Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Hipocrisias (Page 6 of 14)

Integração sul-americana e derrubada de corporativismos. Precisamos reconhecer diplomas automaticamente.

O Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai mantém uma união aduaneira e a liberdade de circulação de pessoas que, cautelosamente, não evolui para mais que isso. A lentidão no aprofundamento do Mercosul revela-se sensata. É difícil partir-se para moeda única, para a criação de instâncias governamentais únicas mais poderosas e para a liberdade comercial plena.

Nossas histórias não têm turbulências bélicas que recomendem tal nível de integração como prevenção de futuros conflitos. E nossas origens coloniais, com a colonização a sobrepor-se a culturas pre-existentes, não indicam que pensemos um pertencimento único, nem um futuro único.

Claro que boa parte desses aspectos aparentemente desagregadores foi estimulada e destacada pelo novo colonizador, os EUA, que nunca tiveram interesse no êxito da união. Mas, por outro lado, também é claro que nossas semelhanças recíprocas são maiores ou, no mínimo, semelhantes àquelas que inspiraram a União Europeia. A coisa é possível, enfim.

Hoje, a circulação de mercadorias é praticamente livre, embora haja casos de taxações extraordinárias. Mas, de regra, o comércio entre os países do Mercosul não se submete a impostos de importação e exportação, o que configura uma quase união aduaneira.

A circulação de pessoas também é deveras facilitada. As estadias dos nacionais em qualquer dos quatro países independem de visto e de passaporte, para estadias de até noventa dias. Para permanências a trabalho ou por qualquer outra razão, exige-se o visto, mas, na prática, as políticas soberanas dos países não impõem dificuldades à obtenção desses vistos. O trânsito de estudantes é muito intenso, por exemplo, e duvido muito que tenham se preocupado em pedir vistos e, no fundo, ninguém os molestará.

Interessante que cada país tem coisas que muito interessam aos outros. Falo aqui de profissionais licenciados naquelas que se costumam chamar profissões liberais. Ora, os quatro países julgaram-se reciprocamente confiáveis a ponto de permitirem o trânsito de mercadorias sem impostos, por que não deveriam liberar totalmente o trânsito de pessoas e franquear-lhe a liberdade de exercício profissional?

O que já foi feito significa um elevado nível de confiança e de vontade de integração. Significa que eles se reconhecem em situações institucionais semelhantes. Significa que reconhecem situações semelhantes para suas aduanas, para seus órgão de imigração, para seus órgão de regulação da qualidade industrial.

Por que não significaria reconhecimento igual de suas instituições de ensino superior? Se um carro feito na Argentina é legalmente idêntico a um feito no Brasil, por que um engenheiro licenciado na Argentina seria diferente de um brasileiro? Ou um médico? Tecnicamente, por razão nenhuma, claro.

A razão da vedação do livre exercício das profissões regulamentadas é puramente reserva corporativa de mercado. Reserva que se esconde atrás dos argumentos mais pueris possíveis. É hilário, por exemplo, uma corporação de ofício, a dos médicos, por exemplo, a defender a reserva de mercado amparada no argumento qualidade.

Qualidade? Qual o indicador que os levou a dizer que a qualidade da formação de um médico argentino é inferior à de um brasileiro? Na verdade, vistas as coisas de longe, sob perspectiva ampla, a conclusão contrária seria muito mais provável! E, mais provável ainda, é que a corporação de ofício queira, atavicamente, reservar-se o poder de dizer quem pode e quem não pode exercer o mister semi-divino e bem remunerado.

Não haveria maiores dificuldades práticas – e haveria nenhuma jurídica, além da empulhação habitual dos juristas – em tornar os currículos iguais, no caso da medicina e da engenharia. Afinal, são coisas que funcionam segundo as mesmas lógicas, independentemente das fronteiras políticas e geográficas. Mas, as corporações de ofício defendem seus poderes corporativos.

Com relação a advogados, a coisa seria mais simples ainda. Trata-se de um grupo em que a maioria é tão mal alfabetizada que a competição não precisa de reservas de mercado muito intensas. Além de ser grupo muito abundante, claro. Que problema haveria se uma invasão de advogados tomasse a Argentina? Nenhum, pois mal escrevem em português e em castelhano nada!

Para o público em geral, pouco importa que o médico a lhes atender seja brasileiro, paraguaio, uruguaio ou argentino. Importa que seja bem atendido e aos menores preços. Isso incomoda a corporação médica brasileira que, relativamente escassa, cobra o que quer e atende como quer. Superficialidade, negligência, erro são coisas do dia-a-dia, a que os clientes resignam-se.

São bons, muito bons e orgulhosos de suas competências? Então, não deviam temer a concorrência dos outros, que nada indica serem piores, ao contrário.

