quer dizer.

Significativo é que os proclamadores de insignificâncias religiosas sejam precisamente os maiores violadores das normas de trânsito. Talvez queiram dizer que respondem a normas mais elevadas e, por isso mesmo, têm o direito de desprezar as mais triviais e humanas. Todavia, continua sendo curiosa postura essa, porque a figura tão proclamada em frases sem sentido teria ele mesmo afirmado que não visava a revogar a lei!

O mecanismo de continuação da iniquidade.

O Brasil, contrariamente ao que se diz com ares de verdade absoluta, não se distingue pelos níveis de corrupção com dinheiros públicos e privados. Claro que isso acontece em patamares elevados, mas não tão diferentes do que sucede no restante do mundo. Ele distingue-se pela eficácia e sofisticação dos mecanismos psico-sociais de tolerância e supressão de riscos com a iniquidade.

Para ir direto ao ponto, adianto o que é a postura mental característica desse mecanismo: a noção de que qualquer insatisfação deve-se apenas ao insatisfeito não estar usufruindo da iniquidade. Não digo que essa linha seja uma simulação, porque ela realmente preside à maioria dos pensamentos; digo que ela é a base da tolerância e que antecedente a ela é a noção de que tudo está à venda.

A partir daí, viceja a interpretação de que qualquer acusação de iniquidade decorre do acusador estar a oferecer seu preço, ou seja, de que a acusação deve-se apenas à não contemplação do acusador pela mesma iniquidade. Rejeita-se, portanto, a possibilidade de contrariedade sincera, nivelando-se todos como potenciais subornáveis e aproveitadores das oportunidades de locupletar-se do ilícito.

Essa forma de pensar – sofisticada como mecanismo conservador – é defendida como atitude objetiva, calcada em uma suposta realidade absoluta e imutável. A tese tem enormes potencialidades e auto alimenta-se porque ela tem ares de justificadora de conflitos.

Na verdade, a maioria das pessoas que vive a acusar práticas ilícitas e a distribuir seu moralismo de ocasião está querendo fazer parte dos mesmos ilícitos e imoralidades que acusa. Basta verificar as práticas de políticos, antes e depois de eleitos, de funcionários públicos e de grupos econômicos antes e depois de aquinhoados com alguma vantagem estatal.

Todavia, embora aparentemente residual, existe a insatisfação de quem acha que o ilícito não devia  ser tolerado, simplesmente porque é ilícito, e não porque queira tomar parte nele. Aí começa a tragédia resultante do triunfo avassalador de uma forma de pensar. Quem se insurgir contra alguma patifaria sem querer beneficiar-se dela será compreendido como um postulante de alguma parte do saque. Será compreendido como um chantagista, enfim, que acusa para vender seu silêncio.

Imagine-se, como exemplo, que duas pessoas conversem sobre um roubo, consumado ou por consumar-se. Os dois interlocutores principiam o diálogo com uma e outra palavra a evidenciar que são contra o roubo. Um deles mantém-se mais retraído, não crendo ser conveniente derramar-se em impropérios e invectivas morais contra o ato. O outro assume a postura mais radical, acrescentando-lhe algum sarcasmo e ironia.

Em pouco, esse excesso de moralismo e o sarcasmo de um dos interlocutores acaba por transparecer seu pensamento, pois é bastante difícil ser-se totalmente insincero. Aqui e acolá, em uma e outra frase , percebe-se que o problema não é o roubo, mas quem tem oportunidade de pratica-lo. No fundo, esse interlocutor inveja a posição do ladrão e acha apenas que no vale-tudo que concebe como a vida, a questão é estar ele próprio nessa posição.

Ora, caso o outro interlocutor repudie roubos por achá-los indesejáveis, e não por querer ser o beneficiário da ocasião, verá essa manifestação de cumplicidade como uma verdadeira indignidade. Como a confidência que só se faz a quem se reputa das mesmas idéias. E aí está uma coisa verdadeiramente terrível nessa atitude mental: ela pressupõe que todos têm, no fundo, a mesma idéia e que ser-se contra uma iniquidade é somente questão de poder ou não pratica-la.

