Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Infâmias (Page 20 of 20)

O estado de exceção e o discurso dos patifes.

O estado de exceção é a resultante da suspensão de uma ordem jurídica a bem de sua própria manutenção. Como diz Giorgio Agamben, ele apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo.

Nessas situações o âmbito político reivindica a não submissão ao jurídico e pretende auto normatizar-se constante e especificamente para cada situação concreta. A reivindicação sempre vem acompanhada de motivação e finalidade. A primeira é a existência de uma suposta degenerescência do estado e da sociedade, a reclamar autoridade. A segunda é precisamente salvar o estado e a sociedade da degenerescência apontada.

As consequências são o falecimento do que se dizia querer salvar. Em essência, é um discurso desonesto. Primeiro que a exceção torna-se maior que alguma regra e, portanto, deixa de ser excepcional. Segundo que a autoridade e a manutenção da exceção tornam-se os fins.

Algumas aventuras de exceção iniciam-se a partir de reais emergências, cumprem suas finalidades e observa-se o retorno do sistema. Assim vividas, são efetivamente suspensões temporárias. Todavia, na maioria dos casos, lança-se mão do discurso desonestamente, por estratégia política imediata. Não há os perigos apontados e, portanto, não são necessários os remédios prescritos.

No Brasil de hoje, em ano de eleições presidenciais, o discurso de exceção vem à tona, nas suas linhas iniciais. Certos grupos afirmam a ocorrência de ameaças que não existem e, de resto, a coisas que nunca prezaram realmente. É preciso dizer que neste país pouquíssimos prezaram e prezam a democracia, o que não é de espantar porque ela é um amontoado de sombras. Nunca existiu propriamente e seria difícil gostar-se de uma coisa assim tão etérea.

Não se devia confundir a perda de eficácia de um meio de propaganda – a imprensa – com o perecimento da liberdade de se dizerem as coisas, porque são diferentes. Assim como não se confundem o esgotamento da gasolina de um automóvel com o fim do direito a locomover-se livremente.

É vil acusar-se alguém de representar ameaça a direitos e garantias fundamentais apenas para gerar medo nos outros. E quando esse alguém não deu qualquer sinal de ser esta ameaça. Aqui, a falsificação soma-se à desonestidade política. E a desonestidade em segundo grau torna-se evidente ao observar-se que os afirmadores da ameaça foram cevados em um ambiente exatamente igual ao que afirmam temer!

A saúde pública e os pobres.

Conversávamos, ontem, sobre vários assuntos e esse da saúde pública voltou à evidência. No Brasil, a prestação de serviços de saúde deve ser pública e universal, segundo a constituição. Significa que todos os residentes neste país têm acesso garantido a tais serviços, independentemente de qualquer pagamento.

Estruturou-se um sistema para por essa garantia legal em funcionamento e o governo central estabeleceu um modelo de repasses de dinheiros para as unidades federativas – os estados federados e os municípios – administrarem e disponibilizarem as prestações. O sistema atual é muito melhor que os modelos adotados anteriormente. Realmente, antes da universalização, quem não dispusesse de algum dinheiro estava condenado a morrer sem quaisquer tratamentos, caso se visse doente.

Todavia, embora alguma coisa seja melhor que coisa alguma, o atendimento na saúde pública é muito precário e dele servem-se as camadas mais pobres da população. Não é intenção minha tratar dos vários desvios de dinheiros públicos, nem dos erros administrativos, muito embora seja quase inevitável apontar que existem. A intenção é, sem alongar-se demasiado, desnudar a causa mais profunda do mal funcionamento desse serviço público.

Ele funciona mal exatamente porque serve aos mais pobres, deve-se dizer sem mais arrodeios. Ora, as camadas economicamente superiores da sociedade servem-se de planos de seguro de saúde privados e, no fundo, estão pouco ou nada preocupadas com os serviços que elas não utilizam. É, basicamente, a lógica segundo a qual a dor dos outros não dói em mim atuando abertamente.