Ponhamos os bons frente aos ruins, então. Reconheçamos diplomas automaticamente, libertos dessa falsa noção de superioridade que quer manter uma qualidade que não se vê, ou coerentes com a noção de que os melhores não temem os piores. Escolham a lógica segundo a qual querem defender-se!

Para o pessoal que reclama de carga tributária, por conta da Veja ou da Bobo.

 

Essa tabela, achei-a no blog do Brizola Neto, que sempre merece uma visita. Diz o que a maioria nega, porque a maioria alimenta-se de rede bobo e revista veja. A moda brasileira é falar mal da carga tributária. Até quem vive de predar o Estado, que vive da tal carga tributária, fala mal dela.

O meritocrático funcionário de classe média alta fala mal da carga tributária, dela que, para ele, além de baixa é regressiva…

O cata – vento de Homer Simpson, o papel reciclado e a prima donna acadêmica.

Íamos de Campina Grande a Recife, um dias desses, e passamos por João Pessoa. Na saída da outrora aprazível capital paraibana, no sentido de Recife, há três aerogeradores, três turbinas eólicas de pouca potência. Acho bonito de ver-se, com aquelas imensas pás a rodarem aparentemente devagar, as pontas ligeiramente fletidas para trás. E acho importante que se as utilizem, como diversificação, tímida, é verdade, da matriz energética.

Fez-me lembrar um episódio dos Simpsons, aquela família em que a menininha foi a mais bem aquinhoada intelectualmente pelos deuses. No tal episódio, Homer Simpson perde a paciência com os preços elevados da energia eléctrica que lhe vendem e resolve, muito americanamente, solucionar o problema a partir da sua criatividade e poder de iniciativa.

Simpson devia ter visto muito o canal Discovery e lido qualquer coisa de Ciência Popular – lido menos que visto TV, naturalmente – e sabia de meios para escapar da servidão às companhias eléctricas. E, além do mais, é um norte-americano típico, ou seja, um empreendedor e buscador de soluções by himself.

Sabia, portanto, da existência desses maravilhosos cata-ventos grandes, que produzem energia a partir do nada ou, em perspectiva mais americana, a partir do que Deus criou para uso e deleite dos homens. Claro que Homer não sabia de custos, que isso não se aprende nos almanaques, embora saiba de preços; mas, são coisas diferentes. Bem, na obra, a questão dos custos é abstraída…

O Simpson mete-se a construir sua turbina eólica, seu grande cata-ventos libertador das extorsivas tarifas de energia, cobradas pela companhia gananciosa. Sim, gananciosa, porque na américa do norte não se diz que uma companhia rouba, diz-se que é gananciosa. Dizer ladroagem seria falar mal do país, que é uma companhia!

Depois de algum trabalho, o cata-ventos está pronto a ser utilizado e tudo sai às mil maravilhas. Funcionam todas as dezenas de lâmpadas acesas em cômodos vazios, a torradeira elétrica, o fogão eléctrico, o forno de microondas, a máquina de lavar roupas, a máquina de lavar pratos, as quatro TVs de quarenta polegadas, o portão eléctrico da garagem…

Vai tudo no sentido que deve ir, até que o vento deixa de ir em qualquer sentido. A menininha, Lisa, manifesta o lamento mais singelo de todos, quando o vento deixa de ventar, ela fica triste, diante da TV, quando esta apaga-se no momento em que House ia dar o terceiro diagnóstico errado!

Um francês desses que leu um terço de Deleuze e vive a reclamar que 1.500 euros mensais dão para nada diria que Homer Simpson descobriu a inevitabilidade da escravidão às grandes companhias. O próprio Simpson, não me lembro o que disse ou achou, mas voltou para a companhia eléctrica, que afinal nada é tão caro quanto ficar sem TV.

Homer Simpson pode ter ou não ter doutoramentos, mas está por toda parte. Não ele mesmo, é verdade, que o original é bastante honesto e desinformado. Alguns dos outros  são menos americanos médios e mais americanos médios altos, ou seja, mais bem informados e totalmente aptos ao conflito de interesses, sempre sob a capa da ciência e dos bons modos ambientais.

É o ambientalismo de papel reciclado, coisa que viceja por aqui, difundindo-se mais facilmente que pé de algaroba. O exemplo do papel reciclado, não o consigo esquecer porque representa o amor ao detalhe, exatamente onde o detalhe é mais detalhe. Se há uma coisa que é sustentável é a produção de papel, que vem toda de madeira ou de papel; a primeira mais barata que a segunda.

Não se derruba um hectare de mata, hoje em dia, para plantarem-se bosques de pinus para fazer-se papel. Não afirmo que as plantações programas e manejadas estejam onde sempre houve pinus, mas que ele está onde pode estar e que as florestas a virarem madeira são repostas. Para ser mais preciso, na Amazônia, fetiche de todo ladrão dos recursos brasileiros – sejam brasileiros ou estrangeiros – ninguém cogita derrubar mata para plantar pinus, porque é melhor criar gado ou plantar soja.

