Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Infâmias (Page 13 of 20)

Acumulação de proventos na função pública.

As crises quase sempre são enfrentadas com remédios que, no conjunto, revelam-se inadequados. Como as doenças que não matam – ou não o fazem imediatamente, pelo menos – as crises estão ao sabor do tempo, na verdade.

Todavia, uma e outra medida acertada vem como resposta às crises. Podiam ser tomadas a qualquer tempo, mas costumeiramente as crises são necessárias para que elas se estabeleçam.

Pois bem, o Estado Português quer instituir a inacumulabilidade de pensões e outras remunerações da função pública. Ela insere-se na política de austeridade dos gastos públicos, que também prevê vários cortes orçamentais, um e outro de eficácia e justiça duvidosos. Essa, no entanto, parece algo quase intuitivo e que devia ser coisa natural.

Realmente, um viúvo ou uma viúva tem redução das despesas do grupo familiar quando acontece o falecimento do outro cônjuge. E, com a possibilidade de acumulação de salários e pensão da função pública, o sobrevivente pode estar a enriquecer sem causa, visto que a uma despesa menor corresponderão os mesmos rendimentos do anterior grupo familiar.

Outra forma de equacionar o problema é o estabelecimento de pensões proporcionais, quando o cônjuge sobrevivente já aufere rendimentos da função pública, como faz-se em alguns países. Essa proporcionalidade é estabelecida em função da idade do sobrevivente, dos seus rendimentos pessoais, dos rendimentos do falecido, número de componentes do grupo familiar em menor idade e outros mais que, em certas situações, podem significar a ausência da pensão.

A transmissão de um rendimento para o cônjuge sobrevivente – como pensão previdenciária – deve muito a uma realidade histórica bem determinada. Com efeito, eram muito comuns os grupos familiares cuja renda provinha apenas do trabalho de um dos cônjuges. Em tal situação, negar-se o direito à pensão era uma tremenda injustiça social, uma negação frontal do conceito de seguridade social.

Diferentemente ocorre quando um grupo familiar tem os dois cônjuges a auferirem rendimentos, principalmente se forem decorrentes de empregos públicos. Nestas situações, o direito à acumulação da pensão com o salário é medida de injustiça social, na medida em que representa um aumento de rendimentos a par com uma redução de despesas.

Evidentemente, o tratamento da questão deve passar pela consideração de algumas variáveis, para evitarem-se radicalismos também injustos. Há casos de grande disparidade de rendas entre os componentes do grupo familiar, em que seria recomendável o direito à opção entre o próprio rendimento e aquele da pensão.

No Brasil, essa possibilidade de acumulação conduz a situações verdadeiramente absurdas. Admitamos, por exemplo, um casal de  magistrados, cada um com salário à volta de 10.000 euros. Se um deles morre subitamente, o outro passa a auferir obscenos 20.000 euros, pagos pelo erário público, para exclusivo enriquecimento sem causa do sobrevivente, que já ganhava demais.

Não há qualquer interesse público subjacente a uma situação deste tipo, embora haja suporte legal. Quase sempre há base legal para os maiores assaltos aos cofres públicos, mesmo que os pagadores da conta – o povo submetido a impostos – não tenham a menor idéia do que acontece.

Essa questão conduz a outra, que a ela relaciona-se, no caso brasileiro. Trata-se da possibilidade de se acumularem cargos, funções ou empregos públicos, em detrimento do interesse público. Quando se trata do assunto, os interessados apressam-se a opor que a acumulabilidade está na constituição. Sim, mas e daí? A constituição não é um fato mais consumado e permanente que uma poça d´água, que virá a secar!

Essas acumulações são resquícios de uma visão precaríssima de função pública, uma visão impregnada até aos nervos de interesses exclusivamente privados e individuais. Está disfarçada por meia dúzia de declarações de boas intenções, quase todas meramente falaciosas e sem razões de serem.