Alguém poderia lançar a objeção da democracia e argumentar que este mal funcionamento é, enfim, resultante da vontade geral. Essa objeção, contudo, tem o defeito de supor que uma democracia formal é mais que isso, ou seja, que é mais que forma ou farsa. Seria necessário, para suportar a tese da vontade de não funcionamento, acreditar que as pessoas querem o pior para si. Com efeito, é uma tese muito cara ao conservatismo social, mas absolutamente estúpida.

As pessoas não querem o pior para si. Elas, na verdade, não dispõem dos meios de organizar sua percepção e afirma-la no palco democrático, postulando efetivamente o que é melhor para si. Encontram-se excluídas por uma mistura de ignorância e emergência do dia-a-dia, o que lhes impede de conhecer direitos e postular sua efetividade. Escolher pressupõe conhecer as alternativas e suas consequências e quem não atende a esses antecedentes não escolhe coisa alguma.

A mesma razão explica a ineficácia e a indiferença das entidades estatais de controle dos serviços públicos de saúde. Os fiscais não usam esses serviços e limitam-se, portanto, às costumeiras abordagens formais, comuns em quem não está a defender interesses próprios. Contentam-se, enfim, em justificar-se frente aos do mesmo grupo e receber seus salários ao final dos meses.

Uma tirinha… Engraçada?

E.M. e as idéias
E.M. e as idéias

O que aconteceria se os personagens da tirinha fossem reais???
Já pensou se algum político de repente tem essa mesma idéia? E se de repente o cara contrata suas empresas para fazer segurança privada… Pra onde iria o dinheiro dos impostos? Esse político teria idoneidade para decidir sobre os rumos da segurança pública? Humm…

PS1: É sim uma tirinha engraçada… No mínimo dá calafrios… =)

PS2: E se o filho do político dissesse quase sem querer, de onde saiu o dinheiro de um certo castelo?

Tirinha direto do Malvados.com.br.

Retrato do Brasil. O que é saúde pública para pobres.

A fotografia acima quer dizer que durante um mês, o de janeiro, não se realizarão exames médicos na rede pública de saúde, em Campina Grande, Paraíba.

Suponhamos, para alerta de quantos julgarem isso banal, a seguinte situação. Alguém tem um câncer diagnosticado. Precisa urgentemente de exames para a determinação dos parâmetros do tratamento. Sabe-se que nessas doenças o tempo é um fator essencial. Ou seja, este paciente perderia preciosos dias de tratamento por conta dessa incúria.

Isso é, sem eufemismos suavizantes, um retrato de como funcionam serviços públicos cujos usuários são as camadas mais pobres da população brasileira. Um serviço essencial é interrompido como se fosse a coisa mais trivial do mundo, que não acarretasse problema algum. E, realmente, é revelador de certa mentalidade dominante. Quer dizer, para os mais pobres os serviços públicos são prestados como se fossem um favor, não uma obrigação constitucionalmente prevista.

Convém lembrar que a Constituição brasileira prescreve a universalidade da saúde pública e a continuidade dos serviços e que, portanto, tal conduta é frontalmente contrária à lei mais importante desse país. Convém lembrar também que os recursos financeiros para os serviços de saúde – administrados pelos Estados Federados e pelos Municípios – são eminentemente repasses federais. Ou seja, o governo central repassa os dinheiros e os outros entes sentem-se à vontade para condutas deste tipo.

Às vezes é interessante recorrer à exageração para propor alguma comparação. Suponhamos, por exemplo, que a companhia de fornecimento de energia elétrica informasse ao secretário de saúde que interromperia o fornecimento por um mês, para sua residência. Ora, seria o escândalo público, repercutido diariamente nos meios de comunicação institucionais.

Manipulações existem. Por dinheiro e poder faz-se quase tudo, inclusive uma gripe suína maior que a real.