Não há qualquer problema em medir tudo com a própria régua – embora seja estupidamente limitador – mas achar que ela é a única começa a ser o triunfo do mecanismo conservador da tolerância com a iniquidade.

Homem é alvejado na cabeça por segurança de banco. Estupidez não tem limites.

Um homem foi a um banco, em São Paulo. Os bancos têm aquelas famosas portas duplas, de vidro reforçado, com detectores de metais. Caso o aparelho aponte que há metais, as portas travam-se e os agentes de segurança do banco intervêm. Habitualmente, a pessoa põe em uma pequena janela os objetos de metal que traz consigo e as coisas se resolvem.

O cidadão em questão tem um marca-passo – um pacemaker, como se diz em inglês – que é de metal e, por razões óbvias, não pode ser retirado e colocado na janelinha. Ele trazia um atestado médico apontando que tinha um marca-passo implantado sob a pele, provavelmente para explicar-se em situações desse tipo. E, devia ter êxito sempre, porque aquela não era a primeira vez que ia a algum banco.

Sucedeu que o segurança do banco cultivava a estupidez em níveis muito elevados e não compreendeu o que se passava. Iniciou-se uma discussão entre o homem, trancado na porta de vidro, e o segurança. Pelas tantas, o agente entendeu que a coisa mais apropriada a fazer era sacar de seu revólver e disparar na cabeça do homem! Sim, esse imbecil armado disparou um tiro na cabeça de um cidadão. O projétil transfixou o alvo e atingiu ainda outro homem.

Assaltantes não ficam parados em portas de bancos a discutirem com os seguranças, pedindo para entrarem. Geralmente, não falam, entram aos tiros. Tampouco andam munidos de atestados médicos que afirmam serem portadores de marca-passo, como estratégia ardilosa de entrar em bancos, induzindo os seguranças a abrirem as portas, pois geralmente entram aos tiros mesmo.

O descontrole e a incapacidade de compreender e lidar com situações próprias do trabalho, com relação a quem trabalha armado, não é uma bobagem qualquer. Onde está o maior risco, deve estar a maior responsabilidade e capacitação. Ora, é estúpido que a reação de um segurança de banco a um homem que tenta convencê-lo de que tem um marca-passo e que isso é o motivo dos apitos do detector de metais, seja disparar na cabeça do homem, pura e simplesmente.

A porta estava trancada, o homem não esboçou ânimos de entrar violentamente, o segurança podia simplesmente retirar-se e chamar a polícia, podia assumir inúmeras atitudes, todas evidentemente menos estúpidas que a por ele escolhida. Isso acontece em maiores proporções com as forças policiais, que desconhecem quase em absoluto as noções de proporcionalidade.

Sempre que cometem algum arbítrio e excesso de violência dizem que as vítimas esboçaram reações. Ora, essas mesmas vítimas geralmente estão completamente desarmadas e não têm condições efetivas de qualquer reação que ponha a polícia em risco. Ainda assim, as condutas policiais frequentemente desacambam para a violência desmedida e desproporcional aos riscos e aos fins visados. Algo como atirar com canhões para matar moscas.

Está impregnada na alma nacional a bipolaridade de reações e condutas. Oscilamos entre a total falta de reações e as mais extremadas e violentas possíveis, incapazes de fazer o que dá mais trabalho, ou seja, cuidar de cada situação na medida de sua gravidade e empregando os meios proporcionalmente necessários.

Espírito de rapina, cumplicidade e preservação. A constituição brasileira afirma um princípio da moralidade pública, mas para quê?

Duas atitudes desviam a percepção geral do instinto de rapina, de cumplicidade e de preservação que animam os passos das classes médias e altas, notadamente no seu relacionamento com os poderes públicos.

A primeira é o moralismo que repete à exaustão que falta ética por todo lado. Essa ladainha já elegeu um presidente, no Brasil, Jânio Quadros. Ele, em campanha, não se propunha a qualquer coisa além de falar em limpeza moral e seu símbolo, significativamente, era uma vassoura! Grande homem, tentou um golpe até bem pensado, apenas estava no país errado. Foi presidente por sete meses.