Um funcionário público, por exemplo um juiz, pode dedicar-se a atividades empresariais – desde que não seja formalmente o sócio-gerente da sociedade – pode dedicar-se ao magistério. Acaba por não desempenhar a contento nenhuma das atividades a que se entrega, exceto, claro, a empresarial.

Em defesa disso, especificamente da possibilidade de acumulação de magistratura com magistério, diz-se que é medida tendente a trazer os melhores profissionais para o ensino superior. Mas, por que raios consagrou-se a idéia de que um juiz será um bom professor?

As atividades cumuladas devem-se permitir por diletantismo não-remunerado e sem prejuízo daquela que é paga pelo Estado. De resto, é melhor que cada uma seja exclusiva e, por isso mesmo, mais prestigiada pelo seu agente. Ora, um juiz é bom independentemente de ser professor e este não tem qualquer necessidade de ser magistrado para mostrar-se capacitado para o magistério.

A lógica atual implica um imenso desprestígio das atividades puras e principalmente das piores remuneradas, como é o magistério. Tornou-se coisa comum funcionários públicos graduados darem aulas e serem contratados pelas universidades exatamente porque são funcionários graduados. Findam por não serem, nem uma, nem outra coisa.

Um professor não deve sê-lo pela gana de aumentar seus já elevados rendimentos de magistrado. E um professor não deve sentir-se menos valoroso porque é somente professor. Na verdade, o que se entrega apenas a esta função devia ser profundamente cobrado e remunerado como o magistrado, para dedicar-se apenas ao magistério.

Convém fortalecer a noção de serviço público, sem ambiguidades, sem conflitos de interesses, de forma a impor e estimular ao funcionário a dedicação exclusiva. Sim, porque ele teve e terá a possibilidade de optar pelo desempenho de outras atividades. E também porque ele dificilmente poderá arguir que é miseravelmente remunerado na função pública.

O sistema atual aparentemente contempla critérios de ajuste e um deles é a compatibilidade de horários. Esse critério tem sua fragilidade evidenciada por uma rápida passagem pelo exemplo do magistrado. Ora, um juiz que dê aulas à noite, por exemplo, terá cumprido o critério da compatibilidade de horários com a função pública, porque não estará julgando em período noturno.

Todavia, um juiz que julgue adequadamente o volume de processos que a litigiosidade auto-referente brasileira significa nunca terá condições de preparar uma mísera aula, como ela deve ser. Ou, deixará de julgar adequadamente. Não será, enfim, nem bom juiz, nem bom professor e terá retirado a ocasião da universidade ter tido um bom professor.

Outro campo que padece desse hibridismo acumulativo de funções públicas e de pública e privada é a saúde. Os médicos são os reis da acumulação, têm inúmeros empregos, públicos, privados, têm participações ou titularidades de hospitais e clínicas.

Tendencialmente, descuidam das funções públicas e privilegiam o trabalho particular, em detrimento da população mais pobre, que recorre a um serviço público de saúde ruim. Grande parcela tem os empregos públicos como complementos de rendimentos, algo secundário, enfim, relativamente aos seus consultórios privados.

Ora, se o serviço público é ruim – ou pelo menos assim dizem alguns médicos – que não entrem nele! Vão para clínicas e hospitais privados ganharem o que acham merecido e dane-se a saúde pública. Isso obrigaria o Estado a contratar médicos públicos exclusivos com rendimentos compatíveis.

Esse hibridismo, esse contubérnio público-privado, resulta em serviços ruins. Resulta na noção de que o público é apenas um emprego cujos rendimentos devem ser acrescidos pela atividade privada, valorizada pela detenção do cargo público! E desestimula quem se queira dedicar àlgum deles exclusivamente, por convicção.

Vulgaridade.

Uma pessoa muito estimada queixava-se, há pouco, de receber uns vinte e-mails diários com as mais diversas e sórdidas vulgaridades contra a Presidente Dilma Roussef.

