O então Arcebispo de Olinda e Recife, D. José Cardoso, excomungou uma menina de 9 anos. Hoje, D. José Cardoso encontra-se reformado, pois atingiu 75 anos. O ato de excomunhão motivou-se por aborto e atingiu não apenas a criança, mas o médico realizador do procedimento e familiares.
A excomungada foi estuprada pelo padastro e engravidou de gêmeos. A menina estava física e moralmente debilitada, era filha de uma família paupérrima de Recife e teve o aborto realizado dentro da legalidade brasileira, pois tratou-se de caso de estupro e o procedimento médico visou a proteger a vida da gestante. É óbvio, até para um padre de visão curta, que uma criança de nove anos corre risco de vida em uma gravidez.
D. José formou-se na burocracia da Igreja Católica, tendo estado longamente em Roma, desempenhando serviços de funcionário do Vaticano. Ou seja, uma espécie de burocrata público de sotaina, ávido por regulamentos e documentos oficiais.
O ápice de sua carreira eclesiástica foi o Arcebispado de Olinda e Recife. Nunca foi uma figura muito estimada, mas isso não é propriamente um defeito. Poderia ser imputada essa falta de estima ao seu rigor de administrador formalista e à sua discrição. Mas, D. José destacou-se negativamente por mais outra característica: a estreiteza intelectual que, neste caso da excomunhão, ficou evidente.
Recentemente, o Cardeal Rino Fisichella, Reitor da Pontifícia Universidade Lataranenze de Roma, publicou, no Observatório Romano, uma carta contra a excomunhão da menina de 9 anos. O Cardeal Fisichella, convém apontar, é tido como um intelectual de pensamento refinado. Ele disse, em resumo, que a vida da menina era o valor maior em questão e, portanto, as práticas visando à sua conservação não eram delitos passíveis de excomunhão.
Para quem não se detiver para perceber como pensa uma corporação fechada, as palavras do Cardeal Fisichella parecerão óbvias e até banais. Claro, existe a legalidade e ela não se submete e normas religiosas em um Estado laico, como o Brasil. Todavia, não é pouca demonstração de bom senso o que disse o Cardeal.
Ele pôs em jogo os princípios, aquela parte não propriamente normativa que inspira todo o sistema legal, seja canônico, seja laico. Por desconhecerem os princípios a fundo e os mecanismos lógicos para maneja-los e por acreditar mais em papéis que em realidades, cometem-se erros estúpidos como o do Arcebispo.
Ou seja, o funcionário de estreitas capacidades e de afazeres burocráticos é capaz de aplicar erroneamente aquilo que deveria saber usar, até porque ufana-se de conhecer todos os regulamentos. Mas, desconhece o que pode ter inspirado os regulamentos em que gastou as retinas e apoiou o nariz a vida toda.
Desconhece, mesmo sendo um religioso medianamente graduado, que a doutrina acima do palavrório dos seus regulamentos não reconhece a manifestação de vontade dos incapazes. Que essa doutrina afirma o valor máximo da vida; que essa doutrina afirma a misericórdia divina com os inocentes.
Mais trágica ainda que a tolice canônica de D. José foi a reação de alguns prelados graduados em Roma. Redigiram uma carta contra o Cardeal Fisichella, dirigida ao Bispo de Roma, pedindo punição para o sensato. Essa carta foi sumariamente desprezada pela Cúria, em uma postura reveladora de que ainda há gente pensando no Vaticano.
Andrei. Provavelmente o assunto sera esquecido ou o cardeal será penalizado. Naquele meio, nada de bom que acontece é duradouro.
Julinho,
Parece-me que o assunto será esquecido. Às vezes, quando o fulano que chama a sensatez de volta é muito graduado, fica difícil a perseguição.
Tem razão. Nesse caso o obscurantismo da lugar à auto-preservação.
Andrei,
Contribuindo com alguns dados de fato sobre o ocorrido, de modo a compreender melhor a questão do ponto de vista católico, sugiro ler o alguns trechos de um artigo do teólogo belga Michel Schooyans no seguinte link (http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=23670).
Além de não ter sido excomunhada a menina, realmente me impressinou o fato de que a criança não corria risco de vida com a gravidez decorrente daquela violência, o que, se realmente for verdade, acaba por levar a assunto mais sério que a mera falta de habilidade hermenêutica do arcebispo brasileiro. Parece que esteve na centralidade da discussão, ao largo das questões humanitárias, a livre escolha pelo aborto. O caso apenas serviu de pretexto.
Mas, sinceramente, não entendo porque tamanha preocupação da mídia com esta excomunhão, notadamente porque os próprios médicos, há muito, se auto excluíram da comunidade cristã-católica.
