É anátema ou apologia falar em ordem e em seriedade. A primeira, as pessoas confundem com repressão. A segunda, confundem com tristeza ou com a aparência formalmente compungida. As duas coisas não são o que o senso comum adotou como percepção delas; e faltam a esse país, ambas.

Repressão, já existe em demasia no Brasil e, ademais, de forma seletiva com pretos e pobres. Transborda seus efeitos, uma e outra vez, sobre aqueles que a glorificam, pegando-os aleatoriamente. Aí, é o escândalo, são os gritos, o fim do mundo, a reação bipolar.

Seriedade, para nós, é uma postura teatral. Há momentos para expressa-la, mas nunca é ua seriedade séria, em que se acredite. Sim, porque achamos-nos os felizes, os do carnaval constante, os únicos e exclusivos seres alegres do planeta. Acreditamos nisso como em uma revelação de carácter distintivo. Temos que sê-lo.

O povo recebeu o guia de comportamento, recebeu as linhas gerais de seus personagens sociais; ele os recebeu mais que os construiu, porque essa alegria, essa falta de seriedade, não se sabe o que são.

Fomos e somos profundamente infantilizados e vulgarizados. Somos capazes de reclamarmos de tudo e de compreendermos nada. Acreditamos que temos direitos vários, embora não os tenhamos, quase nenhum. Gritamos como crianças, falamos como crianças, chantageamos e somos chantegeados como crianças.

Como elas, somos enganados, recebemos um e outro afago; falam conosco naquela linguagem afetada destinada às crianças… e aceitamos.

Somos vulgares e rudes e achamos que isso é espontaneidade. Achamos, porque somos adultos, mas queremos que isso seja aceito porque queremos-nos aceitos como crianças! Estamos deslocados, a padecer de uma puerilidade adulta. Nosso comportamento é dúbio, cambiante, como adultos acanalhados a vagarem pela vida.

Tudo pode e nada pode, como se fôssemos 190 milhões de meninos e meninas, a quem se desculpa tudo. Partimos para o vale-tudo, porque tudo pode. Ao mesmo tempo, vivemos o vale-nada, porque a mão pesada da repressão e da vida miserável cai aqui e acolá, como por sorte ou acaso.

Na verdade, a mão pesada da realidade não somente cai, ela permanece a esmagar a maioria e a maioria… a ser infantil. E a reagir esquizofrenicamente a qualquer estímulo, sem perceber o jogo que joga. A maioria a ser guiada, mas não segundo um guião que construiu a passos lentos, ainda que de servidão, mas construído por seus passos.

Não, a servidão é dupla, é real e formal. É vivida e encenada e suas vítimas resignam-se a ela, nas duas formas. Acham que basta-lhes a possibilidade de fazer parte do caos, ativamente, para deixar de perceber o caos.

A liberdade de ser mal-educado, de expandir sua esfera individual até agredir as dos outros basta às pessoas para viverem sem qualquer liberdade. Deram o mais em troca do menos. Perdeu-se a civilidade para ganhar o direito a viver em aparente liberdade de ser-se selvagem.

Esse foi o diversionismo que 02% do país impôs aos restantes 98% dele. Ou seja, tu podes achar que és livre porque pões o barulho do teu carro a incomodar meio mundo, tu podes urinar ou defecar nas ruas, tu podes furar uma fila, tu podes dar um pequeno golpe de estelionato, para que uma escassa minoria possa apropriar-se de ti, para viver apartada de ti e passar as férias no estrangeiro.

Essa é tua liberdade, a de seres selvagem, fazeres de criança, falares disparates, trabalhares a salários miseráveis. Tudo isso para achares que és livre e manteres as coisas como estão, para 02% do total das pessoas do teu país viverem como querem e como sabem que querem.

Mas, precisarás de segurança pública, precisarás de andar nas calçadas. Ficarás doente, terás que por teus filhos em escolas. Terás o retorno que os selvagens infantilizados e vulgarizados têm, ou seja, qualquer farsa. E, se reclamares, dar-te-ão mais um carnavalzinho e mais um direito a te embriagares.

Se pensares em reclamar com um pouquito mais de crítica, terás uma revista semanal qualquer a te lembrar do roteiro de tua vida. Tens que ficar escandalizado porque um fulano maluco matou dez ou doze pessoas, ainda que teu dia-a-dia te mostre cem ou duzentos mortos tão ou mais reais.

Vais preocupar-te com os japoneses que morreram de um terramoto, ou vais falar de uma guerra em um país que não sabes em que parte do globo está. E tu podes ter rendas mínimas ou até elevadas, és uma criança de toda forma.

Logo, teu supremo direito a passar outra criança para trás, a cometer uma incivilidade qualquer, te fará esquecer até o guião recebido da revista de imbecilidades semanais. Assim seguirás, tolo, vulgar, grosseiro, certo de que és cordial e alegre, servo, sempre servo.