A julgar por meu interlocutor – admitindo-se que muitas comunicações dão-se entre pessoas da mesma classe social – trata-se de gente de classe média alta. Ou seja, as classes médias altas urbanas brasileiras são profundamente vulgares e agressivas, além de pouco instruídas e bastante vaidosas.

São profundamente subservientes e incultas e dão o cú à brincadeira para agradar qualquer coisinha que venha de fora, ao mesmo tempo em que esforçam-se ao máximo para exercer seu preconceito de classe contra aqueles cujo trabalho barato os enriqueceu.

São entreguistas: corretores auxiliares dos grandes corretores do país. São aqueles que, relativamente a Lula, faziam piadas grosseiras quanto à falta de instrução formal do Presidente. Faziam piada – suprema vulgaridade – com o fato do Lula ter perdido um dedo da mão, em um acidente de trabalho!

Com a doutora Dilma – que é engenheira mais capaz que nove entre dez desses profissionais no Brasil – qual piada farão? Farão o óbvio, que a vulgaridade é previsível. Farão piadas simplesmente porque ela é mulher, porque é divorciada, porque não está magra.

Com essa gente nada se faz, excepto, é claro, roubar o Estado e promover tertúlias de gente a pensar que uísque é o auge da elegância.

Juízes privilegiados pouco importam-se com justiça ou com o país.

Portugal viu-se obrigado a adotar medidas de austeridade para estancar o aumento do défice público e, futuramente, reduzi-lo. É claro que poucos falam dos endividamentos privados, certamente mais perigosos que o público, mas isso não significa que o problema dos dispêndios públicos seja desprezível.

Foram necessárias medidas de redução de despesas e de aumento de receitas. O imposto sobre valor agregado e o imposto sobre as rendas aumentaram. No caso do primeiro, mantiveram-se alíquotas especiais para os bens essenciais, como forma de reduzir a injustiça fiscal que esse tributo traz em si.

No caso do imposto sobre as rendas, aumentaram-se alíquotas nas faixas mais elevadas e reduziram-se as deduções, também nos escalões mais altos. Isso é uma questão básica de justiça social e de chamamento dos mais privilegiados a pagarem conforme suas possibilidades maiores.

Eis que os magistrados foram aquinhoados com uma subida do imposto sobre rendas e tiveram redução de benefícios como o auxílio para residência. Os juízes portugueses estão entre os mais bem remunerados e menos produtivos da União Europeia, convém salientar.

Se as medidas ficais atingissem indistintamente todos os escalões de rendas, seriam uma tremenda injustiça, em um país que conta com 20% da população na pobreza, segundo critérios europeus.

Ora, suas excelências reagiram, fortes no corporativismo e no ridículo de manifestações de entidade sindical de titulares de órgãos de soberania! Julgam-se inatingíveis, eficientes, e sem dívida de solidariedade com o restante do país. Julgam-se obreiros dos êxitos e escusados de serem parte em qualquer esforço nacional.

Suas excelências ganham muito bem, recebem um auxílio para morada completamente destituído de razões plausíveis e têm sessenta dias de férias, formalmente, porque na verdade são mais.

Deste outro lado do Atlântico não é muito diferente. Na verdade, parece-me pior, pois aqui, em geral, são mais arrogantes ainda, mais bem remunerados e menos produtivos. Julgam-se seres apartados da realidade social que os envolve e deles não se podem esperar quaisquer sacrifícios em nome de algo maior que a sua própria corporação.

Em tempos de crescimento econômico vigoroso, essas coisas podem até continuar, pois a pujança reduz a preocupação com os outros. Mas, esse mesmo crescimento e sua possível estabilização, levarão a que se pense nessa e noutras corporações com mais cuidado. Levará a que se ajustem seus imensos custos e se verifiquem suas reais utilidades.

