Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Desimportâncias (Page 9 of 13)

Campina Grande precisa de uma livraria.

A editora Alfaguara publicou novamente algumas obras do maior poeta brasileiro, João Cabral de Melo Neto, em edições preciosas. Reuniram em três volumes, chamados pelos nomes dos grandes poemas Morte e vida severina, O cão sem plumas e A educação pela pedra, grande parte da poesia cabralina.

Os volumes têm biografia, cronologia, bibliografia do autor, índice de títulos e um pequeno prefácio a respeito do autor e da obra. Queria compra-los para oferecê-los a um amigo, apreciador de boas letras portuguesas, que suponho gostará destes versos quase perfeitos.

Acontece que não há livrarias nesta urbe de quatrocentas mil pessoas, duas universidades públicas e três particulares! Há delas, claro, pequenas e bastante específicas, com livros jurídicos, livros religiosos, livros sobre informática. Não há, sem mais, a livraria como a entende o apreciador de literatura, aquela a que se vai quase por mania, para ver, pegar os livros, sentar, ler um e outro pedaço, tomar um café.

Pode-se comprar livros por meio da internet, o que é bastante prático se o sujeito sabe precisamente o que deseja e dispõe-se a esperar uns dias para ter o volume em mãos. Tenho comprado muitos livros assim, usados, em um ótimo sítio de internet, a estante virtual. É até melhor que alguma livraria se se deseja algo mais raro e fora de catálogo das grandes editoras.

Pois bem, o fato é que nos deslocamos 130 Km, até João Pessoa, para ir a uma livraria e comprar os tais livros de João Cabral de Melo. E não foi para ir a uma esplêndida livraria, mas a uma dessas de centro comercial, que vendem livros, revistas, jornais, discos,  filmes, petrechos de informática, máquinas de fotografar. Coisas como as Fnac ou Livraria Cultura.

Essas lojas são muito mais que livrarias e seu sucesso está precisamente nisso. São locais de convivência e de deixar passar o tempo. Não têm mesmo grandes acervos de coisas boas, porque quase tudo gira em torno a manuais de como ficar-se rico ou em paz consigo próprio. Todavia, são livrarias! São amplas, vendem de quase tudo, têm onde sentar-se, comer alguma coisa, tomar um café, uma água.

Não há uma loja dessas em Campina Grande! Arrisco-me a parecer atrevido em suposições de comércio e econômia, mas acho que estão perdendo um bom negócio. Uma livraria assim não dará prejuízos porque ela não vive propriamente de leitores ou amantes de livros, ela vive de quem precisa de um espaço de lazer e convivência, com o pretexto dos livros, que é uma desculpa aparentemente sofisticada para o frequentador.

Além de atender ao sujeito que a frequenta porque acha bonita a aparência intelectualizada, ela presta um grande serviço ao que visa aos livros mesmos. Ou seja, finda por ser boa para todos. Ninguém vai imaginar que uma Fnac retira a maior parcela de seus lucros dos bibliófilos. Ela vende computadores, jogos, bilhetes para espetáculos, comida, aparelhos de GPS, quase tudo enfim, e continua a vender livros.

Esses estabelecimentos tornam-se pontos de convergência de interesses diversificados e por isso mesmo são lucrativos. Não sou ingênuo a ponto de lastimar a inexistência de uma livraria de verdade, mas lamento profundamente que não haja nem das de mentira e creio que alguém está perdendo dinheiro nisso.

A burrice e a produção de efeitos indesejáveis.

A burrice é a força mais intensa e mais perigosa de quantas agem sobre as pessoas. Convém não confundir burrice com má-fé, que embora sejam coisas muito distintas, geralmente são tomadas na conta da mesma e única motivação de alguma ações.

Ela também não se confunde com a assunção consciente de riscos, situação em que o efeito indesejável era razoavelmente previsível, mas houve a tomada dos riscos. Aqui, há manifestação de vontade a saber que consequências ruins podem ocorrer.

A burrice aparenta-se um tanto ao desleixo, à falta de cuidado, à despreocupação com o que pode resultar. Enfim, a despreocupação com resultados e a burrice interpenetram-se, como se fossem reciprocamente causa e efeito uma de outra, sucessivamente.

O caso é que a obra de reforma feita na casa onde fica o órgão em que trabalho resultou na colocação de um tipo de revestimento cerâmico na calçada em frente que é quase como azulejos. Estes, como todos sabem, são muito lisos e quase não apresentam atritos. Molhados, são a superfície ideal para escorregões.

Ia eu saindo do trabalho, na última sexta-feira, e chovia. Desci as escadas e cheguei à calçada, caminhando para o carro. Na esquina, escorreguei e levei um tombo imenso. Um dos pés subiu e o outro ficou mais firme no chão. Cai de lado já sentindo dores fortíssimas e um estalo que me fez pensar na ruptura de todos os ligamentos do pé ao tornozelo.

Consegui levantar-me agarrando-me às grades, com uma dor de fazer gritar. Quando ergui-me, tentei pisar o pé que doia – para saber se o desgraçado havia quebrado. Mal botei o pé no chão e quase caio mais uma vez. Arrastei-me para o carro, entrei e sentei, esperando passar o pior da dor. Demorou.