Há duas coisas a serem economizadas a sério: energia e água. O consumo de energia eléctrica pode ser marginalmente reduzido por meio de ganhos de eficiência nos modos consumidores dela. Assim, vários processos podem ser otimizados, com um consumo menor por unidade de utilidade. Mas, isso é mesmo marginal e anula-se pelo aumento dos dispositivos gastadores.

A maior parte ou o todo dos ganhos de eficiência são anulados pelo aumento do consumo. É conhecido que correspondeu à redução de consumo específico dos aparelhos um aumento do número deles, ou seja, à medida que uma TV gastava menos electricidade mais TVs havia por casa. O mesmo pode ser extrapolado para automóveis, por exemplo. A redução absoluta é assunto proibido, porque resulta no óbvio, quer dizer, na conclusão de que é necessário um empobrecimento seletivo dos que sempre gastaram mais.

Mas, a coisa virou assunto do dia e devia mesmo virar. Problema é que o discurso tornou-se alternativo ao mesmo tempo que manteve-se mainstream. É facílimo sofismar nessa área, por duas razões: primeiro, as massas reconhecem o problema como algo a ser tratado seriamente e, portanto, estão abertas para o que vier dos especialistas, que elas próprias dependem deles para lhes dizerem o que deve ser feito; segundo, que há os fulanos aptos a fazerem o papel dos fornecedores da verdade, sem parecerem funcionários de alguém.

E eles dizem que está tudo errado, que nós somos bárbaros desprezadores da tecnologia existente, barata, viável e capaz de resolver tudo. Eles não dizem que a tecnologia barata, disponível e viável não é barata, é pouco disponível e não é viável para resolver o problema, quando se consideram as cargas em questão.

E eles não dizem para quem trabalham, nem dizem tudo sobre o que propõem! É fácil sofismar com omissões grosseiras que não serão percebidas por quem recebe a ciência das prima donnas científicas como gotas de orvalho divino.

Algum imbecil diria que são desprezíveis os meios de geração de energia eléctrica a partir dos ventos e do sol. E outro imbecil diria que eles são suficientes para suprirem toda a demanda existente. E, nenhum dos dois tipos de imbecil dirá que é preciso reduzir o consumo!

Acontece que os imbecis não querem ser tratados assim e que, tampouco, querem ser tidos como mal intencionados, eis um impasse aparentemente difícil, que se resolve a favor deles. Nem são imbecis, nem são mal intencionados: são escravos que, por necessidade, dizem isso ou aquilo.

É possível que algum fulano acresça ao seu currículo as coisas belas do mestrado e do doutorado, com inevitáveis e poucas expressões em francês e alemão. Que tenha feito metade do que o pessoal que conferiu-lhes o grau exigiu – que metade basta e eles sabem disso. Que saiba fazer contas, que não receba suborno merecedor da qualificação e do nome próprio dele. Mas, é provável que tudo isso se misture na formação de um especialista que fala o que sabe improvável e recebe por isso de uma fonte que, improvável, pode-se saber qual é.

Hoje, no Brasil, não faltam especialistas que digam, simples e candidamente, que uma matriz energética fundada em geração hidroeléctrica é ruim; que florestas de células fotovoltáicas e de aerogeradores seriam o ideal e, principalmente, suficiente. Essa gente não dirá que uma matriz diversificada é desejável e possível, dirá que a atual é ruim, eis o ponto central.

Essa gente tem lado, o de quem os paga. E usa o sentimentalismo de ocasião que emociona as massas. O sujeito leva-te às lágrimas com a comovente estória da energia barata, oriunda do que Deus te deu, vento e sol.  Há energia nos ventos e no sol, como nos movimentos das marés, mas ela não é algo que se ponha no lugar do que há hoje, imediatamente. E, o mesmo sujeito não te diz dessa transição! Ele te vende um milagre e diz que há iniquidade no que faz acender teu computador e tua TV, precisamente o que te permite ver e ouvir a tolice do especialista.

Receio começar a achar que os especialistas são seres imunes a mosquitos, ao frio e ao calor, que não usam computadores, nem nada que consuma energia. Mas, eles são o inverso! São intensivos no consumo do que propõem a redução e encarecimento!

Mortes em Oslo e a imprensa a ser plenamente a imprensa!

Explodiu uma bomba em prédio do governo norueguês e morreram sete ou dez pessoas. Depois, parece que quarenta minutos depois, na ilha Utoya, um fulano matou, a tiros, mais de oitenta pessoas.

Os episódios ensejaram notícias comovidas e as costumeiras análises, imediatas e superficiais. Quase em uníssono, a imprensa, sem ter analisado coisa alguma, sem ter tido acesso a maiores detalhes, estampou os nomes terrorismo islâmico. Sim, porque só podia ser isso, tinha que ser isso.