Algum dia, no Brasil, será necessário verificar se precisamos deste nível de litigiosidade, se não será o caso mesmo de uma grande  e deliberada encenação para justificar o movimento da máquina jurídica, de forma auto-referente. Se não há, enfim, um enorme défice e uma burla institucional somente para dar espaço à corporação jurídica.

Política + religião = Serra?

Jeito certo de fazer política?

Jeito certo de fazer política?

Muito se discutiu nos últimos dias, sobre uma bola de papel na cabeça de José Serra. Não que seja certo sair por ai jogando bolas de papel nos outros, mas sim porque ninguém acreditou (ou pelo menos quase ninguém) na encenação feita pelo candidato e pela principal rede de TV do País acerca da consequência da tal bolinha de papel. Ademais disso, e depois de ver a foto acima, eu gostaria mesmo que José Serra do PSDB ganhasse as eleições presidenciais brasileiras. No final das contas, os Cristãos ficam com a foto abaixo, tomara que haja cartazes de apoio a ela também.

Petrobrax

Petrobrax

De Saramago para quem o quiser ler.

Eu sugiro aos entreguistas brasileiros, até porque está em linguagem bastante direta e assim não lhes doem os miolos, como acontece quando deparam-se com alguma sutileza maior ou com poesia.

“A mim parece-me bem. Privatize-se Machu Picchu. (…) privatize-se a Capela Sistina, privatize-se o Partenon (…) privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei (…). E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. (…) E já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.”

(José Saramago, in “Cadernos de Lanzarote – Diário III”, págs. 147/8)

Petrobrás e pré-sal:é isto que está em jogo.

Há muitas formas de ver a história política brasileira, quase todas a partir de certas díades clássicas. Uma delas parece-me a mais esclarecedora e pouco importa-me que os corretores tenham conseguido torná-la assunto proibido: nacionalistas e entreguistas.

Tanto esta é a mais importante que é precisamente aquela contra que mais se laborou. Um verdadeiro bombardeio mediático operou-se para tornar essa díade impensável, para dar-lhe ares de anacronismo, para fazer de quem a aborde um atrasado, um anti-moderno.

Os líderes entreguistas têm razões bastantes para sê-lo: são bem pagos. As pessoas comuns não têm qualquer uma, são mantidas na estupidez e até levadas a repeti-la, embora seja contra elas próprias. São a platéia de um espetáculo que desconhecem.

Há uma camada intermédia que recebe uma e outra migalha em pecúnia e também altas doses de imbecilização. Esses vão dormir tranquilos com alguma tolice modernosa e ambiental e entregam até as mães, se vier um dinheirinho e uma conversinha up to date.

A riqueza do Brasil em óleo é maior que o imaginado pelos leitores de alguma revista Veja da vida. E as possibilidades do mundo deixar de depender de óleo são muito menores que o imaginado pelos leitores da publicação mencionada. Só se deixará de depender dele quando ele acabar.

Essa riqueza é natural, ou seja, não é produto de qualquer trabalho humano. Ninguém pode reinvidica-la com suporte em qualquer tese, embora possa fazê-lo com bombas, é claro. Ela é do país inteiro e, portanto, deve servir a todos os seus cidadãos.

O país tem plena capacidade de explora-la em benefício seu, muito embora isso desagrade aos entreguistas. Tem-na técnica e financeiramente, bastando lembrar que a Petrobrás é a quarta maior companhia do mundo e detém conhecimentos da exploração em alto mar reconhecidos mundialmente.

Os entreguistas apostam na estupidez e no escamoteamento da informação. Dizem que não se exploram riquezas petrolíferas assim como o atual governo quer fazer. É mentira, pura e simplesmente, bastando para percebê-lo apontar o exemplo norueguês da exploração de óleo.

Essa será uma de suas últimas tentativas: oferecer-se aos interesses alheios aos brasileiros, de corpo e alma, como a mais alta aposta. É aposta elevada, porque muitos dos jogadores de fora já aceitam como normal que um país tão rico e tão vasto renda um pouco menos que uma tradicional colonia totalmente esmagada.

