Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: setembro 2011 (Page 3 of 3)

Salário de R$ 30.600,00 para juiz do supremo: a ditadura da burocracia e a pretensão à imunidade crítica.

Muitas coisas são comparáveis. Os tolos e os mal-intencionados sabem disso, mas só comparam segundo suas conveniências. Bem, dito isso, é bom saber que o salário mínimo, no Brasil, é de R$ 545,00, o que resulta em U$ 328,00, na taxa de câmbio comercial de hoje: 1,66 real/dólar norte-americano.

Em 2012, o salário mínimo será de R$ 620,00, ou seja, U$ 373,00. Os juízes do supremo tribunal federal e o procurador-geral da república querem que seus salários aumentem para R$ 30.600,00, ou seja, U$ 18.433,00. Eles querem ganhar 50 vezes um salário mínimo, diferença proporcional escandalosa, sob quaisquer parâmetros. Tal diferença não existe em canto algum, onde haja um salário mínimo legal e um salário máximo para a função pública.

Eles passam ao largo dessa obscena desproporção, porque ela os favorece. Por isso, dizem que as comparações são incabíveis. Se se tratasse de comparar para mostrar um eventual salário reduzido dos juízes, eles se serviriam das comparações com toda a tenacidade possível. Se fosse de seus interesses, eles publicariam nas portas dos fóruns as tabelas de salários de juízes e de salários mínimos, no mundo inteiro.

Apegam-se a aspectos formais desprezíveis, em posturas incompatíveis com a dignidade que pretendem e com a insistente ênfase para os tais cargos de soberania. Curioso, cargo de soberania que nunca passou por consulta popular, ou seja, pelo crivo dos soberanos, o povo.

Dizem que a constituição assegura a reposição das perdas inflacionárias. Realmente, a constituição tem esse objeto arqueológico e estúpido de indexação. Acontece que eles, os juízes do supremo, já decidiram várias vezes que essa cláusula constitucional é meramente formal! Sim, em várias questões sobre carreiras de funcionários públicos, esses senhores disseram que a garantia é de revisão anual, pouco importando de quanto.

Quando se trata dos interesse deles, a garantia assume ares materiais, diferentemente do que decidiram para outros. Isso é o que se espera de juízes? Espera-se que a mesma cláusula valha diversamente para classes em situações idênticas? Que julguem em causa própria?

Outra coisa notável é a arrogância que se descobre nas suas posturas. As mesmas pessoas que gostam de pedir tudo aos outros bem explicadinho, detalhadamente, que gosta de por os mortais a lhes pedirem suplicantemente, com genuflexões, como quem pede a deuses mal-humorados e caprichosos, expõe seus pleitos com uma superioridade mal-disfarçada.

Pedem um aumento absurdo como se fosse a maior trivialidade, uma coisa óbvia e previamente devida, certa, impassível de dúvidas. É de comover! Todo o restante do mundo assalariado tem que se expor a insistências, a explicações, a dar razões consistentes, mas esses senhores apenas devem comunicar o que desejam, para que seja ratificado. Mas, quantos votos eles têm?

Eles têm que explicar que valem o que pedem, porque pedem a todo o povo que custeia o Estado que lhes conceda o que acham devido por direito divino. Podiam lembrar-se que, há pouco mais de dez anos, pediam mais discretamente e recebiam nada, no caso específico do consulado de Fernando Henrique Cardoso. E este, Fernando Henrique, não os deu nada  e não foi porque tenha consultado o povo, mas simplesmente porque não quis e não se preocupou com isso, forte em patrões robustos e ideologias religiosas que se queriam liberais.

Não há qualquer razão para o governo e o congresso cederem à chantagem judiciária. Uma greve de juízes? E daí? Se a fizerem, a imprensa contrária ao governo vai dar ênfase, mas o fará não porque queira que eles tenham o aumento, apenas porque qualquer coisa que sirva para falar mal do governo calha bem. Entrarão nesse comércio de cabeça, assumirão os riscos do flerte com a imprensa de baixo nível que domina a cena?

Meglio Stasera.

