Auto-referência é a atitude consistente em mascarar uma finalidade pessoal ou corporativa, que deveria ser pública. Quer dizer, fazer por si e pelo grupo o que deveria ser feito pelo conjunto todo da sociedade, de forma velada. Ela sempre se apresenta como um tremendo elemento de confusão e de deslocamento de qualquer discussão do centro do problema.

Atualmente, por exemplo, discutem-se os cartórios no Brasil. Chovem lugares-comuns: estruturas arcaicas, feudos dominados por meia dúzia de privilegiados e por aí vai. Isso tudo é verdade, mas é curiosíssimo notar que a discussão, no momento seguinte, é capturada pela lógica auto-referente e encaminha-se no sentido por ela desejado.

Ao invés de se discutir a utilidade dos cartórios, que são estruturas redundantes, partiu-se para discutir a forma de obter-se a titularidade de um deles. Inseriu-se um elemento de moralismo redentor e desviou-se o foco do centro da questão. Ora, se um cartório bem podia não existir, que importa que o titular seja nomeado ou aprovado em um concurso público?

Importa é saber se deve haver cartórios, se eles são necessários. Depois disso, discute-se a forma de obtenção deles. Para a vastíssima maioria da população, o dono de um cartório é um privilegiado, pouco importando a forma de obtenção do privilégio. E a qualidade dos serviços tampouco dependerá disso. A discussão nesses termos só interessa ao grupo auto-referente dos potenciais detentores de cartórios.

Tome-se um exemplo. As prefeituras tem cadastros da propriedade imóvel, a partir de que lançam o imposto predial urbano. Resulta que a detenção dos mesmos registros por cartórios é redundante. Ora, se a coisa for vista com clareza, fica claro que as prefeituras podiam muito bem registras as transferências de propriedade e que os cartórios na verdade existem a bem deles próprios!