Gente que se dá ares superiores e quer ser chamada de jornalista escreveu artigo, aqui e acolá, analisando a escalada da ameaça terrorista, islâmica, é claro.

Um mísero dia depois, tudo aponta para um radical direitista cristão, como autor! É perfeitamente plausível que o autor seja mesmo o radical Anders Behring Breivik que, como é comum nos casos, deu todas as pistas do que poderia fazer.

Apenas esses sinais costumam serem reunidos depois dos acontecimentos, o que é até melhor, porque do contrário a paranóia vivida seria maior. Tudo é previsível e quase nada é evitável, convém aceita-lo.

O mais interessante é a imprensa a ser o que é, às claras: superficial, ignorante dos fatos, desprezadora dos fatos na verdade, ávida por condenar sumariamente, presa de suas tolices assumidas como verdades, veículo de mão-única e de pouco pensar.

Outra coisa é interessante: será que a cristandade reivindicará para si o grande feito!

Brasilidades: a promiscuidade público – privada.

Esse, certamente, é dos caracteres mais marcantes de certa forma de estar no mundo que viceja forte no Brasil: a total promiscuidade público-privada. Essas duas esferas misturam-se e imbricam-se como nervos na carne, até se confundirem quase totalmente.

Claro que nunca ocorre a confusão total, porque o privado defende-se, e fá-lo como se nunca tivesse sugado o público até este ficar exangue. No limite, escapa o interesse privado, sempre.

A repulsa que a simples expressão dedicação exclusiva causa é prova inequívoca da promiscuidade público-privada enunciada acima. E não precisa ser dedicação exclusiva imposta de cima para baixo; trato aqui da dedicação exclusiva opcional e aproveito para falar de coisas concretas.

Sabe-se que existe um regime de docência superior em instituições públicas submetido a dedicação exclusiva. Nesse sistema, o professor optante – sim, é bom apontar o optante – passa a ganhar uma gratificação e fica impedido de qualquer outra atividade. O exclusiva da locução não abre campo a dubiedades e espaços vazios para interpretação: exclusiva quer dizer exclusiva e pronto. Assim está na lei.

Pois bem, muitos docentes optam pela dedicação exclusiva, para ganharem mais, e trabalham em outras coisas. Nesses casos, ocorre improbidade administrativa, ilícito que implica na reposição ao erário do ganho ilícito, impõe multa civil, impõe proibição de contratar com os poderes públicos e impõe suspensão dos direitos políticos e perda do cargo!

As leis são claríssimas quanto a isso, mas o fato é tão comum quanto claras são as leis. Inúmeros docentes de medicina, em universidades federais, optam pela dedicação exclusiva e trabalham em consultórios particulares. Outros tantos de engenharia fazem o mesmo e trabalham como consultores ou projetistas. Os exemplos estão em todos os ramos da docência, enfim.

E, tolera-se! Sim, tolera-se, não se escuta falar da coisa, fez-se dela assunto proibido, ou desassunto, ou coisa de menor importância. Ora, se era para ser assim, por quê raios trataram disso na lei e regularam a proibição? Será o amor profundo das aparências, a hipocrisia insuperável que nos inspira as ações diárias? Será a inclinação para a palhaçada, para o ridículo de sairmos a fazermos proibições em que não acreditamos?

Se a preocupação do sujeito é ganhar mais e ele pode consegui-lo trabalhando fora do serviço público, por que opta por algo que legalmente é impeditivo? Porque sabe que dará em nada, que, no final e ao cabo, estará navegando nos mares da normalidade extralegal.

A dedicação exclusiva deveria ser a regra das funções públicas, até para se evitarem conflitos de interesses. Qual a razão para se admitir que juízes, procuradores, promotores públicos, por exemplo, dediquem-se à docência superior? Não vivem a reclamar que trabalham demais, como querem ainda trabalhar mais, acaso ganham pouco?

Racismo no Brasil.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro produziu um estudo nominado Segundo Relatório Anual de Desigualdades Raciais. Alguns números são reveladores do racismo brasileiro. Os pretos e pardos têm menos acesso à saúde e à educação, por largas margens. Por exemplo, os afrodescendentes com mais de 15 anos apresentam tempo médio de estudos de 6,5 anos e os brancos de 8,3 anos.

As diferenças já foram maiores e vem reduzindo-se muito lentamente. Mas, essas diferenças revelam o que se quer negar veementemente, a custo de agressões frontais à lógica e às evidencias. O combate à evidência intensificou-se com a adoção de políticas afirmativas de inclusão.

A base do ataque às políticas afirmativas, de reserva de cotas, por exemplo, é a negativa das diferenças e dos conflitos. Por outro lado, ao mesmo tempo em que se tenta combater as cotas raciais, tenta-se esconder que a situação de sempre configura uma verdadeira política de cotas a favor de uma minoria que se julga devedora apenas de si, individualmente.