O ato do arcebispo deveria preocupar apenas os católicos – digamos, por ser assunto interno da “corporação fechada” – já que, do ponto de vista civil, a questão está resolvida, com a expressa permissão da legislação.
Daniel,
Informações são sempre muito bem-vindas. Mas, convenhamos que, ainda que a menina não tenha corrido risco iminente de morte, qualquer gravidez aos 9 anos é de risco. Nessa idade, uma menina ainda cresce e até para isso a gravidez é um risco, pelo intenso débito de nutrientes.
De fato, o episódio inseriu nas notícias e no falatório o aborto voluntário. Mas esse não foi o caso específica da garota, que não podia inclusive manifestar validamente sua vontade.
Não sabia que a excomunhão não foi levada a cabo.
Creio que o escândalo mediático é realmente desprezível, porque a imprensa quer emocionar e não se escandaliza sinceramente com coisa alguma.
Mas, acho que as pessoas mantiveram o assunto em evidência porque é inegável que punir – como se acreditou que a excomunhão houve – uma criança que foi vítima de uma violência era um brutal ato de insensatez mesmo.
Andrei,
Desta vez, realmente não posso convir contigo. Não se pode presumir o risco de gravidez, ainda que seja numa menina de nove anos. Afinal, se ela pôde conceber, presume-se que seu corpo esteja preparado para a gestação.
Todavia, parece-me prudente deixar isso reservado aos médicos, fato este não observado pelo bispo italiano.
Talvez tenha me expressado mal quanto à excomunhão.
Esta, de fato, houve, mas não se dirigiu à menina, exatamente porque ela não podia expressar sua vontade. O ato de excomunhão alcançou apenas os pais da criança e os médicos, ou seja, os responsáveis diretos pelo aborto.
Por fim, o ato de excomunhão foi apenas DECLARADO pelo arcebispo, tendo em vista que seus destinatários, por si, se auto excluíram da comunidade cristã-católica.
Daniel,
O argumento da possibilidade de concepção ser gerador de sua viabilidade é formalmente engenhoso.
Mas, lembra-te, por exemplo, que uma senhora de avançados 55 anos, que não tenha passado pela menopausa, pode conceber. E, não creio que esta gravidez seja sem riscos. Mas, como disseste, não somos médicos.
Quanto à excomunhão atingir os médicos, é compreensível. Aqui, procuro argumentar apenas formalmente mesmo, sem muita opinião.
Quanto aos pais, é discutível. Que opções tinham eles? Sabe-se que a liberdade é fundamental e muitas vezes contingenciada por uma série de fatores.
Frei Bartolomeu de las Casa não terá posto almas nos indígenas sul-americanos somente para fazê-los donos de vontades e, portanto, potenciais pecadores.
Pode-se dizer que uma mulher cujo marido estupra a enteada desde os seis anos pode e deve ir a uma delegacia. Eu acho que pode até ir, mas certamente mais violência recairá sobre ela e a pequena estuprada.
Todavia, acho que ela pode não ir e não se distanciar necessariamente da igreja, ou seja, excomungar-se – que, afinal, o ato é declaratório de um distanciamento prévio.
Não me acuses de comparações descabidas, lembrando que quase todas são. Mas, qual liberdade teria tido Judas de não ter-se comportado como comportou-se? Ou, que liberdade teria tido Pedro?
Enfim, há muita contingência na liberdade.
“Afinal, se ela pôde conceber, presume-se que ela esteja pronta para a gestação”.
Afinal, presunção nos olhos dos outros é refresco.
Sem trollear, né Julinho? E Trolleando. Me desculpe Andrei. Mas a menor de 9 anos não pode conceber, nem poderá , até alcançar a maturidade biológica natural da evolução da nossa espécie. Ela foi E S T U P R A D A R E I T E R A D A S V E Z E S . Anos a fio. Dos 6 aos 9 anos. E ponto final. Para mim pena de morte ao Padrasto. Ao Arcebispo a excomunhão. Ele não representa Igreja nenhuma, Cristo nenhum. Ele representa a Inquisição. Quem tem filhas o sabe. Quem não tem atreve-se ao cinismo nazi-facista de contemporizar na dor dos outros. Como diria Chico… não sai no jornal… Então é fácil. Parabéns por tornar a lembrar algo que a sociedade não quer ver e vai à missa para esquecer.
Na esteira disso, Domingos, acho que o Arcebispo comportou-se como mero cultivador de regulamentos.
Não como um sacerdote da religião que se funda em uma nova aliança e promete uma ressurreição.
Ele conseguiu lançar o estigma social em uma família já imersa em desgraça e pobreza. E, isso, repito, foi burrice tremenda dele.
Burrice é elogio. Dom Dedé é um canalha!
E Julinho o troller não é prá você. É para o outro.