Acabo de ler uma das deliciosas crônicas de Joca Souza Leão, publicadas no sítio de internet pe360graus. O texto chama-se Pernambuco em Toledo e gira em torno a um episódio passado em 1976. Na ocasião, em Toledo, Joca reconheceu um conterrâneo pela gargalhada.
Pois bem, isso fez-me lembrar de uma coisa interessante e pensar em outras mil desimportâncias. Percebi, no ano que morei em Portugal, que consigo reconhecer brasileiros, principalmente nordestinos. Ora, isso é óbvio? Claro que é, porque passa por identidades culturais, mas são menos óbvias as percepções que as pessoas têm dessa possibilidade.
Por experimentação mesmo, uma e outra vez comentava dessa facilidade de reconhecimento. As reações mais interessantes – muito embora trata-se de uma obviedade – eram duas. Uns escutavam o comentário como se se tratasse da coisa mais exótica do mundo, ou de uma impertinência ou tolice imensas.
Outros, achavam que era a enunciação científica de uma coisa negativa, ou seja, da existência de signos identificadores que seriam basicamente maus-modos. Não é isso, todavia, pois essa percepção negativa é complexo de inferioridade e vontade de emulação do colonizado.
Uma vez que eu apontei uma tremenda falta de educação de um brasileiro, em uma crônica, não foi para dizer que o reconheci como brasileiro pelos maus-modos, foi porque o sujeito falava aos berros na Madeleine, que é uma igreja e em que havia uma missa naqueles exato momento. Identifiquei porque o fulano berrava no telefone celular em português brasileiro. Só não identificaria se fosse mais surdo do que sou!
Seria possível discorrer sobre os sinais que identificam um grupo e, no caso, os brasileiros e nordestinos, mesmo que não digam uma palavra. Mas, isso não é um ensaio científico, são impressões. Seria até arriscado enumerar os possíveis sinais, gesticulação, forma de andar, pois, de tão improváveis as distinções, pode parecer suposição arrogante.
Mas os sinais existem. E para capta-los basta conhecê-los e estar atento, seja involuntariamente, seja por esforço disciplinado. Percebo-os quase sem esforços, intuitivamente, embora isso seja o trabalho de muitos neurônios associando e dissociando memórias e conceitos.
Na verdade, extravagante mesmo seria se isso não fosse possível, porque então seria um mundo de homogeneidade avassaladora ou de pessoas absolutamente incapazes de identificações. E muita gente parece não gostar dessa carga de signos identificadores que carrega e expõe sem poder disfarçar.
São frequentes as figuras do brasileiro que não quer ser reconhecido, seja porque sua situação recomenda a assimilação, seja porque vive aquela presunção do cidadão do mundo que fala sem acento e veste-se como acha que um sueco da mesma idade se vestiria.
Bem, é verdade também que são numerosos os brasileiros que, ao contrário das figuras escamoteadas, afirmam-se efusivamente no estereótipo do simpático, falante, acolhedor brasileiro. Mas também esses, pouco importa que estejam representando um papel ou a si mesmos, estranham que possam ser identificados ainda que se calem ou não estejam com a camisa amarela da seleção nacional.
O fato é que se acredita na possibilidade do disfarce, suprema ingenuidade!
Certa vez, bem cedo em uma manhã de inverno em Filadélfia, peguei um taxi junto com Madame Sidarta para o aeroporto e iniciei uma conversa com o motorista que, pelo tamanho da cabeça e tipo de penteado, devia ser irlandês americano. Ao cabo de alguns segundos, com eu tentando falar um ingles o mais natural possível, o motorista me diz com um sotaque nativo de um Kennedy suburbano: you guys are from Florida, aren’t you? Pensei orgulhoso que já estava falando ingles com sotaque da Florida, mas depois deduzi que todo latino nos USA fala ingles com sotaque de latino da Florida. Não dá mesmo para disfarçar as nossas origens, nem em uma manhã escura e nem vestido de paletó e gravata e de cabelo bem cortado. Eu disse ao driver que era do Brazil e ele respondeu: eh, but you have a latin accent. Desisti de tentar aprimorar o sotaque e optei por ainda falar algum inglês com uma intonação mais tailandesa, muito parecida com a intonação da região da fronteira de Pernambuco com o Piauí.
De uma forma bem diferente é muito fácil identificar um brasileiro do sul, especialmente paulistano mesmo que não digam uma palavra.