De minha parte, tenho imensa desconfiança por quem faz todos os raciocínios girarem em torno à moral. Deve ser anacronismo meu, mas acho que isso é um tremendo plebeísmo imoral. Fica a parecer que é uma horda de pusilânimes querendo aumentar o preço do suborno a que visam.

Outra vertente do disfarce são as formas. A glorificação de leis, regulamentos, procedimentos, instrumentos de controle, instrumentos para controlar os instrumentos anteriores, prazos, padronização de documentos, formulários e coisas desse tipo. A elevação dos meios a fins, em suma, e o divórcio mais evidente entre o se declara visar e o que se pratica. Aqui, o mote é o desapreço pelas regras e a contínua necessidade de mais delas.

Na essência, tudo pode continuar no seu curso habitual, mas deve se submeter a um processo formal, seja ele judicial, seja administrativo. Ou seja, qualquer problemática é reduzida ao nominalismo e tudo é possível, a depender do nome porque as coisas atendam. Levada essa postura a extremos, chega-se ao dia em que alguém mais sério quer enterrar o cadáver do irmão e ocorre o rompimento.

O Brasil da simbiose público privada aprecia deveras glorificar a banalidade jurídica que atende por Constituição. Banalidade porque é algo comum e não merece, no fundo e ao final das contas, o respeito que seus trovadores afirmam ter por ela. Pois bem, esse texto propôs – ou determinou, como se queira entender – princípios que devem orientar a administração pública. E, coerente com as mentalidades de seus genitores, deixou os traços da ambiguidade que possibilita a permanência da rapina.

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Mulheres árabes pagam 2000 euros por reconstrução de hímen.

O Dr. Marc Abecassis

Leio, na BBC em português, que o Dr. Marc Abecassis é muito procurado por mulheres árabes, ou árabe descendentes, na França, para cirurgias de reconstrução de hímen, pelas quais ele cobra à volta de 2000 euros. O médico assevera que a procura é maioritariamente de mulheres na faixa dos 25 anos, provenientes de todas as classes sociais.

O assunto chamou-me a atenção porque convencionou-se utilizar este exemplo como mais um das prisões sócio-culturais associadas ao islão e ao pertencimento étnico-social ao mundo árabe. Ou seja, de submissão a padrões culturais e religiosos, cuja infração pode levar à exclusão em graus variados. Ora, claro que é disso que se trata, mas a utilização do caso para acusar o islão ou a cultura árabe de impositores de sujeições sociais deixa entrever quanto somos complacentes com as mesmas coisas no nosso panorama cultural.

Por exemplo, uma vasta porção das populações masculinas jovens de cultura ocidental é refém da obrigação de gastar tempo e dinheiro em academias de levantar pesos, para ter braços fortes e músculos abdominais realçados, para utilizar engraçadas camisetas apertadas, em cores extravagantes e com desenhos estranhos, sob pena de exclusão social.

Uma vasta porção das mulheres jovens de cultura ocidental é refém da obrigação de submeter-se a cirurgias para inserir silicone nos peitos e na bunda, ou retirar gordura de locais vários, sob pena de falta de êxito matrimonial ou profissional. Aqui, é possível até apontar uma grande superioridade da himenoplastia, uma vez que demanda anestesia local e apenas 30 minutos, minimizando os riscos frente às grandes intervenções a que se submetem as jovens senhoras modernamente ocidentais.

Embora muita gente fale do ridículo e dos riscos associados às prisões sociais na raiz das condutas ocidentais, não há qualquer esforço maior de associá-los a causas profundas culturais, étnicas ou religiosas. Pairam como uma simples curiosidade superficial, um deleite de ocidentais livres. Enquanto algo intimamente semelhante, quando dá-se entre árabes, seja a prova irrefutável de uma inferioridade cultural e de uma dominação hedionda sobre as mulheres.

Farisaísmo pequeno-burguês.

Os indivíduos de extração aristocrática não fornecem os melhores exemplos de farisaísmo. Oferecem, claro, os melhores retratos de decadentismo, de certo anacronismo e, geralmente, de indiferença. Como o termo aristocrata, hoje, é muito impreciso, e mesmo impróprio, ele pode ser indutor de confusão. Basta lembra que é corrente tomá-lo por sinónimo de rico, o que não está conforme às suas raízes históricas.

