Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

A ditadura do concurso público.

Em 1998, quando fui aprovado no vestibular para o curso de Direito, as pessoas me parabenizavam como se tivesse alcançado um passaporte para um futuro seguro e promissor.
Naquela época, quando contava com prematuros dezessete anos de idade, os elogios me deixavam com extrema vaidade, faziam-me ter a certeza de que meu futuro realmente já estaria garantido pelo simples fato de cursar a faculdade de Direito.
Em 2004 colei grau e pude notar que a pompa do curso de Direito, tão evidente em 1998, já não era a mesma. A quantidade de cursos jurídicos começava a extrapolar o limite do aceitável. Notei que a realidade seria bem mais dura do que imaginava.
2005 chegou e decidi me dedicar a concursos públicos como sendo minha “tábua de salvação”. Depois de um ano e meio de estudos e cursinhos, consegui a tão almejada aprovação. Hoje sou servidor público, ciente da importância de se ocupar um cargo na esfera estatal, mas preocupado com os rumos e caminhos escolhidos pelos estudantes de Direito nos tempos atuais.
Só em Campina Grande/PB, já são pelo menos quatro cursos. Em João Pessoa/PB, há mais meia dúzia, no mínimo. Em Patos/PB e Sousa/PB, no sertão, e em Guarabira/PB, no brejo, também já é possível cursar Direito. E isso porque, ao contrário de cursos como engenharia, medicina e tantos outros, Direito tem um custo de montagem muito baixo. As faculdades gastam praticamente apenas com os salários dos professores, anunciam mensalidades que cabem no bolso, e, com isso, atraem uma legião de sonhadores que têm por doutrina, na maioria das vezes, ganhar seus R$ 20.000,00 pelo resto da vida, não importando qual função exerça, nem o grau de responsabilidade a ser assumido.
Diante dessa realidade, vem a pergunta: há espaço para todos no serviço público? A resposta, infelizmente, só pode ser negativa.
O Bacharelado em Direito está se transformando no tipo da formação coringa, buscada por quem não vê oportunidades no mercado de trabalho e acha que o curso lhe dará a oportunidade de ser aprovado num concurso público. Muitos se sentam nos bancos da faculdade pensando sentar-se em bancos de cursinhos preparatórios.
Longe de mim condenar os que escolhem o Direito por profissão e o concurso público como opção. Seria, no mínimo, uma grande hipocrisia, partindo de um servidor público, criado e educado por uma servidora pública. Longe de mim querer menosprezar a importância de uma ciência tão importante para qualquer sociedade minimamente organizada.
Porém, a realidade das academias jurídicas em nosso país é estarrecedora. E não falo da qualidade do ensino. O corpo docente é cada vez mais preparado e especializado. O que me perturba é ver um curso universitário sendo alvo de uma legião de cidadãos tão-somente pela chance de lhes proporcionar, após a formatura, a assunção, cada vez mais improvável, de um cargo público dotado do tão sonhado atributo da estabilidade.
A quantidade de cargos públicos e, conseqüentemente, de concursos públicos, já vem diminuindo bastante de uns tempos para cá. São raros os concursos, atualmente, a oferecer mais de cem vagas. Enquanto isso, a quantidade de “estudantes-concurseiros” aumenta em progressão geométrica. Resultado da equação: mais da metade dos bacharéis, seguramente, não conseguirá ocupar um espaço no serviço público.
A esmagadora maioria dos jovens vestibulandos brasileiros, ou seja, aqueles na faixa etária dos 17 aos 20 anos de idade, geralmente de classe média e predominantemente os da região Nordeste, não pensa em empreender, criar, inovar nem transformar a realidade social. No momento de decidir qual caminho escolher, se veem diante de duas possibilidade: prestar vestibular para Medicina ou Direito. Sendo Medicina um curso caro e ainda com poucas vagas, surge o Direito como a válvula de escape. E isso se deve, basicamente, a fatores como a falta de oportunidades noutras áreas, o preconceito de seguir um caminho “alternativo” e a já mencionada possibilidade de se alcançar a estabilidade por meio da aprovação em concurso público.
Infelizmente, ou melhor, felizmente, há inúmeros casos de bacharéis em Direito, com carteira da OAB, trilhando caminhos “alternativos” para sobreviver, e muitas vezes com índices de sucesso e satisfação pessoal muito altos.
Já ouvi relatos de uma advogada que abandonou a profissão para ser empresária. E muitos poderiam pensar, em virtude da pomposa denominação “empresária”, que ela tenha montado uma franquia de cosméticos milionária, ou algo do tipo. Pois acreditem: a “ex-Doutora” é manicure das mais requisitadas! E isso, certamente, também é ser empresária. Com o pensamento de expandir o negócio, já fatura algo entre R$3.000,00 e R$ 4.000,00, bem mais do que boa parte de advogados que matam um leão por dia nos fóruns Brasil afora. E maior do que o salário pago por vários cargos públicos.
Não estou eu pregando a desvalorização do curso de Direito. Seria, repito, pura hipocrisia, já que tudo que alcancei até hoje, tanto do ponto de vista profissional, quanto do financeiro, foi graças ao Direito. Apenas quero deixar claro a milhares de concurseiros, inclusive eu, que nada nos impede de continuar nossos estudos visando o tão almejado cargo público, sem que seja necessário colocar essa opção como exclusiva. Precisamos abrir mais a mente, oxigená-la e pararmos de acreditar que a felicidade, a realização pessoal e profissional e a segurança financeira só virão com a ocupação de um cargo público.
O ser humano é criativo por excelência, e as oportunidades que podem advir das relações humanas são infinitas. Cabe a todos nós concurseiros – até mesmos aos que, como eu, já são servidores públicos – criar e inovar, buscando caminhos alternativos. O Brasil agradece!