O modelo social brasileiro é profundamente perverso e sofisticado. Ele conseguiu um êxito raro entre os grupos humanos: manter níveis de desigualdades sociais e raciais muito profundos e evitar a explosão que seria natural esperar-se. E fê-lo com níveis de violência sistemática mais reduzidos que em outras experiências do gênero, como a sul-africana, por exemplo.

Claro que há níveis de violência não sistemática avassaladores, ou seja, de criminalidade dita comum. Ela, de certa forma, desempenha o papel repressor que a violência sistemática e organizada tem nos modelos excludentes tradicionais. Ele é somente aparentemente aleatória, porque os números revelam que as maiores vítimas são precisamente dos grupos excluídos e que se devem controlar.

A contenção social e a punição violenta por meio da criminalidade comum ainda tem uma vantagem de cunho psico-social que é afastar a percepção individualizada de culpa, seja de um e outro indivíduo, seja do governo, seja de uma certa classe social. Ela parece mesmo aleatória, embora não seja.

As partes mais engenhosas do formato brasileiro de exclusão são os múltiplos disfarces sob que ele esconde-se. Muitos escritores de grande talento – intelectuais, diriam alguns – contribuíram esforçadamente para a consolidação da idéia de mitigação das diferenças. E, aparente contradição, fizeram-no celebrando uma miscigenação que não foi uma integração. O caso mais notável é o de Gilberto Freyre.

A celebração da miscigenação racial a partir de elementos curiosos ou pitorescos, encadeados com fibras de ciência social, firmou a noção da democracia racial, até mesmo da esculhambação racial, como se no Brasil essas fronteiras se tivessem abolido em um conúbio de lubricidade e promiscuidade racial profunda. O que pode ser muito verdadeiro em termos puramente sexuais, não tem qualquer sentido social, contudo.

Muitos se compraziam em comparar essa suposta democracia racial brasileira com a segmentação evidente ocorrida nos Estados Unidos da América. Ou seja, ativeram-se ao aspecto puramente sexual e cromático da questão, deixando de lado as resultantes estruturais na sociedade.

A miscigenação, no Brasil, deu ensejo a uma estratificação cromática, a uma escala de branquitude a ser galgada constantemente, ao longo de gerações. Uma escala que correspondia, quase que à exata proporção, àquela do ascenso social e econômico. Quer isso dizer que a miscigenação considera-se um caminho programático de despreteamento da população, algo muito diferente de democracia racial.

A configuração da estratificação cromática sempre foi eficazmente disfarçada pela crença na ausência de barreiras raciais, quer dizer, na carnavalização das relações entre indivíduos e grupos de origens sociais e raciais diferentes. O modelo impôs-se fazendo acreditar que existe, sim, hierarquia social, mas que não existe racial.

Todavia, os valores cultivados, nomeadamente os estéticos, também permitem ver que a hierarquização não é apenas social e econômica, mas racial. Claro que descortinam a questão mais sutilmente que os números reveladores da nítida exclusão por raça. Interessam exatamente porque são uma via de percepção mais sutil.

É notável que os padrões desejados de estética corporal, em sua maioria, claro, apontam para o branqueamento. Assim, em exemplo bem redutor, buscam-se cabelos claros e lisos e não o inverso. Buscam-se traços fisionômicos caucasianos e não é à toa que este país é o campeão mundial na área da cirurgia plástica!

É inegável que há forte miscigenação racial no Brasil e que as classes intermédias são compostas de mestiços. Porém, é também inegável que as classes dominantes, nos seus estratos mais altos – digamos os 02% – são quase integralmente compostas de brancos, que se apropriam da maior parte das rendas nacionais.

Os números e conclusões apresentados pelo estudo da UFRJ indicam que os pretos e pardos têm qualidade de vida inferior aos brancos, sob qualquer aspecto objetivo considerado. Ora, isso não tem outra explicação senão um profundo, dissimulado e continuado racismo. Sim, porque a única explicação restante não convém aos racistas atualmente, excepto por um e outro grupo francamente defensor de superioridades raciais.

Os líderes da dominação, de qualquer delas, sabem que precisam esconder, primeiro a própria dominação, segundo suas causas, terceiro sua inércia. Precisam exercer o domínio por meio do que os norte-americanos chamam soft power, ou seja, mediante o engano, a confusão e o disfarce.

Trata-se de asseverar que existe a igualdade e de pô-la nas leis, formalmente. Trata-se de assegurar que as oportunidades são iguais, ainda que o sejam somente nos papéis escritos. Trata-se, enfim, de esconder que há uma tremenda inércia social e que isso é decisivo para que alguém esteja onde está.