Quando já aceitam ganhar menos um pouquinho, surgem corretores do país a dizer-lhes que, caso cheguem ao poder, uma nova rodada de exploração colonial se abrirá e que o maior negócio do mundo será possível. Prometeram vender o pré-sal, claro.

O problema é que até o inquilino da Casa Branca desconfia da possibilidade de um negócio tal a estas alturas do jogo. Ele acha deveras desejável, mas tem dificuldades para crer que seja possível superar as possibilidades de compressão social e de assalto aos outros, nomeadamente quando os outros andam já meio crescidinhos.

Mas, os entreguistas insistem, até com certas doses de fé, que é necessário crer! E indignam-se que os selvagens não queiram aceitar seu mantra entreguista, que não reconheçam seu destino inferior de seres inaptos a cuidarem de si.

Têm medo de não cumprir o contrato, afinal nem celebrado assim tão convictamente pelos contratantes de fora. Têm receio de não poder entregar a seus patrões o que prometeram e ficarem sem patrões! Não se governam senão para servir e, portanto, não podem ficar sem patrões anglófonos, francófonos, germanófonos.

A classe média e o momento em que a ignorância inibe o oportunismo.

A característica mais evidente das classes médias brasileiras é o oportunismo. Percebeu que as migalhas dos repastos do 01% são suas. Recebem-nas avidamente e agradecem timidamente, macaqueando o que acham ser o comportamento do 01%.

Timidamente e a macaquear, sim, porque é incapaz de gratidão verdadeira, apenas de mimese e subserviência, que são coisas distintas. A gratidão verdadeira é incompatível com uma simulação a que se entrega como auto-justificação, a crença em ter méritos.

O 01% dispõe seus espaços, corporativos e estatais, de forma a aquinhoar os que vivem de suas migalhas. E deixa claro que tais espaços não são propriamente liberais, por um lado, nem propriamente uma burocracia profissional pública, por outro. São apenas arranjos para os 20% acomodarem-se e defenderem o 01%.

Quem apostar naquela lógica de enriqueça meu patrão para que o lixo dele seja mais calórico, está em bom caminho, a despeito da vulgaridade da formulação.

Pois bem, uma das coisas que esse grupo acha necessário emular é o preconceito de classe do 01% e, como todo imitador subserviente, é mais feroz que o imitado.

Em certas circunstâncias, contudo, a subserviência mostra-se às claras e inibe até o oportunismo. É o sujeito contra ele mesmo, a provar que nunca compreendeu bem que ele mesmo não existe independentemente de sua condição de recebedor de migalhas.

Agora, sondagens mostram que a maioria das classes médias votam no Serra, embora o Serra nada tenha a oferecer-lhes, notadamente à grande parcela que se encontra acomodada nos serviços públicos, independentemente de terem acedido a ele por exames técnicos ou por nomeações, que isso, no fundo, é diferença pouca.

Essa adesão é para demonstrar solidariedade ao preconceito de classe que o Serra representa, ele mesmo um ascendido que precisa mostrar-se mais elitista que as elites.

Acontece que o Serra não dará mais migalhas aos 20%, como provavelmente buscará retirar as migalhas das migalhas do 79%, para cumprir fielmente o pacto com o 01%.

Aumentar os preços do trabalho dos serviçais pode impedir que os 20% tenham-nos em casa a limpar seus banheiros. Garantir rendimentos mínimos a quem nada tem pode surtir os mesmos efeitos. Têm medo disso e votam contra isso.

Todavia, ainda que se mantenham as remunerações dos serviçais baixas, ou que se as reduzam, que seria o supremo gozo dos 20%, se as próprias migalhas reduzirem-se os efeitos são os mesmos! E as pressões continuam a subir.