Posso ver esta cena da Pantera Rosa mil vezes. Há uma beleza cromática e dinâmica impressionantes, além da música, claro. Roupas dão o contraste em medida certa. Ao formal, subjaz o guia do filme. Clouseau conversa com um fulano, em atitude totalmente desconexa com o ambiente e, ao mesmo tempo, conexa, porque lá está.

O ladrão conversa com prováveis roubados por ele, elegante na forma – bem, é David Niven – inglês pouco britânico no seu à vontade erecto, ao lado do sobrinho também ladrão e também inglês.

E Clouseau dança ao contrário. Claro.

Clandestino, de Manu Chao. Para os sudacas em Madrid e circunvizinhanças.

Solo voy con mi pena
Sola va mi condena
Correr es mi destino
Para burlar la ley

Perdido en el corazón
De la grande Babylon
Me dicen el clandestino
Por no llevar papel

Pa’ una ciudad del norte
Yo me fui a trabajar
Mi vida la dejé
Entre Ceuta y Gibraltar

Soy una raya en el mar
Fantasma en la ciudad
Mi vida va prohibida
Dice la autoridad

Solo voy con mi pena
Sola va mi condena
Correr es mi destino
Por no llevar papel

Perdido en el corazón
De la grande Babylon
Me dicen el clandestino
Yo soy el quiebra ley

Mano Negra clandestina
Peruano clandestino
Africano clandestino
Marijuana ilegal

Solo voy con mi pena
Sola va mi condena
Correr es mi destino
Para burlar la ley
Perdido en el corazón
De la grande Babylon
Me dicen el clandestino
Por no llevar papel

Argelino clandestino
Nigeriano clandestino
Boliviano clandestino
Mano negra ilegal

O amor das aparências.

Tenho o gosto de andar pelos mercados. Não se trata de andar a comprar tudo que vejo, antes pelo contrário talvez. Trata-se de olhar aquela grande diversidade, que já me agrada bastante. Claro que esse diletantismo olhador acaba levando-me a comprar uma e outra coisa, mas não gera qualquer furor aquisitivo.

Eis que inauguram um novo mercado aqui, em Campina Grande, um deles muito grande, de uma rede francesa. Além de bem organizado, tem uma diversidade grande de produtos, o que me permite ficar a olhar desde produtos de jardinagem até queijos.

E permite ver outras coisas, também, porque é um lugar de grande aglomeração de pessoas. Neste caso, reforcei a percepção de que as aparências são adoradas, na selva real que se descobre por trás delas.

Um mercado novo, recém-inaugurado, está todinho organizado. No estacionamento, há faixas para passagem de pedestres, há vagas especiais para deficientes físicos e para idosos, marcadas bem claramente. Há caixas preferenciais para idosos, deficientes e mulheres grávidas há, enfim, tudo isso que dá aparência de educação.

Acontece que nada disso serve, ou serve muito pouco. Acabado de chegar ao templo do consumo, vejo um jovem sorridente pondo seu carro na vaga dos idosos. A tal vaga distingue-se de todas as outras, porque é inteiramente pintada em azul, com o nome idoso em letras brancas imensas. Mais adiante, já quase a entrar no mercado, quando passava na faixa de pedestres, quase sou atropelado por um automobilista apressado dentro de um estacionamento!

Duas coisas são possíveis, para explicar isso: a primeira é o desprezo voluntário e consciente das convenções e regras, como a dizer que são nada; a segunda é a ignorância do real sentido daquelas coisas pintadas no chão ou escritas em tabuletas.

O primeiro caso é menos grave, porque menos passível de correção. É questão de má-educação voluntária e não é reprimida. O segundo aponta o vasto espaço aberto para a melhora das nossas gentes. Precisam saber de quê se trata e, provavelmente, quando souberem as respeitarão.

Todavia, se não há disposição para reprimir os abusos voluntários de quem se pretende conhecedor das normas, nem há para educar quem não conhece as normas e as suas razões, melhor é abolir as aparências e evitar-se o ridículo de uma selva pintada em cores vivas e claras.

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