Consegui dirigir até em casa, com uma torção no tornozelo. Ainda agora estão o pé e o tornozelo bastante inchados e doloridos, mas deve passar logo.

Se fosse uma velha ou um velho – ou pessoa de qualquer outra idade que caísse de pior jeito – podia dar-se muito mal. E isso porque algum ou vários estúpidos puseram no chão um piso que é quase de azulejos. Podiam tê-lo feito de cimento – que era até mais barato – ou de pedras ou de qualquer outra coisa.

Claro que os fulanos autores dessa obra não estavam premeditando quedas em dias de chuva. Eles simplesmente não pensaram em coisa alguma, não consideraram as possibilidades, agiram a partir de critérios de moda, ou a partir de critério nenhum. Também não se pode dizer que assumiram riscos, que não devem ter pensado em risco algum.

Assim se produzem os piores males, porque essa motivação percebe-se desde a colocação de azulejos no chão ao vôo de um avião com defeitos. Não se trata de opção consciente por algo que traz alguma recompensa mas pode trazer algum prejuízo. Trata-se de fazer por fazer, sem consideração alguma.

O adjetivo no lugar do advérbio.

Por trás dessa insignificância que é a troca de um adverbio por um adjetivo, pode haver sutilezas psicológicas a serem desveladas. O caso é que essas substituições são relativamente frequentes e apanhei-me a pensar nelas, pois habitualmente detenho-me em imensas bobagens.

A frase, a mais comum e modelar dessa troca de quantas tenho ouvido, é a seguinte: Fulano dirige ruim. Evidentemente está errada, do ponto de vista gramatical, porque ruim não qualifica a ação de dirigir. Mal qualifica a ação de dirigir, assim como outras tantas. Ruim pode qualificar o agente, não a ação.

Minha primeira desconfiança quanto à origem do erro foi que os falantes tomam as categorias advérbio e adjetivo por uma coisa só. Isso implicaria, primeiramente, que a troca ocorresse apenas entre os menos letrados, o que não é o caso. Realmente, a permuta das categorias é extremamente democrática e permeia muitas classes sociais.

Uma possível explicação para essa amplitude social do erro gramatical poderia estar nas diferenças entre a lingua escrita e a falada. Mas, outra circunstância vem alertar para outros motivos: o uso de um pelo outro vê-se, tanto falado, como escrito. Ou seja, não se trata de uma falta de vigilância devida ao à vontade da língua falada.

Se a causa maior estivesse na consideração de identidade das categorias, ou seja, na consideração de adjetivos e advérbios como a mesma e única coisa, seria perceptível que os falantes tomassem, por exemplo, mal e ruim como sinônimos. E isso, todavia, não acontece. Quer dizer que, no fundo, o falante não as reputa iguais e indistintas, mas faz uma escolha que deixa ver uma ponta de sua constituição psicológica.

Ao dizer fulano dirige ruim o falante não está verdadeiramente ocupado em qualificar a forma como fulano dirige. Está, verdadeiramente e coerentemente com o uso do adjetivo, qualificando o próprio fulano, não a ação. É a subjetividade que não se consegue esconder, nem aprisionar pelas normas gramaticais.

No comum dos casos, não se fala genericamente, objetivamente. Fala-se de alguém, transbordam julgamentos pessoais sobre alguém, mais que sobre as ações que esse alguém pratique. Somos muito terra-a-terra, no dia-a-dia; muito contra e favor de alguém e profundamente indiferentes às ações e àlguma enunciação teórica.

A alma da intriga e da fofoca, da cosmologia de botequim, da sociabilidade de casa de pensão é a nossa real substância.

Fradique Mendes oferece um exemplo para ilustrar a tese.

Duas postagens sobre o mesmo assunto é chato. Mas, pior seria uma mesma postagem com uma enorme transcrição, ainda que seja de Eça de Queirós. Por isso, segue a parte final da carta a Madame S., em que Fradique oferece um exemplo a ilustrar o que vinha teorizando sobre o domínio de línguas estrangeiras.

Eu tive uma admirável tia que falava unicamente o português (ou antes o minhoto) e que percorreu toda a Europa com desafogo e conforto. Esta senhora, risonha mas dispéptica, comia simplesmente ovos – que só conhecia e só compreendia sob o seu nome nacional e vernáculo de ovos. Para ela huevos, oeufs, eggs, das ei eram sons na Natureza bruta, pouco diferençáveis do coaxar das rãs, ou de um estalar de madeira. Pois, quando em Londres, em Berlim, em Paris, em Moscou, desejava os seus ovos, esta expedita senhora reclamava o fâmulo do hotel, cravava nele os olhos agudos e bem explicados, agachava-se gravemente sobre o tapete, imitava com o rebolar lento das saias tufadas uma galinha no choco, e gritava qui-qui-ri-qui! co-có-ri-qui! có-rócó-có! Nunca, em cidade ou região inteligente do universo, minha tia deixou de comer os seus ovos – e superiormente frescos!

Um conselho de Fradique Mendes.