6 Comments

  1. Naiara

    Concordo em gênero, número e grau – Direito é ciência e não apenas sinônimo de estabilidade financeira… Abaixo a vulgarização do concurso público!

  2. Maria José

    No Brasil quando se fala em empresário ,tem que ser muito rico e tem que ter diploma .Pessoas que investem em coisas simples podem se tornar empresários de sucesso que merecem respeito e não tem que ser obrigatoriamente “ricas” mas terão seu sustento e uma vida confortável e decente.

  3. Olívia Gomes

    Pois é. Os “concurseiros” precisam compreender que não tem vaga pra todos eles. Algum dia terão que buscar trabalhar em outra coisa. Fora isso, os alunos dos cursos de direito acham que estão num cursinho. Já ouvi várias vezes alunos me pedirem apostilas. Eu respondo: se chama doutrina, e você terá que ler pelos menos três por tema de direito. Esse é outro aspecto que chama a atenção: como a mentalidade do concurso impera, as pessoas não querem ler e se aprofundarem nos assuntos. Querem apenas o que cai nos concursos.

  4. Daniel Maia

    Olhemos também sob outra perspectiva, embora não muito alentadora.
    A grande procura por concursos delineou o perfil das novas faculdades. Como se sabe que o seu público tem um objetivo muito claro e preciso, que é o de pertencer aos quadros da Administração, as direções e coordenações procuram profissionais que transmitam o conhecimento daquela forma “vestibulística” bem conhecida, ou seja, que preparem os alunos para a realização de exames.
    Por outro lado, na maioria das vezes, se você não tem um conhecido que o indique a este emprego, por menor que seja a reputação da faculdade, sempre te exigem o título de mestre.
    Então, pergunta-se: se a modalidade de ensino é dirigida à aprovação numa seleção pública, qual a necessidade de que o professor seja portador daquela graduação? Ora, para ensinar a fazer provas do CESP ou FESAC, não é preciso tanto.
    Evidentemente, trata-se de pôr em prática mais uma exigência inútil do MEC, apenas para cumprir mais uma formalidade, uma vez que a presença de um mestre ou doutor não servirá à formação dos alunos, de acordo com a proposta deliberada e previamente assumida.

  5. Gustavo França

    Outra formalidade do sistema é a exigência dos três anos de atividade jurídica para prestar concursos da magistratura e do MP. Os concurseiros assinam petições na maioria das vezes sem nem saber do que se trata, e preenchem o requisito.

  6. Julinho da Adelaide

    Andrei. Desculpa sair do assunto mas dá uma olhada se já não viu esse vídeo. Trata-de de uma entrevista de valdvogel a tres constitucionalistas. Presta atenção no tom que a entrevista começa, em como o cabeludo coloca a farsa em xeque e como a bichinha fica indignada. Vale a pena!

    http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-caso-do-sigilo-fiscal-na-globonews#more

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