Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: maio 2010 (Page 3 of 6)

A Europa não devia esquecer Ortega y Gasset.

A dívida, ou as dívidas, é apenas um detalhe. Elas vão evaporar-se, com euro ou sem euro. A questão é o que virá depois, que extremismo vai ser triunfante na Europa que pensou na União como superação da história sem sua digestão.

Entre 1920 e 1935 José Ortega y Gasset – a mente mais clara que o continente viu no século passado – escreveu artigos que se reuniram em um volume chamado A rebelião das massas. O homem viveu os momentos antecedentes ao fascismo e ao bolchevismo, uma guerra européia imensa, a crise financeira avassaladora. Ele pensava e fazia-o a partir da história. Era um liberal, o que é imensamente claro para quem não tomar essa palavra pelo nada que hoje significa.

É relativamente difícil compreender o que passou e é muito mais difícil imaginar o que se passará. Essa dificuldade aumenta com o desconhecimento e a desconsideração da história. Não se trata de viver a apontar datas, como os tolos acusam a percepção histórica, nem de achar que o porvir repete o passado, trata-se de conhecer o que houve para fazer diferentemente ou fazer o mesmo sabendo-o.

A segunda guerra destruiu temporariamente a figura terrível que dominava a cena européia, o menino satisfeito, ou senhorzinho satisfeito –  o termo vai depender da tradução. Esse tipo humano foi magistralmente apresentado por Ortega y Gasset. É a figura humana, independentemente do estrato social a que pertença, que vive como se a vida não tivesse tensões reais. Não devo evitar a citação:

Se, atendendo aos efeitos de vida pública, se estuda a estrutura psicológica desse novo tipo de homem-massa, encontra-se o seguinte: primeiro, uma impressão nativa e radical de que a vida é fácil, sobrada, sem limitações trágicas; portanto, cada indivíduo médio encontra em si uma sensação de domínio e triunfo que, segundo, o convida a afirmar-se a si mesmo tal qual é, a dar por bom e completo o seu haver moral e intelectual. Este contentamento consigo próprio leva-o a fechar-se a qualquer instância exterior, a não ouvir, a não pôr em causa as suas opiniões e a não contar com os outros. A sua sensação íntima de domínio incentiva-o constantemente a exercer o predomínio. Actuará, pois, como se no mundo só existissem ele e os seus congéneres: portanto, terceiro, intervirá em tudo impondo a sua opinião vulgar, sem consideração, contemplação, trâmites ou reservas, quer dizer, segundo um regime de acção directa.”

Assim agem novamente os europeus? Parece-me que sim e que assumiram o patético de não acreditar em limitações trágicas, ao tempo que em confundem drama com tragédia. As tensões cotidianas de uma mais ou menos justa divisão das riquezas converteu-se em todo o âmbito de preocupação de quem, no fundo, achava-se bem instalado em alguma riqueza. Aconteciam coisas em torno, mas, no fundo, não se tomaram a sério e acreditou-se na suficiência do havia e no curso imutável da história.

Essa gente não está apenas nos bairros sociais, está nas direções de bancos e de governos. Será necessária mais uma guerra para, novamente, pôr fora da cena esse tipo? Pode ser uma solução, mas agora seria solução reducionista, pois uma tal guerra não seria mundial, pois o menino satisfeito vive em âmbito rico, mas não manda no mundo. Portanto, sua catarse seria pouco, seria só sua.

Pode ser a ocasião em que o futuro europeu não dependa de uma guerra, não porque as guerras sejam necessariamente meios ruins de fazer-se a história, mas porque hoje o restante do mundo não se envolveria nisso. Ou seja, ela, a guerra, seria evidência de perda de proeminência e resultaria naquilo que o senso-comum imputa às guerras: somente retrocesso.

A única maneira da Europa sair do impasse é clássica, embora cada época tenha seu meio de operação: é  ter o ambiente que favoreça a técnica, o que não se confunde com aquele em que todos compram seus resultados enquanto a desconhecem e a desprezam. E o antecedente desse ambiente em que viceja a técnica – e a produção da riqueza – é o domínio social do tipo contrário ao menino satisfeito.

O tipo social contrário ao menino satisfeito conhece a história, não para propor sua repetição, e sabe que não existe avanço fácil. Sabe que não se basta intelectual e moralmente e que as facilidades que tem ao seu redor não são frutos de geração natural, mas de esforços muito longos. E, principalmente, não aposta no jogo de encenação política que oferece alguma mágica azul ou vermelha, visando a que tudo permaneça do mesmo jeito sem que tudo mude.

Dimona: aqui está a real ameaça à paz no médio-oriente.

Complexo nuclear de Dimona.

Os franceses e os norte-americanos sabem muito bem o que há neste sítio no deserto do Negev. Os primeiros porque ajudaram a construí-lo, a partir de 1958, e os segundos porque também ajudaram, posteriormente, a melhorá-lo e torná-lo um não-assunto.

No início, era um pequenino reator de fissão nuclear, de água pesada, com potência nominal de 26 MW, basicamente de tecnologia francesa. Na verdade, a planta tinha capacidade para 150MW.

Os gauleses também ajudaram na construção de uma planta de produção de plutônio. Estima-se que é capaz de produzir ao redor de 40 quilogramas de plutônio físsil, o que é suficiente para a obtenção de cinco bombas atômicas por ano. Feitas algumas continhas simples, chega-se à estimativa do atual arsenal nuclear israelense: 200 bombas atômicas!

Aqui, a ONU, nem qualquer outra coisa desse gênero, nunca entrou, nem quis entrar. Não é curioso?

Brasil, Irã e Turquia celebram acordo sobre combustíveis nucleares. O êxito que a imprensa brasileira tentará esconder.

Presidentes Lula e Ahmadinejad

O Brasil, o Irã e a Turquia chegaram a um acordo por meio do qual os persas enviarão à Turquia 1.200 kg de urânio pouco enriquecido, em troca de matérial físsil mais enriquecido a ser utilizado em reator destinado a pesquisas médicas. O acordo está conforme ao que propunha a ONU, para solucionar o impasse sobre as pesquisas nucleares iranianas.

Nada obstante, muitos destilam suas decepções e fazem comentários céticos sobre o êxito, como a Senhora Rodham Clinton. É compreensível, pois o acordo deixa claro que se as negociações anteriores tivessem sido conduzidas com reais propósitos conciliatórios teriam chegado também a bom termo. Não faltaram aos norte-americanos e à ONU esforços, faltou boa-fé.

O acordo retira aos EUA o pretexto que invocariam na ocasião em que o Estado de Israel desferisse mais uma de suas ações agressivas contra seus vizinhos. Diriam, certamente, que Israel praticara mais uma de suas investidas bélicas desproporcionais, matando muita gente que nem se dá ao trabalho de pensar nessa maravilha teocrática com vistas para o mediterrâneo, porque afinal o Irã havia sido irresponsável com seu programa nuclear.

Essa desculpa, ao menos por enquanto, não servirá. Claro que encontrarão outra, mais adiante, e encherão a paciência de quantos ainda pensam por si, no mundo, a dizer que seus interesses bélicos imediatos confundem-se com problemas globais.

Alguém poderia sugerir a Israel que – em memória do grande pacifista Josué – abrisse a inspeções o complexo de Dimona.

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