O primeiro-ministro da Suécia arruma sua própria casa, ou paga caríssimo para alguém fazê-lo. A senhorinha de classe média brasileira tem uma escrava que recebe um arremedo de salário para fazer isso. Acha-se muito bem consigo mesma por, vez e outra, derramar sua grandeza cristã perguntando à escrava como vão aquelas quatro criaturas que ela pôs no mundo e que dormem no chão. Pronto, alma reconfortada.

A senhorinha terá acessos de fúria se a escrava algum dia surrupiar 14 ml daquele perfume francês que ela pediu àlgum parente para trazer do lugar exterior com que sonha, o free shop do aeroporto. O esquema de segurança e coação que trabalha para a senhorinha, que atende pelo nome de polícia, vai deter a escrava e dar-lhe uma surra até que confesse o delito apto a por as bases da sociedade em risco profundo.

A senhorinha, em seus momentos de reflexão íntima, vai ter reforçada sua incompreensão de porque aquela escrava tão bem tratada entregou-se ao crime, à incompreensão das invencíveis diferenças de classe e à ingratidão.

A escrava, depois da surra, ou mesmo antes dela, pode um dia aclarar na sua mente as razões da sedução por aquele líquido enjoado com nome francês. Ela pode, um dia, arrumar os pensamentos e perceber que, tanto ela, quanto a senhorinha, não têm a mais mínima idéia do qualquer coisa além da novela que ambas vêm.

Quantos votos tem o ministério público eleitoral?

Quem age em busca de votos, ou seja, de legitimidade popular para exercer os poderes públicos em nome dos detentores da soberania, pode ser parcial em seus julgamentos.

Quem, ao contrário, retira sua precária legitimidade de algumas palavras alinhadas em mau português, em um texto que atende por constituição, e que tem por função fiscalizar a aplicação da lei, não pode dar o menor sinal de estar a ser parcial.

A sub-procuradora geral eleitoral é favorável à aplicação de uma multa à TV Record, pedida pela coligação do candidato Serra, porque esta televisão teria produzido uma matéria favorável à candidata Dilma Roussef.

Se fosse razoável supor que a fiscal não lê Veja, Época, Folha de São Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo e que não vê TV Globo eu compreenderia a ânsia fiscalizadora de mão única.

Mas, a julgar por opiniões manifestadas em entrevistas e manifestações oficiais, creio que a fiscal dedica-se, sim, a esses meios de comunicação de massas, que fazem campanha semanal – no caso das revistas – e diária – no caso dos jornais em papel e televisivos – a favor de José Serra.

Fazem campanha aberta, conforme declarado pela chefe da Associação deles, uma funcionária da Folha de São Paulo. Aberta e declarada, no caso do Estado de São Paulo. Aberta e meio dissimulada, no caso da TV Globo, que chegou ao absurdo de utilizar o número do candidato José Serra, o 45, a propósito de comemorar seu aniversário. Tão flagrante, que essa emissora recuou da brincadeira.

A revista Veja é um caso verdadeiramente escandaloso de indigência intelectual, agressividade desmedida, mentira, parcialidade explícita, enfim. É um prolongamento da campanha de Serra, pura e simplesmente, acrescida de alguma dieta para emagrecer e alguma tolice dita por algum ator de novela.

Isso não preocupa a fiscal? Desempenhar esse papel aviltante não a preocupa? Instrumentalizar politicamente uma instituição regiamente paga – sem que ninguém tivesse sido perguntado se a queria pagar – com a finalidade de ser a confiável fiscalizadora da lei parece algo singelo?

Ora, as características maiores da lei são generalidade e abstração e por isso mesmo fala-se que ela é a mesma para todos que se encontrem nas situações previstas. Decorre que fiscalizar a lei é precisamente cuidar para que seja igual para todos, para que tenha seus caracteres de generalidade e abstração. Não é o que está a ocorrer…

O parlamento sueco e algumas práticas brasileiras.

Acima, um videozinho sobre como se remuneram e o que têm à disposição os deputados ao Parlamento do Reino da Suécia, aquele pais quente e pobre.

