Não há escândalo na constatação de que o discurso de jornais e televisões tem lado, politicamente. A imprensa não é ideologicamente inerte, nem imparcial ante os fatos e suas repercussões econômicas e políticas. Com efeito, somente os ingênuos ou mal-intencionados vivem a esperar dos media o lugar-comum chamado imparcialidade.
Não obstante a total normalidade que há na parcialidade política da imprensa, esse jogo tem algumas regras não escritas. Essas regras implicam, em resumo, que opiniões são de quem as emite, mas fatos, esses convém dá-los ou escondê-los, nunca inventá-los.
Hoje, no Brasil, violam-se esses e outros preceitos farta e abertamente. Não apenas inventa-se o que não há, como dão-se opiniões inseridas na aparente cobertura de fatos. Não digo – outro lugar-comum – que a imprensa perca a credibilidade, até porque só se perde o que já se teve. Digo que ela precisa assumir-se outra coisa que não imprensa e aqui estou claramente seguindo o que disse o Presidente Obama da Fox News: é um partido político.
O fundamental em qualquer discurso mediático não é a credibilidade do que afirma, mas o nível com que o faz. A credibilidade é uma qualidade que se insere e se torna parâmetro de atuação e reação no discurso de matriz religiosa ou no âmbito da honorabilidade subjetiva. A oferta de notícias não gira em torno a isso. Basta vermos a coisa com algum rigor metodológico.
Um sismo, por exemplo, não é crível ou incrível, ele é um evento da natureza. Ninguém é convidado a acreditar ou não na sua ocorrência, que isso não é problema das placas tectónicas ou da notícia, mas de quem a recebe. Uma eleição, que não é evento natural, obedece à mesma lógica. O receptor pode desacreditar de muitos aspectos que giram em torno dela, mas ela, essa pode somente haver ou não haver.
Quando se desloca o problema de sua configuração de fatos e interpretações para tentar tornar essa díade num monólito em que os dois aspectos tornam-se um ser único, leva-se o receptor a uma postura igual à de preferir o amarelo ao azul, ou vice-versa. Ou seja, torna-se a difusão de informação e interpretações em difusão de axiomas. Aí, sim, é correto perceber que se está no terreno da credibilidade ou incredibilidade.
A chave para compreender o movimento é a manipulação. Ora, a manipulação é – junto com a chantagem – uma metodologia da disputa política. Transplantando-se para a imprensa tem como efeito a óbvia transformação da imprensa em partido político. Se duas entidades perseguem os mesmos fins e utilizam os mesmos meios, elas são uma só entidade, enfim.
Muitos se surpreendem com a técnica de extrair dos fatos conclusões incoerentes. Por exemplo, concluir que uma eleição é anti-democrática é uma evidente incoerência, porque a essência da democracia são as eleições. Mas, nisso não se encontra propriamente alguma violação escandalosa de princípios, no máximo, um defeito claro de raciocínio, ou má-fé indisfarçada.
Mais grave é subtrair a ocorrência de eleições – para ficarmos no âmbito do mesmo exemplo – levando-se a crer que houve realmente uma agressão à democracia. Está claro que trato de quanto se disse da política venezuelana e de seu Presidente Hugo Chavez. Ele foi proclamado, na maioria da imprensa, um agressor da democracia. Todavia, o que essa mesma maioria não diz é que ele disputou e venceu 14 eleições. E também não diz que os golpes contra ele tentados não se deram a partir de mecanismos tais como eleições.
Seria muito interessante que algum editorialista de jornal brasileiro acusasse Péricles de ter sido um grande violador da democracia ateniense, ele que passou quarenta anos no poder, sempre reeleito. Mas, sei que é pedir muito e que não se bate em mortos desconhecidos.
Excelente texto, Andrei! A coisa este ano vai ferver, que as eleições a cada dia mais próximas, fazem o vulcão cada dia mais próximo da erupção.
Mais um texto excelente para o Acerto de Contas.
Abraço!