Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

"Alguém segura o passado".

Assisti hoje na TV Câmara a reprise do programa Expressão Nacional exibido no último dia 02 de fevereiro. O programa consistiu num debate sobre a Comissão da Verdade e era composto pelos deputados João Almeida e Pedro Wilson, pelos cientistas políticos Glenda Mezzaroba e Otaciano Nogueira, e pelo general Rocha Paiva.

Foi um debate longo e consistente. O fato é que eu sou a favor da apuração de crimes cometidos em períodos ditatoriais em qualquer parte do mundo, pelo que sou completamente a favor da criação da comissão e acho um retrocesso a discussão em torno de um assunto como este. A ditadura e a lei da anistia são indefensáveis.

O fato é que após assitir o tal debate passei a admirar ainda mais a cientista política Glenda Mezzaroba, cujos escritos a propósito da lei da anistia eu já tinha lido, e a repudiar ainda mais a postura patife do citado general.

Dentre as estúpidas defesas do general consigo destacar duas que o levam ao mais elevado grau de estupidez. A primeira foi afirmar que em 1964 não houve golpe, mas sim um contragolpe civil-militar, em reposta a um golpe civil que estava sendo preparado. Esta pessoa realmente não tem qualquer respeito para com os familiares dos desaparecidos políticos, dos mortos e dos torturados. Não sei o que é mais patife, querer impedir a apuração da verdade ou sequer dignar-se a chamar a coisa pelo seu nome.

A segunda foi dizer que não consegue compreender o porquê de se endeusar terroristas e de satanizar os torturadores, quando afirma que a comissão deve apurar as torturas e desaparecimentos cometidos pelos dois lados da ditadura, o do Estado com seu aparato militar e o dos grupos civis.

“Alguém segura o passado”, disse o deputado Pedro Wilson. É mesmo inevitável perceber que o exército brasileiro quer segurar o passado na tentaiva de reduzí-lo a isto: passado. Apurar os crimes, declarar quem foram os torturadores, desenterrar corpos, e, finalmente, fornecer as certidões de óbito aos familiares de desaparecidos políticos é impedir que outros períodos ditatoriais ressurgam. Tem que se lembrar para prevenir. A memória tem esta função.

A postura dos militares brasileiros é mesmo vergonhosa.

Olívia Gomes

7 Comments

  1. Julinho da Adelaide

    E o que impressiona mais nessa postura é a naturalidade com que defendem suas posições. Tanto tempo no poder, sem oposição e com mídia na mão ate hoje provocaram este aleijão que é o cinismo e a arrogância desta gente.

  2. oliviagomes

    Julinho da Adelaide,

    Pois é, tratam o assunto com naturalidade e o Estado brasileiro os leva a sério a ponto de lhes questionar acerca da criação da comissão e a consequente apuração dos crimes. Isso de ir perguntar ao torturador o que ele acha de ser investigado é hediondo.

  3. Andrei Barros Correia

    Realmente, a qualidade das teses demonstra o desrespeito intelectual pelos outros.

    O golpe foi golpe. E teria sido golpe se fora contra-golpe, até porque o gênero é o mesmo. O general maneja mal os conceitos, apenas isso.

    Ele quer dizer que reagiram. Reagiram sim, sob as ordens norte-americanas, àlgumas políticas mais nacionalistas. Só isso. O grupo de Goulart não ia dar golpe algum fora da democracia.

    As probabilidades apontavam para Kubischek disputando e ganhando as eleições que viriam. Não se articulava golpe algum.

    Deram o golpe porque não venceriam nas urnas e porque esse pessoal tem apreço nenhum a eleições. Essa tese do general é tola.

    Quanto à estória de dois lados, é um sofisma. Um dos lados a que se refere o general foi perseguido por meio de ações ilegais de terrorismo de estado. Esse foi punido ilegalmente.

    Quem não foi punido por infrações foi o lado dele, do general.

    É indigno de um oficial general perder-se na defesa das ações espúrias e não propriamente militares.

    Gostaria de saber como esse pessoal se teria comportado em guerra. Não duvido que seriam como os Astiz da vida.

  4. Julinho da Adelaide

    Andrei, a maior indicação de como se comportariam em guerra é, lendo os livros do Gaspari, saber que eles ficaram em casa, de pijama, desde o dia 28/03 um ligando pro outro, ora negando o movimento, ora conspirando, ora reclamando a liderança, ora mudando de lado, mas todos, com a desculpa da má palavra, encagaçados, mesmo sabendo que não haveria resistência organizada e que teriam, eventualmente, o apoio dos patrões do norte.