Lá, os deputados têm à sua disposição apartamentos funcionais de 40m2, lavanderia e cozinha comuns. Não têm assessores, nem carros à disposição. Ora, quem quiser que pague de seu bolso.

A Suécia é um péssimo e subversivo exemplo para o Brasil, esse país de clima agradavelmente temperado e profundamente rico e justo na distribuição dessas riquezas.

Aqui, deputados ao parlamento têm o tratamento adequado a grandes senhores acima da malta, que são. Salários altos, vinte e tantos assessores de livre nomeação – que, às vezes nem existem – passagens aéreas, apartamentos funcionais enormes ou um auxílio-moradia de irrisórios 1.300 euros.

Aqui, andam juntos os símbolos do pertencimento à classe senhorial e as vantagens pecuniárias escandalosas obtidas do erário.

Tribunais de justiça – que são vários e superpostos – têm frotas imensas de automóveis caros à disposição de juízes, que ter carro oficial com motorista à disposição é símbolo de imensa superioridade. Muitos têm residências funcionais pagas pelo erário, muito embora ninguém tenha encontrado uma justificativa minimamente razoável para esse privilégio.

Deputados e juízes têm férias que vão além dos sessenta dias. Os primeiros, na verdade, se quiserem viver em férias, vivem. Não há qualquer razão bastante para esse privilégio, o que os faz, inclusive, rejeitar veementemente qualquer abordagem do assunto. Os coitados, ganham tão pouco!

O jogo sujíssimo do Serra. Um caso de absoluta falta de escrúpulos.

Não vejo televisão desde o mundial de futebol, a copa da África do Sul. Isso não é algum exagero, é que não vejo mesmo, pois não me apetece. Passo bastante tempo conectado à internet, por outro lado, embora ande por poucos sites.

Uma postura da campanha de Serra eu não tinha visto ser anunciada em qualquer site, até hoje, embora supusesse que aconteceria.

Realmente, na semana passada, dizia a Olívia: acho que vão espalhar que Dilma é lésbica, porque essa gente não tem qualquer limite, porque pouco importa que seja verdade ou não e porque uma boa parcela das pessoas é profundamente estúpida e acha que isso é importante.

Ela disse-me que isso já anda circulando por aí. Ontem, falei o mesmo com Severiano e ele me disse: rapaz, já estão fazendo isso, tem até vídeo de uma mulher que afirma ter-se relacionado com Dilma.

Era previsível, bastava saber da falta de qualquer escrúpulo do Serra e da mentalidade estreita de parte da população. Mas, aqui, a coisa é tão vil que a melhor estratégia é mesmo não repercutir, não responder.

O Brasil se parece muito com os EUA em algumas coisas e uma delas é essa profunda estreiteza mental – burrice, mesmo – que se reflete na preocupação das pessoas com as vidas sexuais de políticos e candidatos. Ora, isso é do âmbito privado e devia ser colocado no rol das desimportâncias. É um desassunto, pura e simplesmente.

Não convém deixar-se contaminar pela noção de que as diferenças quantitativas são irrelevantes e que as qualitativas são as únicas e absolutas a serem tomadas em conta. Essa noção deformada é uma variante da tolice despolitizante segundo a qual todos são iguais, segundo a qual não há ideologias e segundo a qual a falta de escrúpulos dos políticos é a mesma.

Isso é falso e existem, sim, relevantes diferenças, qualitativas e quantitativas. O caso de Serra é revelador de uma baixeza muito grande até para padrões políticos brasileiros. No nível em que se encontra a campanha de Serra, percebe-se que não se trata somente de jogo sujo instrumental. É jogo sujo como único resultado possível de uma mente suja, ou seja, é o produto natural da origem natural, muito mais que algo milimetricamente pensado.

É autofágico e sem barreiras. É, enfim, como o sujeito que abre a caixa de Pandora porque quer ver sair de lá o que sabe estar lá.

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