Há um mito – parente próximo do fetichismo técnico e tecnológico – consistente na crença de que certas entidades são incorruptíveis e que certos assuntos são sérios demais para permitirem manipulações. Ou seja, algo que poderia ser enunciado, em linguagem comum, como acreditar que com certas coisas não se brinca. É sumamente falso, pois esses limites não existem.

A recente gripe suína – que ia dizimar as populações – fornece um belo exemplo. Indubitavelmente, insere-se no rol dos assuntos sérios, por razões evidentes. E assim foi tratada por entidades internacionais, governos nacionais e imprensa. Ninguém queria ser acusado de irresponsável ou leviano, diante das potencialidades destrutivas anunciadas, mas muitos o foram. No Brasil, por exemplo, o governo foi incessantemente acusado pela imprensa institucional de abordar o assunto levianamente.

Há pouco, passada a histeria inicial, duas abordagens mais sensatas vieram à tona. Os governos da França e da Alemanha tornaram público que não comprariam mais as tais milagrosas e absolutamente necessárias vacinas e antivirais contra a gripe. Agora, mais recentemente, cientistas dizem abertamente que o alarma não correspondia aos riscos efetivos e levantam-se suspeitas de corrupção na OMS – Organização Mundial de Saúde.

Mas, o senso comum permanecerá bem obediente aos ditames da mitologia do assunto sério, em que não se admitem leviandades, nem chantagens. Todavia, quem buscar evidências de que esses limites não existem vai encontra-las. Ao que tudo indica, laboratórios farmacêuticos estavam muito mais preocupados em vender seus produtos, pondo sob chantagem quase o mundo inteiro, que desempenhar seus papéis de produtores de remédios e só. Afinal, tanto remédios, quanto armamentos são vendidos!

Gente que maltrata bichos.

Fui a um bar, ontem ao final da tarde, com meu amigo Severiano. Depois de termos o trabalho de por no ar este blogue, novamente, era tempo de relaxar um pouco e tomar uma garrafa de vinho. Vai conversa e vem conversa e, pelas tantas, reparo embaixo da minha cadeira. Estava lá um gato, pequenino, que devia ter um mês de vida. Minúsculo, sujíssimo, malcheiroso e com uma pata quebrada. Tão reduzido de tamanho e de forças era o felino, que não conseguia comer os pedaços de carne que cortei bem pequenos.

Os garçons que passavam faziam menção de enxotá-lo, com os pés. Não, disse-lhes eu, deixa o gato aí, ele parece até que está morrendo. Ficaram desconcertados. O dono do bar, que passava, fez a mesma coisa. Deixa o bicho aí, rapaz, não está fazendo mal algum e o coitado está todo quebrado. É, disse ele, andou levando uns bicudos. Quer dizer, levou uns pontapés! Percebi – tenho pouquíssimo receio de estar errado – que o autor da obra tinha sido o próprio dono. É curioso como essas coisas se revelam. Muitas vezes, por contraste. O fulano, incapaz de compreender que alguém não se incomodasse com o bicho e mesmo se preocupasse com ele, quase reivindicava o comportamento oposto.

O desprezo por coisas e bichos é bastante variável. Em níveis muito elevados, o desprezo por bichos está a indicar o que se tem por pessoas. Claro que ninguém deve sentir-se obrigado a pautar a vida pelo acolhimento de bichos, mas pautá-la ativamente pela agressão é mentalmente rasteiro. Sobretudo se essa agressão não é o revide objetivo de alguma outra. Na maioria dos casos, não é. As maiores vítimas de crueldades são exatamente os bichos menos perigosos e agressivos: os cães e gatos vadios, de rua.

Confesso que ainda pensei em sugerir ao valeroso dono do bar que fosse distribuir pontapés em cavalos adultos e experimentar o risco de levar uns coices de quebrar a coluna. Mas, não resultaria coisa alguma. A impermeabilidade da alma é muito grande e seletiva. Só passa o que é conveniente. Melhor – ou pior, não sei -foi recolher o gato e agora ir atrás de um veterinário que atenda urgências aos domingos.

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