O final do almoço, Pierre-Auguste Renoir

C. Fradique Mendes é das criações mais deliciosas de Eça de Queirós. Claro, é um caráter feito de superficialidade, dandismo, intelectualidade de mostrar em salão, ironia. Um flâneur de um mundo cujo centro estaria em Paris.

A obra consiste em um volume com a primeira parte chamada Memórias e Notas e a segunda chamada As cartas. Recolho um trecho da quarta carta, em que Fradique comunica a Madame S. algumas opiniões sobre o desejo desta senhora de ter seu filho perfeitamente instruído na língua castelhana.

Não pretenda alguém ver no trecho adiante sugestão ou conselho meu próprio e lembre-se, a propósito, da ligeireza e ironia que fazia a personagem de Fradique. Se há sugestão, é dele, do grande mundano português do século XIX, não minha, que me falta arte para tanto. Bem o queria, mas…

Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra; todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afetivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do caráter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila, introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo. Rue de Rivoli, Calle d´Alcalá, Regent Street, Wilhelm Strasse – que lhe importa? Todas são ruas, de pedra ou de macadame. Em todas a fala ambiente lhe oferece um elemento natural e congênere onde seu espírito se move livremente, espontaneamente, sem hesitações, sem atritos. E como pelo verbo, que é o instrumento essencial da fusão humana, se pode fundir com todas – em todas sente e aceita uma pátria.

A celebração da irrelevância. A tolice falada com solenidade. A ciência de coisa nenhuma. Qualquer desses títulos serve.

Não são todos os jogos do mundial que assisto totalmente sem som. São apenas os narrados por um funcionário da Rede Bobo que se destaca verdadeiramente na falação de tolices. Os outros eu os vejo com o mínimo volume possível, por hábito mesmo, porque afinal a narração e os comentários são desnecessários. O jogo vê-se.

Mas isso que me chama a atenção não é próprio da Rede Bobo. No fundo, todas as transmissões de futebol são parecidas e o que se destaca na Bobo é a quantidade, não a qualidade. Ela é pior porque tem mais do que torna ruim uma transmissão. Abusa da celebração da irrelevância, da oferta da bobagem com solenidade.

Tudo tem que ser tornado em alguma coisa especial, em alguma coisa que se explique com um número, com uma data. Então, quando jogam duas equipes nacionais, o pessoal da televisão começa a derramar-se em datas e números. Nesse preciso momento faz 473 minutos que a equipe tal não sofre gols em dias ímpares. Ou: quando a equipe tal joga com seu uniforme azul e a Lua está em conjunção com Marte sempre cai uma chuva fininha no segundo tempo do jogo e o atacante escorrega antes de alcançar a bola.

Ora, não há problema algum em se repetirem trivialidades e pseudo-estatísticas durante a transmissão de uma partida de futebol. Nada disso é importante e nenhuma dessas estatísticas consiste em algum dado útil a qualquer pensamento. O problema é anunciar essas bobagens com ares de solenidade, como se estivessem a oferecer preciosidades ao público. Isso é humor e deve ser tratado como tal.

Vai começar mais um jogo e o falador televisivo sai-se logo com alguma coisa assim faz seis anos, quatro meses e vinte e três dias que a equipe A não perde uma partida sempre que seu treinador calça a meia esquerda antes da direita e a humidade relativa do ar está maior que 50%. Sim, mas e daí? Fazia minha vida toda até que eu escrevesse esse texto e antes de escrevê-lo ainda não o tinha feito!

Façam piadas, senhores televisivos. Não há mal em falar cretinices desde que não sejam presunçosas.

E a Espanha ein? Que fiasco… E a suiça ein? Que felicidade!!!

A Espanha fez seu debut no mundial. Mundial este que estou acompanhando de vez em quando pelo diário esportivo espanhol Marca, esse dai do calendário (debut inclusive é a palavra que eles usam pro time estreante).

Eu podia escrever aqui muito sobre o jogo, porém o mais interessante de se acompanhar as reportagens pelo Marca, é que há muitos comentários lá mesmo, e além dos espanhóis há também portugueses e muitos sul-americanos, ou como eles chamam “sudacas”, a rivalidade entre as seleções, do Brasil, da Argentina, de Portugal e da Espanha estão presentes, além de outros paises (afinal é um jornal grande e há notícias de todos as seleções, então é de se esperar que quem saiba arranhar uma escrita em castelhano dê uma comentada por ali). Além de ma rivalidade muito grande entre as torcidas do Barcelona e do Real Madrid, entre outras, dentro da própria Espanha.

Então deixo vocês com alguns comentários colhidos por lá e as fotos da vitória da Suiça.

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Calendário da Copa do Mundo 2010.

O diário espanhol Marca lançou um calendário da Copa do Mundo online, dá pra ver as datas dos jogos, pela equipe, pela cidade, pelos grupos, enfim, ficou muito bacana, só falta os horários serem os daqui, porque afinal são os da Espanha… Nem tudo é perfeito né, fazer o que. Vai uma foto de como ficou abaixo, e para acessar basta clicar aqui, há versão em espanhol e em inglês.

Calendário da Copa 2010
Calendário da Copa 2010

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