Pode-se reter do significado original algo aproximado a um estoicismo de intelectuais de relativas posses. Fica evidente , então, que remanesce somente a palavra, utilizada para denominar os mais ricos que têm algum gosto. Para o que se aborda, essa delimitação deve bastar, porque a intenção é apontar dois grupos sociais e evidenciar um comportamento mais associado a um deles que a outro.

A pequena introdução justifica-se pela dificuldade de distinguir grupos sociais por critérios mais abrangentes que a mera detenção de um nível de renda. Por esse último critério, é bastante fácil estratificar as pessoas em classes A, B, C, E e até ao infinito. Todavia, das classificações essa é a menos precisa para revelar formas de pensar e para estabelecer identificações recíprocas. Um milionário e um médio-classista podem estar muito mais próximos ideológica e comportamentalmente do que suas diferenças de fortuna permitem supor.

Aceitemos, então, que aristocrata e pequeno-burguês são termos que designam grupos sociais. Insisto, sociais, não necessariamente econômicos. Os primeiros – sejam decadentes, sejam delinquentes, sejam o que forem – não esperam aceitação, nem afirmam a diferença, simplesmente crêem que ela existe. Isso é a matriz da arrogância, que em sociedades de massa engendra a degeneração da indiferença, fermentada na ignorância. Como não têm, em sua vasta maioria, reais méritos, são um simulacro. Mas, uma coisa é certa, não carregam culpas e são subjetivamente passivos.

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Diz a elas que eu sou juiz…

Encontrei um conhecido que esteve cursando um mestrado em Santiago de Compostela. Estava repleto de estórias para contar, é claro. Uma delas, achei-a engraçada e reveladora do que chamo a mentalidade do reizinho de província. Trata-se da atitude mental de quem não sai de dentro de si, de suas convicções, de seu meio social, e de suas circunstância, embora esteja em outro ambiente.

Entre os mil e um relatos de farras, interessou-me o episódio do fulano que é juiz, no Brasil. Trata-se de um colega de mestrado desse meu conhecido, que transplantou-se inteiro para Compostela, ou seja, não somente a pessoa e o estudante, mas o juiz.

Contou-me que um dia qualquer, anunciava-se uma festa à noite, com gente de várias nacionalidades. Entre as potenciais participantes do convescote, estavam três jovens de aparência nórdica, altas, loiras e falantes de um inglês razoável. Eram turistas, não estudantes. Meu conhecido pôs-se a falar com elas, no seu inglês suficiente para essas comunicações meio superficiais.

Então, o juiz chega junto ao grupo, ansioso e querendo comunicar-se, mas impossibilitado pelo desconhecimento de qualquer coisa que não fosse português e aquilo que ele supunha ser castelhano. Inquieto, vira-se para o colega brasileiro de mestrado e diz: diz a elas que eu sou juiz…

O indivíduo que me contou isso disse-me que esperava quase tudo, ou seja, que o juiz pedisse para ele convidar as garotas, pedisse para dizer que pagava um caminhão de bebidas para elas, ou qualquer coisa no gênero. Mas, diz a elas que eu sou juiz, assim, simplesmente, era desconcertante. Era, enfim, tolo demais para ser dito.

Perguntei se ele tinha traduzido para as turistas a identificação juizal do colega. Claro que não e fiz um favor para ele não dizendo. Não é que chegasse a ser propriamente ridículo – disse ele – mas era absolutamente despropositado, sem sentido. Imagine – continuou – eu estou conversando com três meninas, querendo chamar para uma festa e de repente eu digo olha, o fulano aqui ao lado tá dizendo que é juiz. Iam ficar com uma cara de e daí e iam pensar que éramos loucos ou imbecis.

Depois dessa estória fiquei mais certo de que o hermetismo é uma força psico-social muito intensa. É necessário ser muito vigilante consigo próprio para não sair afirmando suas circunstâncias próprias, como maneira de achar-se seguro e tentar destacar-se. O juiz do episódio compostelano, por exemplo, era tão hermético e limitado intelectualmente que não lhe passou pela cabeça que a circunstância do cargo que exerce é totalmente irrelevante na enorme maioria das situações que viveria em Espanha.

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