  5. André Raboni

    Nas vezes que escrevi sobre o assunto no Acerto de Contas, foram espantosos alguns comentários de defensores do regime. Com o passar do tempo, fui percebendo que existem realmente alguns grupos que defendem a tortura, e chamam o golpe de revolução.

    Isso que Andrei coloca é seríssimo: “Deram o golpe porque não venceriam nas urnas e porque esse pessoal tem apreço nenhum a eleições.”

    No último post que escrevi sobre o tema, o do general Santa Rosa, tais comentários louvatórios chegaram ao cume.

    Se algum visitante perdido nessa nau quiser se aventurar à leitura, segue o link:

    http://acertodecontas.blog.br/politica/general-exonerado-por-causa-de-carta-infame-na-net/

    Foi nesse post que percebi de forma muito clara o comportamento patife dos milicos.

    Chega-se distorcendo as coisas, dando mostras de que não foi lido o que havia escrito o autor (lançamento de cortinas de fumaça). O primeiro que surge “se doendo” vira alvo de perseguição e xingamentos.

    Isso é pura estratégia: conturbar o ambiente e travar qualquer desenvolvimento possível do debate, pois debater essas coisas causa assombro aos filhotes do autoritarismo.

    Acho até engraçado como convivem bem com o paradoxo e, mesmo, a contradição: o comentarista militar que sempre assina como “Pátria, Brasil”, dou como exemplo, somado com outro militar comentador, que emergiu no post sobre o general Santa Rosa, um tal de Flávio Rodrigues.

    Num comentário, ao post “Você não saberá o nome do assassino”, sobre Alcides do Nascimento Lins, o Pátria, Brasil diz o seguinte a Pierre:

    “Não sei porque você está lamentando.
    Saiba que você tem grande participação nisso, ao abrir as portas do blog para “progressistas”, os quais não preciso citar nomes para não ser censurado, que defendem cinicamente a descriminação das barbáries cometidos por essas pobres crianças injustiçadas, pretas, que não tiveram pais presentes e que adoram BBB e bolsa esmola.
    Você é co-responsável, sim”

    No outro, aquele texto “O Leviathan da Dilma”, diz mais ainda:

    “O que precisamos é expurgar o PT e seus integrantes da humanidade.”

    Aí vem o colega do “Pátria”, um tal de Flávio Rodrigues, no post do general e solta essa pérola:

    “Adoro vcs, socialistazinhos. REMOVEM td o que não lhes convem. Nós, liberais, costumamos dar espaço para que vcs falem suas fezes mentais. (FEZES é palavrão?)”

    É um espetáculo, srs.!, do assombro…

    Abraços e saudações.

    • andrei barros correia

      André,

      Terrível é que eles assumem, hoje, comportamentos agressivos e terroristas que estão na matriz de coisas como o CCC.

      Não nos emocionemos em demasia, mas tampouco nos enganemos. A sordidez, a patifaria, a crueldade, a covardia, a falta de nobreza, existem mesmo.

      Essa gente, do tipo dos comentaristas de que falaste, dá trabalho até aos seus patrões. Como prestam-se ao serviço sujo e vil, cobram o preço aos patrões. Como os patrões sabem que não prestam para qualquer coisa além do serviço sujo, procuram pagar o mínimo.

      Esses serviçais arrancadores de unhas sempre existem, em todas as épocas e locais. Onde nunca houve conflito sério, as sociedades não tiveram ocasião de ver sua pusilanimidade e ainda lhes dá espaço.

      Onde essa gente teve de ir a guerra, juntamente com todo tipo de gente, sua real dimensão apareceu e sua importância decresceu. Não cultuo as guerras, mas sei que se tivessemos nos envolvido em uma, as coisas seriam mais claras.

      O valente que se acagaça em combate revela-se.

  6. Julinho da Adelaide

    Raboni. Essas pessoas são de um tempo em que ser militar tinha grande prestígio social e suas idéias tortas, bastante aceitação. Alguns amigos meus, militares, se apresentam hoje como funcionários públicos. E é isso que são. Infelizmente nossa débil república desde o início deu brechas para o protagonismo desta gente. E o hábito, você sabe, deixa a boca torta. Estas mesmas pessoas de mentalidade proto-fascista, depois de participar de um debate onde defendem torturas, genocídios, racismos e outras barbaridades, se sentem à vontade para ir à missa com suas senhoras, em geral igualmente raivosas, se ajoelham, comem a hóstia com a maior cara de bonzinho e não enxergam nisso nenhuma sombra de contradição. Vai entender.

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