Se alguém consegue perceber, ainda que discretamente, o papel da inércia social, logo o modelo lançara nuvens sobre esse pedacinho de compreensão e falará como se tudo se limitasse ao recebimento ou não de heranças. Pois o domínio implica também em fazer ele mesmo a pauta de discussões e delimitar como os assuntos serão abordados. Assim, ele conduz às conclusões que lhes convém, ou conduz à falta de conclusões, à confusão e a mais nuvens.

 

 

É o petróleo, estúpido!

Em 1979, os norte-americanos começaram a temer que a virada autonômica sucedida no Irã se espalhasse por todo o médio oriente e norte da África. Temor um pouco explicado pela insistente ignorância de que a Pérsia não tem nada a ver com a arábia, excepto pelo islamismo. Pode ser difícil de acreditar, mas a diplomacia norte-americana costuma ser ignorante, talvez por excesso de confiança.

O fato é que temiam um aumento grande dos preços do óleo cru, além da dificuldade de explorá-lo a partir de suas próprias companhias. Tinham na memória as nacionalização de Mosaddegh, algo que os tinha obrigado a promover um golpe e patrocinar o Xá Phalavi, um usurpador dócil às Shell e British Petroleum da vida.

Quando os problemas circunscreviam-se à Península Arábica, ao Magreb e à Cirenaica, era mais fácil de resolver, bastanto, muitas vezes, chamar a aviação israelense. Mas, com o Irã, era diferente.

Partiram para uma tentativa óbvia: armar o Iraque, por a soldo o chefe sunita Hussein, e manda-lo incomodar o Irã com uma guerra totalmente sem sentido para os guerreantes. A guerra custou caríssimo, mas não resultou no desejado, ou seja, não conseguiu levar o Irã à falência e à sucessiva ocupação ocidental.

O chefe sunita Hussein, certo de ter tentado cumprir sua missão e de contar com alguma solidariedade dos seus chefes, parou um pouco de ser instrumento e foi cuidar de governar seu feudo babilônico. Deve ter percebido que, para agradar minimamente os súditos, precisava desagradar também minimamente as companhias petroleiras estrangeiras.

Os EUA e seus acompanhantes europeus não podiam descuidar de um assunto tão importante quanto o preço do óleo combustível. Organizaram um grande bombardeio e, alguns anos depois, uma invasão militar. Ocuparam o Iraque, militarmente, destruíram sua infra-estrutura, dissolveram a precária arrumação de forças que lá havia e escolheram outros bandidos para comporem um governo de farsa.

Criou-se demanda para as indústrias bélica, de construções, de fornecimento de mercenários e, principalmente, garantiu-se abastecimento de óleo.

Hoje ou, melhor dizendo, antes do bombardeio da Líbia, vinham de lá 15% do petróleo consumido na França. É uma parcela muito significativa, o que explica a avidez gaulesa em agredir a Tripolitânia e a Cirenaica. Esse fornecimento não estava ameaçado, porque o regime conduzido por Gaddafi havia-se articulado aos interesses das petroleiras.

Acontece que outros países norte-africanos e árabes viviam revoltas populares contra governos absolutamente vendidos e dóceis aos interesses ocidentais. E, por outro lado, absolutamente contrários às maiorias de suas populações. Era a perfeição de um neocolonialismo sem tropas de ocupação. Bastavam algumas famílias de saqueadores locais e as companhias européias e norte-americanas, com livre trânsito.

A Líbia, embora Gaddafi tenha-se transmutado de cão louco em sábio amigo, revelou-se o objetivo ideal de uma ação exemplar. Precisamente onde os indicadores sociais eram os melhores e a população a mais rica dos Estados Norte-Africanos. Precisamente onde jorra o petróleo mais leve e mais fácil de ser refinado.

Aqueles a quem chamam rebeldes são uma gente que não gosta de Gaddafi, mas tampouco quer, em sua maioria, ser escrava de franceses, ingleses e norte-americanos, como simples instrumentos de um saque a recursos naturais. Apenas subornando-os e dando-lhes armas, não será suficiente para obter-se o país.

Terão que invadí-lo, ou seja, fazer da forma mais cara o que já funcionava da mais barata. O momento crucial deu-se quando Gaddafi, pressionado, disse que venderia seu óleo apenas a chineses e russos. Daí surgiu toda a bravura francesa na defesa dos interesses humanitários de meia dúzia.

Esse mapa acima, da divisão do saque ao Iraque, já está pronto para a Líbia. Nele, certamente a Total tem um quinhão maior, na proporção de quantas bombas e quantos Rafales as despejaram na Cirenaica. Assim são as ações humanitárias aprovadas pela ONU. Quer isso dizer que o petróleo humanizou-se?

 

Fernando Henrique Cardoso está senil?

Não me conto no número dos que se envergonham de usar os termos direita e esquerda. E também não estou entre aqueles que evitam os termos classe dominante e dominada.

Com relação a esquerda e direita, além de tratar-se de coisas distintas, é qualificação útil para falar-se de política, independentemente de qualquer carga valorativa. Ou seja, existem os lados de esquerda e de direita e isso não significa que existam os lados bom e mau, que isso é lógica binária de pastor evangélico.

Dominantes e dominados é uma díade muito mais interessante, porque atravessa um largo espectro social e econômico.  Os dominantes no topo da sociedade tentam impor a não utilização do termo, porque a dominação mais efetiva impõe o próprio disfarce.

No sentido contrário, é válido afirmar que quanto mais ostensiva uma afirmação de domínio, menos efetiva ela é. O domínio profundo é aquele que se nega, que se esconde, que não se vê e não se percebe muito claramente. A ele convém ser assim nebuloso, porque o que não se vê não se ataca.

De uns tempos para cá, uma parte mais restrita da classe dominante brasileira, a parte mais aparentada ao financismo, enfrenta dificuldades em fazer a maioria da população comportar-se explicitamente contra si própria. Ou seja, perdeu um pouco a capacidade de enganar os dominados.

Assim, perdeu também três eleições presidenciais. Estranhamente, dá sinais de não perceber as razões disso, o que é deveras preocupante, como o viciado em estupefaciantes que não percebe o vício. Nada obstante, em lamentável falta de pudor, expõe sua incompreensão publicamente, como um lamento de ideólogos.

Essa indignação não tem mesmo razões para ser tão profunda. O povo não se tornou, de uma hora para outra, conhecedor das coisas, instruído ou liberto das amarras e disfarces que lhe turvam a visão. É, basicamente, o mesmo de sempre, enganado, ignorante, incapaz de distinguir o que está por trás do jogo mediático e político; premido pelas circunstâncias do dia-adia.

O que aconteceu, para que o povo não escolhesse os maiores dominantes, ou seja, para que não votasse contra si próprio novamente, foi simplesmente que os dominantes passaram dos limites do razoável na dominação. Aprofundaram o que já era muito profundo.

Acreditaram que era possível seguir aprofundando desde que as Globos, Vejas e Folhas seguissem seu bombardeio de mentiras e desinformação. Há precedentes desse tipo de engano. Adolfo Hitler acreditou em Göering, quando este assegurou que a Luftwaffe abasteceria as tropas da frente oriental. Ele precisava acreditar!

Mas, não deu. O modelo da gente representada por Fernando Henrique é concentrador demais, exclusivista demais, menos intelectualmente requintado do que pretende, mais vil do que uma e outra privatização sugere. É absurdo que um modelo de predação – quase aleatório – tenha chegado a crer-se um projeto de poder de longo prazo, o que evidentemente não era.

Que um e outro ideólogo forjado na ditadura mergulhe na impostura de reclamar do sistema político, como se fosse um democrata visceral, não surpreende. Não há o direito a enganar-se ou surpreender-se com farsantes que estiveram, em determinado momento, no lugar de evidência política, a revelar nada mais que oportunismo.

Todavia, que Fernando Henrique Cardoso tenha atitudes que permitam questionar sua inteligência é de surpreender mesmo. Não que seja o autor que ele, Fernando Henrique, supõe-se. Mas, o homem foi presidente da república por oito anos, foi o corretor – mor de venda do país por oito anos.

Ele foi ungido pelos dominantes e por significativa parte dos dominados. Não é um qualquer, portanto. Ele é o chefe de um partido, o representante na política de grande parte da classe dominante brasileira. Ele representa, no Brasil, interesses estrangeiros os mais variados. Ele costumava ser um homem de bons modos, de gestos corteses, de fala mansa, embora balbuciante e repleta de erros que nunca reconhecerá.

Pois Fernando Henrique diz que seu partido político – em provável marcha para a extinção – deve apoiar-se nas classes médias, deve identificar-se com elas, defender seus interesses. Que não deve preocupar-se em manter alguma interlocução com o povão. De minha parte, agrada-me bastante que sigam essa receita, pois assim precipitam-se de vez.

Fernando Henrique deve ter conhecimento bastante de que as classes médias são o que há de mais próximo, em termos de sinonímia, de ingratidão. Não há uma classe ou estrato social menos confiável que a média, nem menos dotada de honorabilidade.

A razão disso é que se julga meritocrática, ou seja, que se julga devedora de ninguém. Acredita que as migalhas que recebe de cima, ganhou-as por direito próprio ou divino. Acredita mesmo! É absolutamente incapaz de reconhecer sua incapacidade, sua pequeneza, suas dívidas sociais.

Crê-se plena, suficiente, devedora de si própria, apenas. Todavia, vende-se por qualquer coisa e depois não se considera corrupta ou corruptível. Ou seja, se fosse uma pessoa só seria o tipo do perfeito patife que ganha algo, mata o doador, sai a difama-lo e a elogiar-se a si próprio.

Fernando Henrique acha mesmo que um projeto político sério e grande pode apoiar-se nas classes médias brasileiras? Elas não admitem recuos em termos sociais e econômicos, porque crêem que suas posições são estáticas e imutáveis. Sua visão não é dinâmica, porque tomam o ponto de referência como ponto de partida.

Fernando Henrique não ganhou a terceira eleição presidencial exatamente porque levou a concentração a nível tal que implicou perdas para as classes médias. Elas não perdoam! Agora, ele convida seu partido a ser o representante das classes médias! Pode ser efeito da senectude.

 

 

 

Guerra: o principal por trás dos acessórios.

Não se faz a guerra por interesses alheios. Dos interesses dos outros, cuidam eles e só eles. A guerra por interesses estranhos aos próprios só tem exemplo nos mercenários, mas esse caso não invalida a assertiva inicial. Os mercenários estão a soldo e custam caro; eles não fazem a guerra por interesses alheios, fazem-na por pagamento.

A guerra é instrumento de conquista ou de manutenção: de dinheiro, de território, de recursos naturais, de honradez. Há outra variante das motivações mais evidentes, que com elas se mistura: a geração de despesas para uma nação, a bem de quem vende os instrumentos de guerra.

O evidente é que não se fazem guerras para proteger os outros. Aqui, dois aspectos destacam-se: primeiro, o que se consideram outros; e segundo, a mentira que subjaz à guerra pelos interesses alheios.

Outro é definido por identidade cultural, alem de identidade de interesses econômicos e financeiros. Isso não se devia esquecer, para não se ficar em percepção enviesada e insuficiente do que está em jogo. Para que não se lancem objeções superficiais, outro é muito mais que a diferença entre nacionais de países diferentes.

Mas, não se limita às diferenças, por exemplo, entre muçulmanos e cristãos. Saber o que são os outros implica considerar a história e a cultura como elementos fundamentais das tensões que resultam em guerras. Contra os semelhantes – os não – outros – podem-se fazer violências tremendas, também.

Todavia, as violências entre semelhantes delimitam-se no âmbito não-violento, fisicamente. Delimitam-se no âmbito institucional, jurídico. É questão de embate entre os que detém mais riquezas e os que detém menos. Essa tensão no mesmo grupo resolve-se de forma menos drástica que a guerra, embora possa ser tão ou mais perversa.

O outro é aquele que pode e deve receber bombas na cabeça, porque definido por exclusão. A exclusão do diferente permite que ele seja um fator de justificação, pura e simplesmente, assim mesmo, despersonalizado.

Um exemplo basta, entre muitos. Bombardear a Líbia – ou o Iraque, ou qualquer outro outro – é algo que a opinião pública dos bombardeadores concebe quase abstratamente, com toda confusão que o abstrato pode gerar nas massas. Misturam-se mil e uma impressões, pedaços de conceitos, fragmentos de conhecimentos poucos, para gerar a paixão.

A paixão, tão superficial quanto as lágrimas que substituem uma emoção forte por uma fraca, é cega e torna cegos os que a ela sucumbem. A paixão está a serviço da razão, mas a inclinação emocional de uns a serviço da atividade clara de outros.  Não que uns apoiem estupidamente outros, porque todos sabem a que se visa e o que se ganha.

Todos ganham, uns mais e outros menos, todos são culpados, todos são vencedores ou perdedores. Assim é, porque uns são outros, contra quem tudo é possível, tudo é roubável.

Pára estancar o discurso meio obscuro, lembremos que a gasolina é barata nos EUA porque os outros, que a produzem, não são donos dela. Se eles resolvem aumentar o preço desse líquido inflamável, formam o consenso dos que o consomem. O consenso dos que se beneficiam mais e menos contra os que não se beneficiam de nada.

Faz-se a guerra, a bem de qualquer mentira, que elas servem igualmente bem, sejam bem elaboradas ou não. Faz-se a guerra por razões humanitárias. Esse nome, destituído de significados tangíveis, insere-se no simbólico. Quero matar, mas quero dizer que tive motivos para fazê-lo.

 

Khadafi, o bem-amado!

 

Esse painel de fotos é lindo! Nele, vê-se o Leão da Cirenaica – o apelido é por minha conta – junto a simpáticos amigos: Obama, Sarkozy, Berlusconi, Aznar e Blair. Que homem bem-querido!

Na cara de Sarkozy é possível distinguir, com algum esforço de interpretação fisionômica, a gratidão.

Porém, bastou-lhe a audácia de anunciar que venderia petróleo somente para a China, Rússia e Índia para… tornar-se um enviado do Príncipe do Mundo e tome bomba na cabeça.

« Older posts Newer posts »